Agenda de leitura de escritores, jornalistas e intelectuais para 2025 (parte 6)

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Tarsilla Couto

Crítica literária e escritora

O primeiro mês de um ano novo traz sempre a sensação de que o céu é o limite. Se eu conseguir ler tudo que planejei para 2025, ô gloria! Mas é melhor manter algum pé na realidade, então compartilho os livros que já estão separados para janeiro.

Quero começar com o livro de poemas “Asma”, de Adelaide Ivánova, que saiu em 2024, pela editora Nós. Pelos comentários que li a respeito, o leitor que abrir o livro estará diante de Vashti Setebestas, uma personagem que anda pela Terra atravessando o tempo, transmutando-se em muitas entidades, muitos corpos e muitos povos. Pelo caminho, é perseguida pela opressão de uma narrativa histórica determinada pela cultura falocêntrica ao que responde com um projeto caleidoscópico, que vai de Homero a Virginia Woolf, de Chico Science a Ferreira Gullar.

E ainda aguardo ansiosa o novo livro de poemas de Angélica Freitas, que sai agora em janeiro de 2025 com o título de “Mostra Monstra” pela Círculo de Poemas. Pesquisando no site da editora, encontrei a seguinte descrição: “Retirados dos cadernos em que Freitas experimenta diariamente novos caminhos para sua poesia, os desenhos e versos desta plaquete levam para passear num universo tomado por monstros não exatamente assustadores: pessoas de piche, um cão misterioso, “o cocô de rita hayworth”, “o fantasma das tuas calcinhas velhas”. No fundo, não é nada difícil simpatizar com esses monstros, porque eles são capazes de expandir, com um sorriso, o mundo em volta”.

Nem toda lista de leitura é feita de novidades. Estou muito curiosa com o romance “Em Agosto Nos Vemos”, de Gabriel García Márquez, que o autor teria negado e renegado em vida. Foi publicado após a sua morte (me pergunto se nosso querido imortal se sente traído com isso). No Brasil saiu pela Record, com tradução do Eric Nepomuceno. Fiquei intrigada com o fato de que se trata do único romance com uma protagonista mulher, que vive feliz com o marido há 27 anos e, apesar disso, todo mês de agosto pega uma balsa para a ilha onde sua mãe está enterrada, e todo mês de agosto arranja um novo amante. Quero muito saber se sou capaz de reconhecer o que fez o autor desistir do romance. Onde ele acha que falhou.

Também gosto de “estrear” em novos autores (para mim): então vou ler pela primeira vez um romance da autora de Porto Alegre Taiasmin Ohnmacht (“Uma Chance de Continuarmos Assim”, Diadorim) sobre duas alunas negras da faculdade de física de alguma federal brasileira que desenvolvem uma máquina do tempo. Além da Taiasmin, comprei “Gótico Nordestino”, do paraibano Cristhiano Aguiar, que saiu pela Alfaguara em 2022. Li apenas um conto deste livro, fiquei impactada e me prometi parar para ler o livro todo.

Para finalizar, vou apenas deixar registrado que comecei a ler o ensaio de trans/escrita de Camila Sosa Villada que se chama “A Viagem Inútil” (saiu pela Fósforo neste ano de 2024). Acho que meu corpo já está em 2025! Comecei pensando assim: ah que bom, meu primeiro livro de férias. Mas aí lembrei que tinha prometido essa lista e interrompi pra vir aqui compartilhar com vocês minhas new year’s resolutions de leitura. Bom 2025 pra todo mundo.

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Ademir Luiz

Ex-critor e historiador

Meu segredo foi descoberto. Meus esqueletos escondidos estão dançando a vista de todos, como se estivessem em um filme “stop motion” do Tim Burton. Em seu mais recente furo, o jornalista Charles W. Milk revelou para o mundo a desconcertante verdade que eu, autoproclamado escritor, presidente de entidade cultural e membro de academia de letras, não leio nada, absolutamente nada, desde 2022. Nenhum livro, nenhum artigo, nenhuma monografia, nenhum gibi, nem bula de remédio. Dois anos de burla. Segundo Milk, da mesma forma que Sansão perdeu a força quando teve seus cabelos cortados, perdi a habilidade de ler, fui desalfabetizado. A regressão teria sido causada por um procedimento cirúrgico malsucedido de revascularização do miocárdio. Não nego, nem confirmo, muito pelo contrário. Mas conto com a sempre confiável credulidade do afegão médio para seguir com minha fama de leitor voraz e erudito.

