10 mulheres que lutaram pelo feminismo em Goiás

“Seja qual for a guerra que lhe façam, o feminismo vencerá, porque não nasceu da vaidade, mas da necessidade que obriga a triunfar” (Júlia Lopes de Almeida, Para a morte!, em Livro das Donas e Donzelas)

Ao longo da história de Goiás, diversas mulheres se destacaram na luta pelos direitos femininos, deixando um legado de resistência e transformação. Nomes como Consuelo Ramos Caiado, Consuelo Nasser, Linda Monteiro, Conceição Gayer, Nadir Cordeiro e Maria do Rosário Cassimiro foram essenciais em diferentes áreas, desde a política e a cultura até a educação e a defesa dos direitos humanos. Berenice Teixeira Artiaga, Graciema Machado de Freitas (Grace Machado), Gercina Borges e Damiana da Cunha também marcaram época, ampliando o espaço das mulheres na sociedade e abrindo caminho para conquistas futuras.

Além de diversas outras que não serão aqui citadas, essas mulheres foram pioneiras em diversas frentes, atuando na promoção da igualdade de gênero e na construção de uma sociedade mais justa. Seja na política, no ativismo social ou na valorização das culturas indígenas e populares, seus trabalhos e legados continuam inspirando novas gerações. Na próxima reportagem, destacaremos mais dez mulheres que seguem ativas na luta pelo feminismo em Goiás.


No Brasil e, especificamente em Goiás, após a emancipação, a participação feminina na esfera pública foi marcada por contrastes. De um lado, mulheres negras e prostitutas circulavam nas ruas em busca de sustento, enquanto as burguesas permaneciam restritas ao ambiente doméstico. No final do século XIX, com a difusão de princípios liberais e capitalistas, essas barreiras começaram a ruir. Trabalhadoras ganharam autonomia, e mulheres puderam acessar espaços antes negados, mesmo que ainda pressionadas a cumprir o papel doméstico.

Com a Proclamação da República, a imagem da mulher foi ressignificada. Ela passou a simbolizar a nação, representando humanidade e altruísmo, moldada sob valores cristãos e morais. O modelo idealizado era o da virgem Maria: puro, virtuoso e desprovido de sexualidade.

Entre o final do século XIX e meados do século XX, os movimentos feministas emergiram, mas eram liderados por mulheres brancas, ricas e instruídas, como aponta a historiadora June Hahner. A luta feminina, atravessada por questões de classe e raça, foi fundamental na conquista de direitos civis.

No século XX, com a imigração e novas ideologias, a modernização do Brasil alcançou até os sertões de Goiás. Revoltas populares pressionaram os governos republicanos, e a jovem classe operária de São Paulo impulsionou a demanda por legislação trabalhista, consolidando avanços sociais em todo o país.

O movimento feminista em Goiás no século XXI começou a ganhar força nos anos 2000, com foco em pautas como a violência doméstica e a implementação da Lei Maria da Penha, que fortaleceu a luta pelos direitos e proteção das mulheres. Organizações feministas, ONGs e coletivos universitários se destacaram nesse período, promovendo mobilizações e a construção de uma rede de apoio às mulheres vítimas de violência.

Nos anos de 2010, o movimento ganhou visibilidade, especialmente com a adesão às redes sociais como ferramenta de mobilização. O movimento #EleNão, contra o candidato Jair Bolsonaro, e o avanço do feminismo interseccional, que abrange questões de raça, classe e sexualidade, marcaram este período. A luta por mais mulheres na política também se intensificou, embora a representatividade feminina ainda seja desigual.

Na década de 2020, o movimento continuou a crescer, abordando novas questões como o aumento da violência doméstica durante a pandemia e a sobrecarga de trabalho para as mulheres. Apesar dos avanços, o movimento enfrentou desafios, como o conservadorismo em algumas regiões do estado, a sub-representação política e a desigualdade de gênero em diversos setores, com a continuidade da luta por igualdade salarial, direitos sexuais e reprodutivos, e maior inclusão de mulheres negras e indígenas.

