Resolução sobre aborto em crianças e adolescentes não deveria ser questão ideológica, e sim de humanidade

A recente Resolução nº 258 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) trouxe à tona uma discussão que, mais do que legal ou ideológica, deveria ser tratada como uma questão de humanidade e empatia.

A norma, que estabelece diretrizes para a interrupção legal da gravidez em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, busca assegurar o direito dessas vítimas de receber atendimento digno, rápido e seguro. No entanto, enfrenta dura resistência de setores conservadores, que se opõem à sua implementação.

A oposição à resolução, infelizmente, desconsidera o sofrimento das crianças e adolescentes que enfrentam gestações decorrentes de estupro. Em muitos casos, essas jovens sequer possuem maturidade física ou psicológica para lidar com a gravidez, o que torna a continuidade do processo uma forma cruel de revitimização.

É inadmissível que uma decisão sobre o corpo e o futuro dessas meninas seja capturada por disputas ideológicas que ignoram a realidade de quem vive essa tragédia. A resolução do Conanda segue recomendações de organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que enfatizam a necessidade de acesso irrestrito ao aborto legal para vítimas de violência sexual.

O texto também assegura autonomia, privacidade e confidencialidade às vítimas, permitindo que sejam acolhidas em um momento de extrema vulnerabilidade. Negar isso é perpetuar o ciclo de violência que já causou danos irreparáveis.

Ainda assim, os opositores da resolução insistem em tratá-la como uma afronta aos valores familiares e à legislação vigente. Há alegações de que o Conanda teria extrapolado suas competências e questionamentos sobre a ausência de consentimento dos pais. Existem argumentos também que questionam a segurança das vítimas.

Tais posicionamentos ignoram a função primordial do Estado em garantir a dignidade humana e o bem-estar de suas cidadãs mais vulneráveis. Deve-se lembrar que o direito ao aborto em casos de estupro é previsto na legislação brasileira desde 1940.

A resolução do Conanda não amplia esse direito, mas estabelece diretrizes para que ele seja efetivamente exercido, reduzindo barreiras que frequentemente impedem as vítimas de acessá-lo. Ao se posicionarem contra a resolução, os críticos acabam por reforçar um sistema que penaliza ainda mais as vítimas, colocando a burocracia e o conservadorismo acima da vida e da dignidade.

O debate sobre aborto legal em crianças e adolescentes não pode ser reduzido a discursos polarizados ou manipulado como ferramenta política. É preciso olhar para essas meninas com empatia e reconhecer que a legislação vigente, aliada a normas como a do Conanda, existe para protegê-las de ainda mais sofrimento.

A interrupção de uma gestação decorrente de violência sexual não é uma escolha leviana; é um direito, um gesto de humanidade para quem já sofreu demais. A resistência à resolução do Conanda expõe a dificuldade de avançar em temas sensíveis no Brasil, onde a moralidade muitas vezes se sobrepõe à justiça social.

Urge que essa discussão seja conduzida com responsabilidade e compromisso com os direitos humanos, priorizando o acolhimento às vítimas e garantindo que elas possam decidir sobre seus corpos e seus futuros sem medo, vergonha ou pressões indevidas.

Defender a resolução não é apenas apoiar um marco regulatório; é afirmar que, acima de qualquer disputa política, está a vida e a dignidade humana.

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