Mas, para não dar nas vistas, vou começar devagar. Em janeiro vou fingir que lerei “O Silêncio da Água”, livro infantil escrito por José Saramago e ilustrado por Yolanda Mosquera, publicado pela Companhia das Letrinhas em 2021. Pouquíssimas palavras, muitas figuras, apenas 28 páginas. Ninguém vai desconfiar e ainda terei a vantagem de ser visto carregando uma obra da grife Saramago Fashion Book, sempre um sinal de sofisticação e inteligência.

Fevereiro é um mês curto. Preciso de um livro igualmente curto. Pensei na edição de bolso da novelinha “A Prova”, do escritor argentino César Aira, lançado pela editora Fósforo em 2024. Sempre bom ter um “hermano” na lista para dar credibilidade. Se lerei ou não lerei, caberá ao acusador o ônus da prova.

Cuidado com os idos de março. Podem começar a desconfiar. Precisarei estudar técnicas de interpretação para conseguir manter o personagem. Sendo assim, vamos para os melhores. E, nesse caso, nada é melhor no mercado editorial brasileiro do que “Stanislávski, Vida, Obra e Sistema”, escrito por Elena Vássina e Aimar Labaki, publicado pela Funarte em 2016.

Em abril, atuando melhor, poderei aparecer em público segurando um calhamaço. Que tal o denso “Os Bastidores — Como Escrever”, último romance de Martin Amis, lançado pela Companhia das Letras em 2024? Um livro sério, embora desaforado, de um escritor relevante e cult. Quem poderá duvidar? Só quem estiver me acompanhando dos bastidores.

Maio é o mês de meu aniversário. Provavelmente, ganharei muitos livros. O que farei com eles, considerando que não leio mais? Talvez arrancar a página da dedicatória, para não correr o risco de sofrer o efeito Bernard Shaw (que comprou em um sebo um livro autografado por ele e devolveu ao ingrato com a seguinte mensagem: “com redobrado afeto”) e vendê-los para um sebo. Para ser justo com meus gentis amigos, haverá sinais. Por isso vou passar o mês andando com “Uma Noite na Livraria Morisaki”, continuação de “Meus Dias na Livraria Morisaki”, do autor japonês Satoshi Yagisawa, ambos lançados pela editora Bertrand Brasil, respectivamente em 2023 e 2024. Fingi que li o primeiro volume, nada mais justo que fingir que lerei o segundo.

Chegou então o fogo de junho. Para colocar lenha na fogueira, verei as figuras da lindíssima edição do clássico do erotismo sofisticado “Senhorita Christina”, lançado em capa dura pela editora Tordesilhas em 2011. O autor é o filósofo romeno Mircea Eliade, um dos mais importantes historiadores da religião do século XX. Publicado em 1936, “Senhorita Christina” gerou polêmica, sendo acusado de pornográfico. Como sempre, quem mais reclamou foi quem não leu. Prometo não reclamar.

Julho é mês de férias. Um intelectual de meu calibre não pode tirar férias da leitura, não pega bem. Assim sendo, um bom livro policial será bem-vindo para manter as aparências. Escolho levar para praia “Estão Matando os Humoristas”, escrito por seu casseta Beto Silva, publicado pela Editora 7 Letras (o número máximo de letras que leio atualmente por dia) em 2019. Afinal, como costuma dizer Yuri Al’Hanati, quem leva livro para praia ou não gosta de livro ou não gosta de praia.

Em agosto precisarei ser persuasivo para seguir mantendo as aparências. Nada melhor do que ser visto com alguma edição de luxo de “Persuasão”, de Jane Austen. Manterei minha fama de ser um sujeito movido pela razão, sem perder a sensibilidade. Só uma pessoa corroída pelo orgulho e tomada pelo preconceito pode desconfiar de um leitor da genial senhorita Austen.

