Lula deveria ouvir o que Caiado tem a dizer sobre Segurança Pública

Em 31 de outubro de 2024, o Presidente da República, Lula da Silva (PT), apresentou aos governadores dos estados um texto de anteprojeto de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. A ideia seria integrar os entes federados ao conferir status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp).

A intenção do governo federal é dar ao Susp, criado em lei ordinária de 2018, um papel constitucional, maior e de longo prazo. Na prática, as mudanças são: dar poderes ostensivos à Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF); padronizar dados, sistemas e comunicação entre as pastas de segurança nos estados; criar um Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária; dar poderes à União de definir as diretrizes e políticas das forças de segurança em todo o país.

Porém, alguns governadores, não gostaram das sugestões do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. Ronaldo Caiado (Goiás), Ibaneis Rocha (Distrito Federal) e Cláudio Castro (Rio de Janeiro) consideraram que a proposta abala o pacto federativo e invade suas competências, deixando-lhes com menos poderes para cumprir suas responsabilidades. 

Em resposta, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), em quase unanimidade (26 das 27 unidades federativas), sugeriu alterações na PEC. O único estado que não aderiu às sugestões foi Goiás — o governador Ronaldo Caiado apresentou na última segunda-feira, 23, suas próprias sugestões. 

Por que ouvir Caiado?

Em 2015, Goiás era o quinto estado mais violento do país, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), e a situação vinha piorando. Entre 2002 e 2012, a violência no estado tinha aumentado 113,7%. Quando assumiu o governo, em 2018, Ronaldo Caiado implementou uma linha completamente diferente de atuação que rapidamente o transformou em um caso de sucesso em segurança pública.

Os últimos dados disponíveis mostram que, de 2012 a 2022, Goiás foi o terceiro estado que mais reduziu mortes violentas (-47,7%), atrás apenas de Distrito Federal e São Paulo — a estatística leva em consideração anos anteriores ao governo Caiado, o que indica que a redução foi ainda mais concentrada após 2018. Desde 2019, a redução dos homicídios foi de 56%, roubos de veículos caíram 93%, roubos de cargas diminuíram 97%. Roubos a bancos não foram mais registrados.

Por ter mostrado comprometimento e eficiência na redução da criminalidade, o presidente da República deveria considerar as sugestões do governador de Goiás. Apesar de potenciais adversários políticos em 2026, as sugestões de Caiado se revelam brutalmente honestas quando comparadas com as preocupações levantadas por outros governadores.  

O Conselho de Secretários acatou a sugestão de unificar a comunicação entre as pastas e criar o Fundo, sugerindo ainda o uso de recursos da taxação das “bets” para compor os recursos. O texto do Consesp também estabelece uma compensação às forças estaduais que atuarem no combate ao tráfico de drogas. 

A divergência de Ronaldo Caiado com a PEC é mais fundamental, ultrapassando as questões de financiamento que inquietaram o Consesp. O governador de Goiás afirma discordar da premissa de centralizar a segurança de todo o país no governo federal, que emitiria diretrizes ignorando as realidades locais, ao custo de um enorme rearranjo burocrático administrativo e financeiro. 

Em entrevista ao Jornal Opção publicada em 1º de dezembro, Ronaldo Caiado afirmou:  “Lula nunca tratou da segurança pública. Em dois anos, vivemos um quadro grave, com o colapso do sistema de segurança e uma agressão sem limite às pessoas. Após dois anos, já sabemos que ele não tem mais nada a apresentar. O que ele fez com o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi uma cortina de fumaça: criou algo que sabia que seria rejeitado, e então afirmou que queria solucionar o problema, mas foi proibido pelos Estados.” 

“Na prática, eu pagaria a conta, ele daria a ordem, invadindo a prerrogativa de Goiás (como já invadiu com a reforma tributária). O Susp seria parte do processo de concentração de poder em Brasília. Nos estados, todos conhecem suas prerrogativas como entes federados, ninguém diria “amém” a uma proposta que não tem nada de segurança pública, apenas diz respeito à concentração de poder.” 

“O governo federal nunca esteve impedido de exercer a sua função de polícia — ele já tem a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, e se ele quiser criar mais outras, ele cria. Por que então não vai para a Amazônia? Não é por falta de poder. Alegar isso é simplesmente querer criar um pretexto. O governo nunca pautou matéria de relevância em segurança pública, e a mídia que embarca insiste em se desviar do centro do problema.” 

O que sugere Caiado

Na exposição de motivos enviada ao presidente Lula e ao ministro Lewandowski, Caiado escreveu que a PEC desqualifica as polícias dos Estados ao sugerir que precisam de tutela da União. Na realidade, os estados com menor criminalidade construíram sua segurança pública com base em suas próprias forças, e não nas forças da união, apesar de estas já estarem autorizadas a colaborar com a segurança de qualquer UF.

A PEC insinua que o rearranjo administrativo poderia surtir efeito caso as diretrizes certas fossem dadas pelo governo federal. A sugestão de Caiado muda o foco para o combate à criminalidade em sua realidade regional, ou seja, para a solução de problemas concretos. “Sugere-se a supressão da competência legislativa privativa da União em matéria penal, tendo em consideração aspectos e peculiaridades locais e regionais”, se lê na sugestão. Em outras palavras, se propõe que Estados possam também legislar em matéria penal. 

O Ipea, no Atlas da Violência 2024, afirma: “De forma similar, alguns estados como Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe e Goiás têm investido nos últimos anos nessa linha de gestão por resultados, com base em um trabalho integrado das organizações de segurança pública e ações orientadas pela análise criminal, conjugado a trabalho de inteligência policial.” 

O fato é que não existe segredo para a redução da criminalidade. Para desarticular facções criminosas é preciso atuar localmente, identificando seus líderes e interrompendo suas comunicações. É preciso investir na modernização e treinamento das forças. É preciso monitorar para prevenir a criminalidade. É preciso dar alternativas aos jovens em áreas propensas ao recrutamento por facções. 

O governo de Lula da Silva esmera-se nos diagnósticos, mas descuida das soluções. Mais preocupado com a teoria — como tudo deveria ser — não mostra interesse pela solução prática de problemas no mundo real. Tampouco se mostrou interessado em convocar os governadores que de fato fizeram algo para resolver a questão, e não para ouvir propostas antes de anunciar o Susp. Derrotar o crime organizado, afinal, exige uma aliança acima de ideologias.

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