Entenda como golpistas asiáticos usam influenciadores para promover Jogo do Tigrinho

Nos últimos anos, o Brasil tornou-se um dos principais alvos de redes criminosas internacionais ligadas ao mercado de apostas fraudulentas, especialmente em plataformas que promovem o “Jogo do Tigrinho”. Este jogo, que simula uma máquina de caça-níqueis digital, tem atraído milhares de brasileiros, mas também expôs vulnerabilidades que permitem manipulações e golpes, gerando grandes prejuízos financeiros.

As investigações revelam que essas práticas ilegais envolvem organizações criminosas, com fortes conexões na Ásia, principalmente na China, mas também em países como Angola, Singapura e Mianmar.

Em agosto de 2023, uma operação em Angola, realizada pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), resultou na prisão de 46 cidadãos chineses em Talatona, uma cidade próxima a Luanda. Eles eram responsáveis por operar uma rede de mais de 400 plataformas fraudulentas, com foco em jogadores brasileiros.

A operação desmantelou o esquema, que usava computadores e celulares para criar perfis falsos nas redes sociais e atrair vítimas. A maior parte das vítimas, no entanto, não estava na África, mas sim no Brasil, onde essas plataformas eram divulgadas amplamente.

As autoridades angolanas apreenderam 223 computadores e 113 celulares usados na criação de perfis falsos. De acordo com o porta-voz do SIC, Manuel Halaiwa, esses dispositivos eram usados por 113 angolanos, que trabalhavam em turnos de 12 horas em call centers, onde interagiam com os apostadores brasileiros.

As interações eram planejadas para seduzir os jogadores com promessas de ganhos fáceis, enquanto, na realidade, as plataformas estavam programadas para dificultar a retirada dos prêmios e impedir que os apostadores conseguissem sacar os valores conquistados.

Hotel em Angola servia como ponto estratégico para golpes fraudulentos liderados por chineses | Foto: Divulgação SIC Angola

Apesar das prisões em Angola, as plataformas fraudulentas continuam a operar, muitas delas ainda ativas e buscando atrair novos apostadores. Entre as plataformas investigadas, encontram-se nomes como YYDBet, DTBet, Globaljogo, Mundojogo, LLLBet e Rei KF, que continuam sendo acessadas por usuários brasileiros.

Essas plataformas não possuem qualquer autorização do Ministério da Fazenda para operar no Brasil, o que as torna ilegais no país. Mesmo com a repressão, essas plataformas permanecem disponíveis, mostrando a dificuldade das autoridades em controlar o mercado de apostas online.

O “Jogo do Tigrinho”, ou “Fortune Tiger”, é uma das principais atrações dessas plataformas. Trata-se de um jogo de sorte, em que os jogadores apostam em combinações de símbolos, como em uma máquina de caça-níqueis. Embora o jogo em si não seja ilegal, as manipulações e ajustes feitos nas plataformas fraudulentas geram grandes riscos para os jogadores.

Com frequência, os sites são programados para impedir que os apostadores consigam realizar saques ou, em alguns casos, para garantir que os jogadores nunca ganhem. Esse ambiente de manipulação cria uma sensação de fraude constante, afetando aqueles que tentam apostar de boa-fé.

Em meio à crise de regulamentação no Brasil, a falta de controle eficaz sobre as apostas online tem sido um dos principais fatores que alimentam o crescimento dessas plataformas fraudulentas. Embora o governo brasileiro tenha iniciado discussões para regulamentar o setor, ainda há uma grande lacuna legal que permite que essas plataformas operem sem fiscalização adequada. As plataformas fraudulentas se aproveitam dessa brecha e buscam se passar por legítimas, usando estratégias de marketing agressivas, como a contratação de influenciadores digitais.

Os influenciadores brasileiros têm sido peça-chave na estratégia dos criminosos para divulgar essas plataformas. Eles são aliciados com promessas de comissões, que são pagas de acordo com o volume de depósitos feitos pelos novos apostadores que eles atraem. Um exemplo recente é o caso de Wendy Pereira, que em outubro de 2023 postou um vídeo promovendo a plataforma DTBet.

No vídeo, Wendy aparecia ao lado de outras influenciadoras em um passeio de luxo, com imagens de apostas aparentemente bem-sucedidas no “Jogo do Tigrinho”. Outro caso foi o de Igor Aventureiro, que divulgou a plataforma YYDBet em um vídeo gravado em uma praia paradisíaca. Apesar das prisões em Angola, ambos os influenciadores continuaram a promover essas plataformas, ignorando as acusações de envolvimento com esquemas fraudulentos.

