O charme de Fup, de Jim Dodge, é o fato de conter uma história excêntrica e poética

Carlos Willian Leite

Especial para o Jornal Opção

Terceiro livro lido em 2025: “Fup” (Amarcord, 128 páginas, tradução de Melany Laterman), do americano Jim Dodge.

“Miúdo bebia pouco — em geral, só um gole antes de ir para a cama, a fim de brecar os sonhos; vovô bebia muito, em geral meio litro por dia, para pôr os sonhos em movimento.”

A primeira vez que ouvi falar de “Fup” foi pelo escritor Reinaldo Moraes. O livro ficou me rondando por anos, e fui protelando sua leitura; contudo, sem esquecê-lo. Um amigo (o físico e escritor Solemar Oliveira) me alertou sobre uma nova edição no mercado, e finalmente decidi ler: trata-se de um livrinho mítico, que ganhou status de cult pelo boca a boca, com um charme excêntrico que transcende seu pequeno tamanho.

Jake é um homem que acredita ter encontrado a chave para a imortalidade no uísque que ele mesmo fabrica e consome religiosamente todos os dias — às vezes meia garrafa, às vezes uma inteira. A receita foi transmitida por um velho índio em seu último suspiro, numa noite de bebedeira. Quando sua única filha morre, Jake assume a responsabilidade de criar o neto, Miúdo, e os dois passam a viver juntos em um rancho no interior do norte da Califórnia, nos Estados Unidos. Entre a fabricação de uísque, que se torna sua principal fonte de renda, e a obsessão de Miúdo por construir cercas, avô e neto constroem um vínculo de amor visceral, moldado por suas excentricidades.

Jim Dodge: escritor americano que publicou uma obra mítica | Foto: Reprodução

O cenário rural desempenha um papel central na narrativa, refletindo um estilo de vida simples, excêntrico e profundamente conectado à natureza. Certo dia, enquanto trabalha em uma cerca, Miúdo encontra um filhote de pato em estado lamentável. O animal é batizado de Fup (abreviação de “Fudido”) em alusão às condições em que foi encontrado. Para salvar o pato, Jake lhe dá uma dose de seu uísque caseiro, e o filhote — que é, na verdade, uma pata — sobrevive milagrosamente.

A partir daí, Fup torna-se um membro inseparável da família. O pato participa tanto das reflexões filosóficas de Jake quanto das atividades cotidianas, que vão desde assistir filmes em um velho drive-in até beber uísque na varanda.

“Depois do almoço, Miúdo voltava para o trabalho nas cercas, enquanto vovô e Fup se refugiavam na varanda para bebericar um pouco do Sussurro da Morte, ficar de papo pro ar e meditar sobre o fluxo das coisas em geral.”

Uma história que os leitores não vão esquecer

O charme de “Fup” pode ser explicado por muitos fatores, mas o principal é sua singularidade. É uma história ao mesmo tempo excêntrica e profundamente poética, capaz de encantar o leitor mais exigente e o mais casual. Poucas histórias têm esse dom de transcender barreiras emocionais, fazendo rir, chorar e, ao mesmo tempo, provocar aquela inveja criativa que nos faz perguntar: “Por que eu não consigo escrever assim?”

Este é um daqueles raros livrinhos que, daqui a 100 anos, continuará circulando de boca em boca. Talvez nunca alcance a glória dos cânones literários, mas preservará algo ainda mais precioso: sua capacidade de tocar o coração com simplicidade mágica e um humanismo profundo que parece não envelhecer.

Nota: 10

Carlos Willian Leite, poeta e jornalista, é editor da “Revista Bula”. É colaborador do Jornal Opção.

O post O charme de Fup, de Jim Dodge, é o fato de conter uma história excêntrica e poética apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.