“Alice e Ulisses”, de Ana Maria Machado, foi um de meus livros preferidos na distante época em que ainda lia. Setembro é o mês da Independência. No desfile de 7 de setembro serei audacioso e vou desfilar por aí com o romance “A Audácia Dessa Mulher”, da própria Ana Maria, publicado pela Alfaguara em 2011.

Reconheço que precisarei ser muito cara de pau para fazer tudo isso ao longo do ano. Na verdade, sou tímido. Por isso, “O Tímido e as Mulheres”, de Pepetela, lançado pela Leya em 2014, será o álibi de outubro. Admito que sempre tive um pé atrás com Pepetela. Como agora estou com os dois pés sem tocar o chão, darei uma chance para ele. Ou não.

Novembro é como quinta-feira em Brasília, o ano praticamente acabou. É preciso redobrar os cuidados. No final é quando costumamos baixar a guarda. Preciso de outro clássico robusto para garantir o bicho. As quase quatrocentas páginas de “Os Enamoramentos”, do espanhol Javier Marías, lançado pela Companhia das Letras em 2012, é perfeito. Inclusive, estou apostando que esse será o melhor livro que não vou ler em 2025.

Tudo pode acontecer em dezembro. Inclusive nada. Por isso, em dezembro não lerei “A Louca da Casa”, de Rosa Montero, lançado pela Todavia em 2024. Estou muito curioso com essa obra. Não sei se o suficiente para me fazer abrir suas páginas. Outro romance da autora, “A Ridícula Ideia de Nunca Mais Te Ver”, foi um dos últimos livros que li antes dos fatos denunciados pelo furo de Charles W. Milk. Aliás, será com prazer que vou passar para Milk o copo de leite reservado para Papai Noel na noite de Natal. Sugiro sentarmos como dois cavalheiros que somos para discutir o assunto. Quem sabe trocamos dicas de leitura para 2026. Se bem que 2026 é ano de copa e eleição. Quem lê em ano de copa e eleição? Talvez a pessoa que leva livro para praia.

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Celso Costa

Escritor, vencedor do Prêmio Leya

Na casa dos sonhos – Carmen Maria Machado

O livro “Na Casa dos Sonhos” promete um enfoque pouco frequente na literatura: a história de um relacionamento abusivo em um casal lésbico. Carmen, personagem homônima à autora — o que sugere uma autoficção —, encontra uma mulher que parece maravilhosa, fazem sexo, viajam juntas, conhecem as respectivas famílias, tudo se constituindo num relacionamento feliz até a situação se tornar opressiva e aterrorizante, apesar de ainda sedutora. A situação se apresenta, portanto, em contradição com o sugerido pelo título do romance: a casa dos sonhos. Por fim, o livro promete uma narrativa fragmentada e empolgante, não linear, buscando por esses meios alcançar o máximo efeito estético.

Garota, Mulher e Outras – Bernardine Evaristo

A narrativa do romance “Garota, Mulher, Outras” tem como pano de fundo uma Londres dividida e hostil, logo após a votação do Brexit, um lugar onde as pessoas lutam para sobreviver, muitas vezes sem esperança, sem que as suas necessidades sejam atendidas e sem que sejam ouvidas. Nesse ambiente opressor, a narrativa levanta reflexões sobre o machismo, o racismo e a estrutura da sociedade. O romance venceu o Booker Prize em 2019 e foi incluído nas listas de melhores livros do ano por veículos como “The Guardian”, “Times”, “Washington Post” e “New Yorker”. Do ponto de vista formal o livro pode ser classificado como de gênero híbrido sendo composto de versos livres e sem pontos-finais, o que se constitui num atrativo contemporâneo.

Os Diários de Emilio Renzi 2 — Os anos felizes — Ricardo Piglia

Terminei de ler o primeiro volume de “Os Diários de Emilio Renzi — Os Anos de Formação”, de Ricardo Píglia. Nos diários, constituídos em três volumes, numa espécie de autobiografia, o escritor argentino Piglia é representado por seu alter ego Emilio Renzi. Fiquei muito impressionado com a leitura de “Anos de Formação”, do ponto de vista da linguagem, da caracterização do espaço de uma Argentina dos anos 1960, e do retrato dos primeiros e decisivos passos de um escritor iniciante.

