O apoio dos EUA a grupos fundamentalistas: do Afeganistão à Síria

Ao longo da história moderna, os Estados Unidos frequentemente utilizaram alianças temporárias com grupos fundamentalistas religiosos como uma ferramenta para combater inimigos geopolíticos. Essa estratégia, aplicada em diferentes contextos, foi determinante durante a Guerra Fria, com o financiamento de guerrilheiros islâmicos no Afeganistão, e mais recentemente, no apoio à oposição síria contra o regime de Bashar al-Assad. No entanto, essas alianças frequentemente tiveram consequências inesperadas, incluindo o surgimento de organizações extremistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Este artigo examina esses casos emblemáticos e discute as implicações de longo prazo dessa abordagem.

Na década de 1980, os Estados Unidos, por meio da CIA, lançaram a Operação Ciclone, um programa secreto destinado a financiar e armar os mujahidin afegãos que lutavam contra a ocupação soviética. A aliança foi vista como uma oportunidade estratégica para enfraquecer a União Soviética, transformando o Afeganistão em um “Vietnã soviético”.

Com financiamento de bilhões de dólares e apoio logístico de aliados como o Paquistão e a Arábia Saudita, os mujahidin conseguiram expulsar as forças soviéticas em 1989. No entanto, o colapso da estrutura de poder no Afeganistão após a guerra criou um vácuo político preenchido por facções radicais, incluindo a Al-Qaeda, liderada por Osama bin Laden, que havia lutado ao lado dos mujahidin.

Embora os EUA não tenham apoiado diretamente a Al-Qaeda, o financiamento indiscriminado de combatentes islâmicos durante a guerra contribuiu para a radicalização da região. A Al-Qaeda eventualmente se voltou contra os Estados Unidos, culminando nos ataques de 11 de setembro de 2001. Esse evento destacou as consequências imprevistas de alianças estratégicas baseadas em interesses temporários.

Além disso, a saída abrupta dos EUA após a retirada soviética do Afeganistão deixou o país em um estado de colapso político e econômico. Sem apoio contínuo para estabilizar a região, as forças radicais preencheram o vácuo de poder, transformando o Afeganistão em um terreno fértil para o extremismo islâmico global.

Durante a guerra civil síria, os Estados Unidos adotaram uma estratégia semelhante ao apoiar grupos opositores ao regime de Bashar al-Assad. Sob o pretexto de promover mudanças democráticas e enfraquecer o eixo Rússia-Irã-Síria, Washington forneceu treinamento, armas e assistência financeira a facções rebeldes.

No entanto, a oposição síria era fragmentada e incluía grupos com laços estreitos com o extremismo islâmico. O apoio americano inadvertidamente fortaleceu organizações como a Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, e contribuiu para a escalada do conflito. A administração Obama enfrentou críticas tanto por não intervir diretamente quanto por permitir que o apoio indireto alimentasse a radicalização.

A fragmentação da oposição síria também dificultou qualquer tentativa de coordenação eficaz entre os grupos. Em muitos casos, armas fornecidas pelos EUA acabaram caindo nas mãos de grupos extremistas, minando os próprios objetivos da política americana. O envolvimento dos EUA na Síria destacou a complexidade de lidar com conflitos regionais onde alianças temporárias frequentemente resultam em consequências imprevisíveis.

O surgimento do Estado Islâmico (ISIS) adicionou outra camada de complexidade à política americana no Oriente Médio. Após a invasão do Iraque em 2003, a dissolução das forças armadas iraquianas criou um exército de combatentes experientes e desempregados que se juntaram a grupos extremistas. O ISIS emergiu como uma força poderosa, explorando o caos no Iraque e na Síria para estabelecer um “califado” em 2014.

A declaração do ex-presidente Barack Obama, sugerindo que o ISIS era, em parte, uma criação das políticas americanas, gerou polêmica. Embora suas palavras tenham sido interpretadas de várias maneiras, elas refletem o reconhecimento de que intervenções militares e alianças estratégicas frequentemente geram consequências imprevisíveis e indesejadas.

O ISIS também aproveitou a desestabilização da Síria, em parte causada pelo apoio dos EUA à oposição, para expandir seu território e influência. A ausência de um plano robusto para conter a disseminação de grupos extremistas após a queda de cidades importantes no Iraque e na Síria permitiu que o ISIS alcançasse um poder significativo, que levou anos para ser revertido.

 

Os esforços dos EUA para usar grupos fundamentalistas como ferramentas estratégicas produziram resultados de curto prazo, mas criaram desafios de longo prazo para a segurança global. O financiamento e treinamento desses grupos frequentemente resultaram na disseminação de ideologias extremistas que ameaçam a estabilidade internacional.

Além disso, essas políticas geraram críticas por sua aparente contradição com os valores democráticos que os EUA afirmam defender. O apoio a grupos que frequentemente violam direitos humanos minou a credibilidade americana e alimentou narrativas antiocidentais.

A política de alianças pragmáticas também teve impactos duradouros na percepção global dos EUA, especialmente no Oriente Médio. Muitos países e populações locais passaram a questionar as intenções americanas, vendo tais estratégias como meramente oportunistas, em vez de sustentadas por princípios éticos ou democráticos.

O histórico de apoio dos Estados Unidos a grupos fundamentalistas religiosos ilustra os riscos de alianças pragmáticas em contextos geopolíticos complexos. Embora essas políticas tenham proporcionado vantagens táticas em conflitos específicos, elas frequentemente tiveram consequências imprevistas, incluindo o surgimento de organizações extremistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. A experiência no Afeganistão e na Síria serve como um lembrete das limitações e perigos de tais estratégias, destacando a necessidade de abordagens mais sustentáveis e consistentes para lidar com os desafios globais.

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