Influenciadores Igor Aventureiro e Wendy divulgavam plataformas de apostas administradas por chineses em Angola | Foto: Reprodução

Os golpistas também tentam se legitimar criando falsas parcerias com entidades brasileiras, como foi o caso da plataforma do Grupo KF, que alegou ter autorização da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) para operar no Brasil. Essa alegação foi desmentida pela própria Loterj, que afirmou não ter nenhum vínculo com a plataforma.

Além disso, as plataformas fraudulentas frequentemente anunciam ter empresas registradas no Brasil, como a Golden Pig Tecnologia, uma empresa que foi identificada como responsável por intermediadoras de pagamentos para sites ilegais. No entanto, essas empresas são frequentemente registradas de forma irregular, com documentos falsificados ou em nome de laranjas, dificultando o rastreamento e a identificação dos responsáveis.

A investigação também revelou que muitas dessas plataformas fraudulentas utilizam meios de pagamento como o Pix, que permite transações rápidas e sem a necessidade de intermediários tradicionais, como bancos. Isso facilita o fluxo de dinheiro e complica ainda mais o rastreamento das transações ilegais. Em alguns casos, o dinheiro proveniente das apostas é transferido para intermediadoras em paraísos fiscais, como Curaçao, onde as autoridades brasileiras têm dificuldade em fazer valer as leis locais.

O caso da empresa Playflow, que foi registrada no Brasil e usava a fachada de processadora de pagamentos para os sites fraudulentos, é um exemplo de como os golpistas buscam se passar por legítimos. A Playflow transferia o dinheiro das apostas feitas nas plataformas fraudulentas para outras intermediadoras, até que o dinheiro fosse enviado para paraísos fiscais, muitas vezes por meio de transações que envolviam CPFs de pessoas falecidas.

O delegado Erick Sallum, da Polícia Civil de São Paulo, afirmou que esse tipo de estrutura cria um sistema financeiro complexo, onde o dinheiro circula por diversas camadas, dificultando a investigação e o controle.

Além disso, a falta de regulamentação clara no Brasil tem atraído ainda mais golpistas internacionais. A repressão ao jogo ilegal na China, por exemplo, tem levado organizações criminosas a buscar novos mercados, e o Brasil, com sua legislação ainda em desenvolvimento, tornou-se um alvo preferido. Especialistas indicam que o aumento da repressão na Ásia, especialmente na China, tem forçado os criminosos a buscar outras fontes de lucro, sendo o Brasil uma opção atrativa, dada a grande base de usuários e a falta de regulação eficaz.

O envolvimento de grupos criminosos com o tráfico de drogas também tem sido identificado em algumas dessas operações. O dinheiro gerado pelas apostas fraudulentas frequentemente é usado para financiar outras atividades ilícitas, como o tráfico de substâncias controladas. Em Mianmar, por exemplo, a operação de cassinos online gerou milhões de dólares que foram canalizados para financiar o tráfico de drogas, mostrando a conexão entre os crimes cibernéticos e outras formas de crime organizado.

A investigação internacional também tem revelado a presença de grandes redes criminosas, como a liderada por Su Baolin, um empresário chinês que fez fortuna operando sites de apostas fraudulentas a partir de Mianmar. Su Baolin foi preso em uma operação policial em Singapura em agosto de 2023, quando a polícia apreendeu grandes quantias de dinheiro e bens de luxo em sua residência.

Segundo investigações, ele era responsável por um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo apostas ilegais e outras atividades criminosas. Esse caso ilustra a magnitude do problema e a complexidade das redes transnacionais de jogos de azar ilegal.

Com o crescente número de plataformas fraudulentas e a crescente complexidade das operações criminosas, as autoridades brasileiras estão intensificando suas investigações. A Polícia Federal e a Polícia Civil têm colaborado com agências internacionais, como a Interpol e a Polícia Federal de Angola, para tentar desmantelar essas redes. No entanto, os golpistas continuam a inovar, criando novas plataformas e utilizando métodos cada vez mais sofisticados para esconder suas atividades.

A regulamentação do setor de apostas no Brasil tem se mostrado urgente para conter essa onda de fraudes e proteger os consumidores. As autoridades brasileiras precisam enfrentar um desafio complexo, envolvendo práticas criminosas globais e novas formas de lavagem de dinheiro.

Somente com uma legislação mais robusta e com a cooperação internacional será possível reduzir o impacto dessas organizações criminosas no Brasil e evitar que o país continue sendo um alvo fácil para golpistas asiáticos.

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