Nesse ano de 2025 vou me enveredar inicialmente pelo segundo volume “Os Anos Felizes”, o qual promete evidenciar a carreira de Ricardo Piglia em pleno desenvolvimento no contexto da literatura argentina. Em realce é retratada a obsessão de Piglia pela literatura se materializando em ideias e esboços de histórias para romances, suas leituras, os encontros com escritores consagrados ― Borges, Puig e muitos outros ― e colegas de geração. Trata-se de um volume pungente com inúmeras reflexões sobre a escrita e ainda aparecem as viagens, a vida íntima e amorosa, a Argentina daqueles anos convulsivos: a morte de Perón, o surgimento dos grupos guerrilheiros, o golpe militar que esfacelaria o mundo intelectual de Buenos Aires.

Os Diários de Emilio Renzi 3 — Um dia na vida — Ricardo Piglia

Na sequência pretendo ler “Os Diários de Emilio Renzi 3 — Um Dia na Vida”, o terceiro e último volume dos diários de Ricardo Piglia. Nesse último tomo será apresentado o pânico de viver sob uma ditadura. As dúvidas sobre ser ou não um intelectual público. As amizades literárias e os amores. É um tempo pós publicação de “Respiração artificial” –sua obra-prima (também recomendo a leitura) –, em que a qualidade literária de Piglia é definitivamente reconhecida. Nesse volume é possível montar uma cartografia pessoal do autor por meio das aventuras da vida íntima, cafés, quartos de hotel e finalmente o envelhecimento e as doenças. Tudo sob a regência da necessidade de escrever.

Henderson – O Rei da Chuva – Saul Bellow

A literatura de Saul Bellow é incensada por muitos críticos mundo afora. Tendo lido uns poucos contos do autor, neste ano de 2025 vou me dedicar ao primeiro romance. Saul Bellow nasceu no Canadá e se naturalizou americano. O livro, anunciado como um dos mais saborosos de Bellow, foi publicado originalmente em 1958. Dezoito anos mais tarde, em 1976, o autor venceria o prêmio Nobel. O livro, escrito em primeira pessoa, apresenta Eugene Henderson, um riquíssimo criador de porcos, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial ferido e condecorado, com um punhado de filhos frutos de dois casamentos, em permanente conflito com parentes e vizinhos, sofrendo de dores de dente crônicas, e se consumindo em bebedeiras e ameaças de suicídio. Nessa situação crítica, Henderson decide romper com seu passado de erros e empreender uma virada existencial. Parte então para a África, em busca de uma humanidade mais “autêntica” e de um sentido para a vida. No novo espaço, carente e pleno de dificuldades com a natureza, especialmente a dramática falta de água para a lavoura e o gado, daí o título do livro, Henderson tenta atabalhoadamente colocar sua energia e seu intelecto a serviço de seus novos amigos, com resultados não menos que desastrosos.

O Perigo de Estar Lúcida — Rosa Montero

Já li da autora o impressionante “A Ridícula História de Nunca Mais te Ver”, no qual a autora mescla seus dramas pessoais (a perda do marido para o câncer) com a atribulada biografia de Marie Curie, a genial polonesa que venceu duas vezes o prêmio Nobel em duas áreas distintas, física e química (também recomendo esse livro).
Mas nessa nova incursão, em 2025, em “O Perigo de Estar Lúcida” espero encontrar uma narrativa fascinante sobre as ligações entre criatividade e instabilidade mental. Rosa Montero se valendo de sua experiência pessoal e da leitura de inúmeros livros sobre psicologia, neurociência, literatura e memórias de grandes escritores, pensadores e artistas, pretende oferecer um estudo fascinante sobre criatividade e limiar da loucura. Com uma técnica narrativa na confluência do ensaio e da ficção, a autora nos apresenta a teoria da “tempestade perfeita” ― aquela que prega que na explosão criativa são postos em cena fatores químicos e situacionais irrepetíveis. Enfim, “O Perigo de Estar Lúcida” fala das “fadas” que nos presenteiam e nos fazem pagar um preço ― muitas vezes alto demais. Nós, ditas pessoas “normais”, não temos esse custo, mas com frequência corremos o risco de sucumbir ao tédio em vez de morrer de amor.

