Partido Liberal disputa contra si próprio em crises contratadas a cada dois anos

O Partido Liberal (PL) se vê novamente em uma encruzilhada. Os próximos movimentos serão fundamentais para definir em 2026 os rumos daquela que talvez seja uma das siglas mais inconstantes do país.

A última vez que o PL mudou radicalmente de programa foi há exatos dois anos. Naquela data, havia consenso na classe política de que Jair Bolsonaro (PL) tinha saído do Planalto de forma desastrosa. Em 21 de janeiro de 2023, o partido se organizou em torno do ex-presidente com objetivo de proteger o capital político amealhado naquele cenário de deterioração de sua imagem, e Wilder Morais assumiu a presidência do partido em Goiás.

Hoje, nos acostumamos com relatórios da Polícia Federal (PF) indiciando o ex-presidente por diversos crimes e com o ministro Alexandre de Moraes o jogando de um inquérito para outro como uma bola de pinball. Nos dias após sua saída do cargo, entretanto, a reprovação social pela depredação da Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro era unanimemente reprovada fora dos círculos bolsonaristas. As notícias sobre jóias furtadas da Presidência, sobre bloqueios da PRF aos eleitores de regiões petistas, sobre fraudes no cartão de vacinação, e a própria derrota eleitoral causavam desgaste sensível. 

Os políticos eleitos pela onda bolsonarista, sentindo a maré virar, tomaram a direção do partido de seus membros históricos. Em maio de 2023, esta coluna publicou: “A deputada federal Magda Mofatto e o marido Flávio Canedo pertenciam ao PL há mais de uma década. Em março deste ano, ambos já tinham autorização do presidente nacional do partido, Valdemar da Costa Neto, para se desfiliar. A razão foi a desarrumação provocada por Bolsonaro, a quem Mofatto e Canedo apoiaram em 2022. Desde 2013 na presidência estadual, Flávio Canedo foi forçado a deixar o cargo antes das eleições de 2022 para dar lugar a Vitor Hugo, nome de Bolsonaro para disputar o governo do estado. Em janeiro deste ano, o senador Wilder Morais tornou-se o presidente do partido, contra a vontade de Mofatto.”

Dois antes, em 2021, a filiação de Bolsonaro já tinha sido uma reviravolta. As crises bienais, sempre após as eleições, evidenciam que o partido se une diante de desafios externos (como derrotar a esquerda) mas se divide quando tem de conviver com si mesmo. O PL não está fraco — em 2024, aumentou o número de prefeitos de 345 para 516 no Brasil e em Goiás fez 25 prefeituras, ficando em terceiro (empatado com o PP). Mas o Partido Liberal parece estimar a força de seus aspirantes a dirigentes por intuição, e não por dedução lógica.

Agora, a crise encomendada é a seguinte: o candidato derrotado nas eleições para a Prefeitura de Goiânia, Fred Rodrigues, assumiu a vice-presidência do PL Goiás, substituindo o vereador eleito com mais votos na capital, Vitor Hugo. Enquanto Fred certamente tem arcabouço (recebeu 290 mil votos), não tem cargo, e sua alocação na vice-presidência não foi discutida com os membros da executiva, segundo membros do partido. 

Ambos grupos têm um contencioso — que é aprofundado e escancarado pela decisão “de cima para baixo” de Wilder escantear Vitor Hugo. O atrito entre os correligionários sempre existiu, devido à disputa pela vaga de candidato a senador do PL em 2026, e escalou após Vitor Hugo ter organizado encontro do vice-governador, Daniel Vilela (MDB) com o ex-presidente Jair Bolsonaro. A direção do partido chegou a publicar uma nota de repúdio pela articulação do encontro (houve conversas sobre expulsão de Vitor Hugo, mas esse movimento logo perdeu forças).

O deputado Paulo Cezar Martins (PL), ligado ao presidente do PL Wilder Morais, enfatizou que Fred Rodrigues teve uma participação política relevante em 2024, enquanto Vitor Hugo não se decidia se seria candidato em Anápolis, Goiânia ou Jataí. Ele diz ainda que a ferida pela aproximação com a base do governo estadual não está cicatrizada, pois o MDB é autor da principal ação que questiona a chapa de deputados estadual do PL por fraude na cota de gênero. 

Essa é a posição do grupo da diretoria estadual, mas não é a da diretoria nacional. Jair Bolsonaro afirmou em entrevista à rádio AuriVerde que os candidatos do Senado serão dele e de Valdemar da Costa Neto, presidente nacional do PL. Vitor Hugo é um aliado de primeira linha do ex-presidente. “A gente vai lançar um candidato por estado do Brasil com o número 222”, disse Bolsonaro. “Não vai ter pechada, não vai ter, cheguei na frente e sou amiguinho. Goiás é a mesma coisa, não é ‘estou na frente’, não é quem o presidente de Goiás quer. Wilder, não é quem você quer. Todo estado vai passar por mim e pelo Valdemar e nós vamos indicar essas pessoas”, disse o ex-presidente.

O fato é que Bolsonaro se torna cada vez mais fraco. Impedido de ocupar um cargo até 2030, ele começa a perder o controle do grupo, que passa a desafiar os limites de sua autoridade aqui e ali. Quando puder se candidatar novamente, terá 75 anos e estará oito anos enferrujado. O PL, com sua inconstância dinâmica, não terá problemas para abrigar as mudanças — quem pode ter problemas para acompanhá-las são seus eleitores. 

Outros partidos também abrigam mais de uma corrente, como é o caso do PT. Neste caso, entretanto, uma linha ideológica fornece a diretriz geral a ser seguida. O PL, por outro lado, é organizado em torno do personalismo de estrelas que às vezes entram em conflito. Quando isso acontece, lideranças são destruídas. Quando Magda Mofatto e Flávio Canedo deixaram a legenda, por exemplo, o Jornal Opção publicou: “Tendo comandado o PL em Goiás por dez anos, Mofatto e Canedo foram os responsáveis por construir a base do partido nos municípios. Foram 14 prefeitos da sigla chamados a acompanhar os líderes em sua migração”.

Goiás é um estado chave para o Partido Liberal: produziu Gustavo Gayer, o mais popular deputado federal do PL (ao lado de Nikolas Ferreira, de MG); foi visitado oito vezes por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2024; deu 58,7% dos votos ao ex-presidente em 2022. Se as rachaduras já são visíveis em um estado importante para o partido, estados periféricos podem estar em situação ainda mais avançada de dissidência. Caso a queda de braço pela vaga ao senado em 2026 não destrua algumas lideranças, a crise bienal já está contratada para o início de 2027 . 

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