Portugal merecia mais e melhor dos historiadores

De Aveiro, Portugal — A história geral, no capítulo referente a Portugal, comete duas falhas enormes, ao que parece voluntárias, e que não o colocam em sua verdadeira dimensão, quando se fala de presença mundial.

Afinal, Portugal é um país pequeno do ponto de vista territorial e populacional e sua economia não é expressiva, frente aos gigantes europeus, como Alemanha, Itália, França e Inglaterra, ou a enorme euroasiática Rússia.

Mas em sua dimensão histórica, Portugal supera em muito a todos esses gigantes em riqueza e grandeza, o que sem dúvida deve incomodar.

Uma falha é quantitativa, ao não evidenciar a enormidade da presença de Portugal no globo, quando dos Descobrimentos (séculos XV e XVI), totalmente desproporcional a sua importância populacional e geográfica.

De fato, é uma pergunta ainda não respondida aquela de como um povo de pouco mais de 1 milhão de habitantes, vivendo em uma superfície reduzida, conseguiu chegar pioneiramente a todos os continentes então desconhecidos e assim marcar sua presença no mundo.

Outra falha é qualitativa: não se evidencia o fato de Portugal ter alargado seus horizontes e os da Europa inteira sendo navegador e não conquistador, isto é, mantendo com os povos descobertos relações de diálogo e comércio e não de conquista e massacre.

Não houve, na história portuguesa de colonização, nada parecido com o que fizeram os espanhóis no Peru ou no México, onde as civilizações nativas, como a Inca e a Azteca, foram dizimadas pela ambição dos conquistadores.

Ou como o que ocorreu no Congo à época de Leopoldo II, onde nativos eram escravizados, mutilados ou mortos, por vontade dos colonizadores belgas.

Ou ainda o que sofreram os aborígenes australianos nos séculos XVII a XIX, sob domínio britânico.

Estabilizador político não violento

Livro recente de autoria do professor Fernando Lemes, doutor em História pela Sorbonne — “A Invenção do Campo Político em Goiás” (Editora da UEG, 187 páginas) — ,mostra, com rara propriedade, como a Coroa Portuguesa estabelecia, no século XVIII, um pacto de poder no interior das colônias, mantendo seu domínio, mas cedendo parte da autoridade como mecanismo estabilizador político não violento.

Outro historiador, o português — de ascendência alemã — Rainer Daehnhardt, tem dezenas de trabalhos sobre a história de Portugal, nos quais pesquisa com detalhes essa proeminência de nossos antepassados no avanço humano.

Rainer Daehnhardt mostra que o Infante D. Henrique (1394-1460) foi um dos luminares da humanidade por sua clarividência, persistência e competência no promover os descobrimentos, exercendo sua influência mesmo décadas depois de sua morte.

Comandante e inspirador de seus patrícios portugueses, integrante da Ordem dos Templários, que dispunha de recursos para financiar suas expedições, o Infante fez com que sua pequena pátria se projetasse mundo afora e marcasse presença em todos os continentes, mantendo cidades nos mais variados cantos de um mundo até então desconhecido.

Rainer Daehnhardt, em seu livro “Páginas Secretas da História de Portugal” (Edições Nova Acrópole), escrito após aprofundadas pesquisas em toda a Europa, dá uma visão dos extraordinários feitos portugueses, de seu avanço para a época, e do descortino do Infante D. Henrique, de fato um espírito iluminado.

O pesquisador mostra como conviveram os portugueses com os povos originários descobertos, sempre preferindo o entendimento à submissão, o comércio à conquista, a convivência à imposição. Combateram os portugueses sim, muitas vezes, mas sempre para se defender (dos árabes, principalmente) e não para o ataque.

No livro citado, Rainer Daehnhardt faz revelações interessantes sobre a dianteira que os portugueses levaram na tecnologia, na questão dos armamentos principalmente, sobre as demais nações, europeias, e rivais na conquista das riquezas provenientes dos descobrimentos.

O Infante atraiu para Portugal, pagando regiamente ou abrigando perseguidos por razões religiosas, quem tinha conhecimentos úteis à sua pretensão descobridora: astrônomos, cartógrafos, construtores de navios, tipógrafos, relojoeiros e armeiros.

Com isso conseguiram os portugueses navegar melhor e mais seguramente e se sobressair nos combates.

Falando do armamento, os mosquetes portugueses, originariamente adquiridos na Alemanha, e de mecha, evoluíram nas fábricas portuguesas para armas de pederneira e até de tambor, enorme revolução para a época.

Armeiros alemães, italianos e franceses foram levados para Portugal, no século XVI, principalmente, por D. Manuel I (1469-1521), O Venturoso, graças aos privilégios que lhes conferia, seguindo os ensinamentos do Infante D. Henrique. Os canhões portugueses, aliados à sua logística, revolucionaram a artilharia da época.

Quando o Infante iniciava sua saga histórica na escola de Sagres, a artilharia era uma tática terrestre. Não se disparavam canhões em um navio, pois temia-se o risco de o mesmo adernar até a capotagem.

Foi o Infante quem fez com que se disparassem os canhões embarcados, descobrindo a maneira segura de fazê-lo e colocando a marinha portuguesa na vanguarda bélica de então.

Mas os avanços não parariam aí. Os canhões se carregavam pela boca, e a cada tiro os artilheiros deviam se deslocar para a frente de suas armas para novo disparo, levando as pesadas cargas: a pólvora (que era socada no interior dos canhões), a bucha e as esferas projéteis, de pedra ou ferro fundido. Nessa operação, eram alvos fáceis dos mosquetes inimigos.

Os portugueses criaram uma inovação deveras avançada: a retrocarga dos canhões. Pela primeira vez no mundo uma arma se carregava pela culatra, através das “canecas de carga” que se fixavam na parte traseira dos canhões.

Com isso, as equipagens da artilharia portuguesa não se expunham aos tiros de mosquete dos inimigos e ainda mais: enquanto um canhão inimigo disparava uma vez, os portugueses faziam seis disparos, em média. Isso tornou as caravelas portuguesas temidas por seu poder superior de fogo e as naves de carga, que levavam as riquezas para a metrópole (como as especiarias da Índia) menos vulneráveis à pirataria.

Também não se descuravam, nossos antepassados lusos, da logística. Como os canhões da época, de bronze, se desgastavam rapidamente, e com isso perdiam potência nos disparos, os portugueses multiplicaram suas fundições pelo mundo afora.

Os artilheiros contabilizavam os disparos, pois já sabiam que, a cada 100 tiros, o canhão deveria ser substituído. Mas não precisavam voltar a Lisboa para substituir os canhões descalibrados, e os trocavam no ponto mais próximo, quando necessário, mantendo integral sua capacidade de combate. Existiam fundições de bronze em Goa, Macau, Málaca, Luanda e Pernambuco. Merecem mais admiração do que a que têm recebido, nossos avozinhos portugueses.

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