Quando deixamos de entender o mundo — Benjamín Labatut

O livro de Benjamín Labatut, nascido em Rotterdam em 1980 mas vivendo no Chile desde a adolescência, explora as biografias e teorias reais de cientistas se utilizando do molho da ficção para produzir efeitos estéticos e associações de ideias. Ao explorar na narrativa o entrelaçamento entre a vida íntima e o desbravamento científico, seu estilo repercute ecos de W. G. Sebald e Roberto Bolaño. Um dos pontos centrais e intrigantes do livro é o caso da mecânica quântica (uma disciplina ainda em processo de compreensão mesmo para os físicos que atuam nessa fronteira do conhecimento) e seu choque com a teoria da relatividade de Einstein. Na obra surge a pertinácia do jovem Heisenberg e seu mergulho nas matrizes que o levarão a formular a teoria da incerteza, um dos pilares da mecânica quântica. O livro é protagonizado não somente por cientistas famosos como Einstein e Schrödinger, mas também por figuras menos conhecidas e igualmente fascinantes. Enfim, o livro é uma investigação literária sobre homens que atingiram o “ponto de não retorno” do pensamento e nos revelaram em alguma medida o “núcleo escuro no centro das coisas”.

Os ratos — Dyonelio Machado

“Os Ratos”, publicado originalmente em 1935, é uma narrativa inquietante sobre o cotidiano angustiante de um homem engolido pelas demandas da modernidade e das exigências capitalistas da vida urbana em uma metrópole, no caso a cidade de Porto Alegre. O leitor irá acompanhar o cotidiano difícil de um pobre homem, Naziazeno, mergulhado em um estado de extrema angústia existencial, em profunda penúria econômica e vítima da exclusão social, em uma sociedade onde o dinheiro se tornou a mola propulsora. O livro, escrito em uma dicção incrivelmente contemporânea, quase noventa anos depois, conserva sua atualidade em um mundo de consumo global, repleto de exigências, modelos e padronizações que estão disponíveis para poucos.

A Praça do diamante — Mercè Rodoreda

Minha atenção sobre esse livro veio no momento em que li um comentário da escritora Carol Bensimol quando afirma que: “Abrir um romance, ler suas primeiras linhas e já sentir-se levado pela história e pela maneira como ela está sendo contada: esse é um dos itens incontestáveis da minha lista particular de Coisas Mais Prazerosas da Existência. Quando acontece por acaso, com uma obra sobre a qual sei previamente nada ou quase nada, tanto melhor. Foi assim com A praça do diamante”. Ao buscar mais detalhes da obra apreendi que trata da vida de um casal, Colometa e Quimet. Ela uma jovem balconista de uma loja de doces, ele um jovem impetuoso que se conhecem durante um baile na praça do Diamante. O casal constituído tem dois filhos e levam uma vida de dificuldades quando eclode a Guerra Civil espanhola e o marido parte para a luta. Numa narrativa de profunda densidade psicológica, Mercè Rodoreda contrapõe o sofrimento pessoal de Colometa à dor coletiva de uma Espanha assolada pela Guerra Civil (1936-1939).

Caminhando com os Mortos — Micheliny Verunschk

Um crime é o ponto de partida do romance de Micheliny Verunschk, romance vencedor do prêmio Oceanos 2024. Uma mulher é queimada viva numa pequena cidade do interior do Brasil, em um ritual motivado por razões religiosas, a fim de purificar a vítima e endireitá-la para o “caminho do bem”. Esse e outros acontecimentos estranhos de violência — as principais vítimas sendo as mulheres e as minorias — passam a ocorrer na pequena cidade, após uma comunidade evangélica se instalar na região. A narrativa, ao retratar o ódio às mulheres e às minorias, sobretudo quando se vale do fanatismo religioso, é assustadoramente atual. E, como se revelasse a ponta de um iceberg, o livro pretende ir mais fundo mergulhando no processo de colonização das Américas e no papel das religiões como um braço forte do projeto de conquista que ajudou a destruir um povo e seus costumes, sua terra, sua alegria de viver, sua relação com o divino.

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João Batista de Oliveira

Livreiro do Bazar do Livro

Nexus: Uma Breve História das Redes de Informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial”, de Yuval Noah Harari. Cia das letras

Nexus olha para a nossa história e avalia como o fluxo de informações moldou a nós e o mundo onde vivemos. Em uma narrativa que vai desde a Idade da Pedra e passa pela canonização da Bíblia, pelas primeiras caças às bruxas modernas, pelo stalinismo, pelo nazismo e pelo ressurgimento do populismo hoje, Yuval Noah Harari nos convida a examinar a complexa relação entre informação e verdade, burocracia e mitologia, sabedoria e poder.

Vidas Impressas: Intelectuais Negras e Negros na Escravidão e na Liberdade”, de Iamara Viana/Flávio Gomes. Editora Selo Negro

Nesta obra, que reúne pesquisadores de todo o Brasil, o leitor encontrará interpretações originais sobre personagens negras e negros dos séculos XIX e XX e sobre suas contribuições em diversos campos. Do conhecidíssimo Luiz Gama ao primeiro beato negro do Brasil, passando por nossa primeira médica negra e por uma de nossas maiores escritoras, os textos aqui presentes descortinam um passado histórico rico em conhecimento e resistência.

A Singularidade está mais próxima: A fusão do ser humano com o poder da inteligência artificial”, de Ray Kurzweil. Editora Goya

Para o futurista, inventor e guru do tecno-otimismo Ray Kurzweil, as inovações das próximas décadas mudarão a vida humana para sempre: mais potente que a orgânica, a inteligência artificial se fundirá com o cérebro biológico, expandindo enormemente a nossa consciência e as nossas capacidades cognitivas.

O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos”, de Jessé Souza. Civilização Brasileira

Um livro que põe no alvo um dos debates atuais mais acalorados. Afinal, o aumento do apoio popular à extrema direita é um fenômeno recente que, a partir de 2018, mudou completamente o panorama das corridas eleitorais no Brasil. não apenas dá as linhas de uma teoria social inovadora como também investe em explicações para questões urgentes que são espelho da situação sociopolítica do Brasil.

Em Agosto Nos Vemos”, de Gabriel García Márquez. Editora Record

Escrito no estilo fascinante e inconfundível de um dos maiores ícones da literatura latino-americana, Em agosto nos vemos pinta o retrato de uma mulher que descobre seus desejos e se aprofunda em seus medos. Uma preciosidade que vai encantar fãs do saudoso Gabo, assim como novos leitores desse grande escritor.

Nada Mais Será Como Antes”, de Miguel Nicolelis. Editora Planeta

Em um mundo que já começa a colapsar pela falta de cuidado com o meio ambiente, uma catástrofe sem precedentes na história moderna se aproxima, trazendo consigo o poder de destruir toda a civilização eletrônico-digital. Momentos antes do impacto, um matemático e uma neurocientista, tio e sobrinha, tentam lidar ao mesmo tempo com seus dilemas pessoais e o possível colapso do planeta. Em paralelo, uma enorme conspiração mundial, com seus próprios interesses e ambições, está disposta a controlar as mentes e os destinos da humanidade.

O que Tem de Mais Lindo do que Isso?”, de Kurt Vonnegut. Editora Rádio Londres

Os quinze discursos reunidos neste volume, pronunciados por Kurt Vonnegut entre 1978 e 2004, e repletos de aforismas, lembranças, anedotas e reflexões, contêm o mesmo espírito irreverente e a mesma verve satírica que tornaram famosas suas obras de ficção. Esses textos são uma verdadeira celebração da liberdade e da criatividade do ser humano, divertindo e pegando o leitor no contrapé.

A Armadilha da Identidade: Uma História das Ideias e do Poder em Nosso Tempo”, de Yascha Mounk. Editora 70

Ao longo da história, as sociedades oprimiram violentamente minorias étnicas, religiosas e sexuais. Não é surpresa que os defensores fervorosos da justiça social acreditem que os membros de grupos marginalizados devam se orgulhar de suas identidades para resistir à injustiça. Neste livro, o autor fornece o relato mais ambicioso e abrangente já realizado sobre as origens, as consequências e as limitações do movimento “woke”. Ele demonstra como os progressistas se tornaram aliados involuntários da extrema-direita, além de defender que os valores universais e humanistas são a única saída para conquistarmos a igualdade plena.

O Peso do Pássaro Morto”, de Aline Bei. Editora nós

A vida de uma mulher, dos 8 aos 52, desde as singelezas cotidianas até as tragédias que persistem, uma geração após a outra. Um livro denso e leve, violento e poético. É assim O peso do pássaro morto, onde acompanhamos uma mulher que, com todas as forças, tenta não coincidir apenas com a dor de que é feita.

O Perigo de Estar Lúcida”, de Rosa Montero. Editora Todavia.

Rosa Montero oferece aqui um estudo fascinante sobre as ligações entre criatividade e instabilidade mental. E o faz compartilhando curiosidades surpreendentes sobre como nosso cérebro funciona na hora de criar, decompondo todos os aspectos que influenciam a criação e reunindo-os diante dos olhos do leitor enquanto escreve ― como uma investigadora pronta para combinar peças avulsas para solucionar um caso misterioso.

Filho Nativo”, de Richard Wright. Cia das Letras

Ambientado na Chicago da década de 1930, o livro conta a história de Bigger Thomas, um jovem negro massacrado pela pobreza, assombrado pelos traumas de uma irrecuperável memória da escravidão e atiçado pela consciência de que as injustiças que o atingem beneficiam as pessoas brancas. Escrita em um ritmo cativante e no estilo característico de um thriller, esta obra formidável é, ao mesmo tempo, uma condenação da injustiça social e um retrato implacável da experiência negra no mundo moderno.

A Pediatra”, de Andréa Del Fuego. Cia das Letras

Cecília é o oposto do que se imagina de uma pediatra ― uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Porém a medicina era um caminho natural para ela, que seguiu os passos do pai. Apesar de sua frieza com os pacientes, ela tem um consultório bem-sucedido, mas aos poucos se vê perdendo lugar para um pediatra humanista, que trabalha com doulas, parteiras e acompanha até partos domiciliares. Mesmo a obstetra cesarista com quem Cecília sempre colaborou agora parece preferi-lo.

Ratos e Homens”, de John Steinbeck. L&PM

George e Lennie são dois amigos bem diferentes entre si. George é baixo e franzino, porém astuto, e Lennie é grandalhão, uma verdadeira fortaleza humana, mas com a inteligência de uma criança. Só o que os une é a amizade e a posição de marginalizados pelo sistema, o fato de serem homens sem nada na vida, sequer família, que trabalham fazendo bicos em fazendas da Califórnia durante a recessão econômica americana da década de 30.

Felicidade Ordinária”, de Vera Iaconelli. Zahar

Em 2017, Vera Iaconelli aceitou o desafio de traduzir o cotidiano a partir do referencial psicanalítico. Desde então, os artigos publicados periodicamente na “Folha de S. Paulo” exploram diversas camadas da sociedade contemporânea através de temas como relações afetivas, feminismo, masculinidade, educação, sexo e política, além, claro, de parentalidade. Uma abordagem fluida e consistente que foi inevitavelmente marcada por dois eventos de grande impacto social: o fortalecimento de tendências autoritárias, com a ascensão de Bolsonaro, e a eclosão de uma pandemia global.

Espero conseguir ler estes.

5

Marcelo Franco (3ª parte)

Crítico literário e promotor de justiça

“A mis soledades voy,
de mis soledades vengo,
porque para andar conmigo
me bastan mis pensamientos.”
Lope de Vega

Publico a última parte da minha agenda de leitura de 2025. “Aleluia”, berram os meus três leitores. De nada, de nada, este vosso criado aqui está para vos servir. E nasceu com o uso de fórceps, esta agenda, entre embargos e interrogatórios, porque ocupamos um mundo abarrotado de propósitos que não se completam. Líquido ao extremo, este mundo, diria aquele polonês, sem contar que o tempo urge e editor-geral ruge. À lista, amigos.

Comecemos com coletâneas de cartas. Quem não gosta de espiar a vida alheia pela fresta epistolar?

Aprecio ensaios e de coletâneas de textos jornalísticos. Velho que sou, acompanho diariamente o jornalismo desde que Jesus comandou — a quem mesmo? — “Ide a Cafarnaum e depois me conte o que lá virdes”, se é que acerto a citação e as conjugações. Sobre ensaios, já escrevi que todo ensaísta é antes de tudo um amador, um mal equipado explorador que pretende falar sobre variados assuntos e por isso deve tentar, deve ensaiar — exatamente como seguimos também as nossas vidas, pois, que, como nos avisou aquele anjo torto, somos todos gauches: mais erramos que acertamos. As conclusões dos grandes ensaístas são poucas, provisórias e fugidias; seus insights, contudo, fazem o caminho valer a pena. Literatura de autoatrapalha, não de autoajuda: é o que me move. Ou: ler ensaios é como se sentar ao pé da fogueira para ouvir os conselhos do ancião da aldeia. Façamos fogo para que ele converse conosco.

Pois o que veio de bom de 2024 nesses gêneros?

Há ensaios mais específicos, sobre livros e bibliofilia. Coleciono livros ditos raros, lara quem crê que eu apenas jogue palitinho. Primeiras edições, livros autografados, essas coisas.

Vamos agora aos livros de História.

O método Jacarta: a cruzada anticomunista e o programa de assassinatos em massa que moldou o nosso mundo

The Wide Wide Sea: Imperial Ambition, First Contact and the Fateful Final Voyage of Captain James Cook

Na série A dos livros de História sempre jogam aqueles sobre a Segunda Guerra Mundial

O crematório Frio: Um Relato de Auschwitz

Um pouquinho de ficção, claro, porque a realidade costuma nos massacrar.

Filosofia e Religião? Sim, temos planos também.

Alguma coisa de Direito, minha área profissional — ai de mim! —, mas ada tão técnico que não possa ser aproveitado um pouco por quem tenha se formado em Química ou toque bumbo na orquestra filarmônica de sua cidade.

Há livros inclassificáveis, por supuesto. Da Espanha nos chega um grande ensaio sobre a solidão, tema que me fascina desde sempre: “Mapa de Soledades”, de Juan Gómez Bárcena, autor que já citei ali acima. E a Rocco, editora que eu imaginava defunta, traz de volta ao mercado, depois de anos desaparecido de estantes, “Clarice Lispector Entrevista — Grandes Personalidades Entrevistadas por Clarice Lispector”.

Está de bom tamanho, não? Está. “O fim, o fim”, também gritam os meus seis leitores; eu preferiria ouvir “O autor, o autor”, o modo como as plateias homenageavam teatrólogos ao fim da estreia de alguma peça. Encerro, assim, com Gustavo Corção, que também pretendo reler neste 2025.

Furto de “A Descoberta do Outro”: “Num romance de Alexandre Herculano, um personagem faz à sua namorada uma pergunta patética, no gosto da época: ‘Sabes tu, Hermengarda, o que é passar dez anos amarrado ao próprio cadáver?’.

“Não me recordo se Hermengarda sabia; eu porém já posso dizer que avalio aquela situação porque passei mais de quinze anos amarrado à técnica. Cinco entre teodolitos e outros dez, os últimos, fitando ponteiros de galvanômetros. Durante esse tempo tentei algumas evasões (…).

“(…) Levei tempo a descobrir que aquela faculdade se desenvolvera à custa de uma atrofia; foi preciso que coisas graves acontecessem para que eu me desse conta de estar amarrado ao meu próprio cadáver.”

O fim, portanto, e retorno aos meus teodolitos e galvanômetros, digo, aos meus embargos e interrogatórios.

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