Em Goiânia, entre os grupos que marcaram essa trajetória, destacam-se o Malunga, as Dandaras do Cerrado, o Transas do Corpo, o Coletivo Feminista Pagu e o Coletivo Rosa Parks. Cada um desses grupos teve um papel importante na promoção de debates sobre igualdade de gênero, direitos das mulheres e o enfrentamento da violência. O Malunga, por exemplo, se destacou por sua atuação no campo da identidade da cultura e da valorização da afro-brasileira, enquanto as Dandaras do Cerrado focaram na luta por direitos específicos das mulheres negras.

Destruição de arquivos femininos e apagamento da memória

A trajetória das mulheres em Goiás tem sido marcada pelo desligamento e pela falta de registros históricos, conforme apontam pesquisadores. O silenciamento das histórias femininas reflete não apenas uma exclusão das narrativas oficiais, mas também uma construção selecionada da memória.

A pesquisadora Michelle Perrot destaca que essa eliminação de registros muitas vezes ocorre de forma deliberada ou pela negligência com acervos que narram as experiências femininas. “Quantas destruições foram realizadas nestas últimas décadas ou restos, conservados até hoje, nos sugerem a sua riqueza tanto o seu interesse finalmente reconhecido?” pergunta Perrot.

De acordo com a historiadora, cartas, diários e fotografias foram frequentemente descartados ou destruídos pelas próprias mulheres, em uma tentativa de apagar seus rastros, mas também por descaso das gerações seguintes. “A ousadia em pensar e escrever num contexto em que isso não lhes foi permitido – ou então tais destruições vieram dos acasos, das sucessões e das mudanças ‘de casa, ou ainda de um gosto pelo segredo que cimenta e alimenta a intriga familiar”, explica.

O historiador Georges Didi-Huberman reforça essa ideia ao discutir a destruição de evidências como uma forma de censura. “Os arquivos sobre mulheres são lacunares, são o resultado de censuras premeditadas – ou inconscientes, de destruições, de agressões, de atos de fé”, afirma. Para ele, preservar o que resta desses acervos é essencial para evitar que as histórias femininas sejam completamente apagadas. “É preciso parar, reservar um tempo e pensar nas condições que tenham tornado possível o milagre de que as evidências sobre as mulheres das quais tratamos neste teste estejam aqui, diante de nós”.

Essa invisibilidade feminina também se reflete em Goiás, onde muitas mulheres tiveram suas histórias esquecidas ou minimizadas. A pesquisadora Suely Kofes analisou o caso de Consuelo Ramos Caiado, destacando que sua trajetória foi apagada devido às transformações políticas no estado e ao impacto da transferência de capital para Goiânia. “O jogo entre a lembrança e o esquecimento, a interferência de questões políticas muito próprias do Goiás de fins do século XIX e meados do XX” fez com que sua história fosse relegada ao esquecimento, pontua Kofes.

Para a antropóloga, o apagamento da memória feminina não se dá por acaso, mas faz parte de uma estrutura de poder que controla as narrativas. “Manter Consuelo esquecida em detrimento de outras mulheres goianas, como Cora Coralina, pode ter significado que ela ‘escondeu sua própria vida’”

Mulheres que lutaram pelo feminismo em Goiás

1 – Consuelo Ramos Caiado

Consuelo Caiado com o pai, Totó Caiado, em São Paulo, em 1928 | Foto: Reprodução

Em uma época em que as mulheres eram invisibilizadas na esfera pública, nascia Consuelo Ramos Caiado, uma das primeiras vozes a ecoar a luta feminista nos sertões brasileiros. Sua trajetória, marcada por uma combinação única de intelectualidade, ativismo e amor pela cultura goiana, transformou-a em uma figura central na história do feminismo no Brasil.

Ela nasceu em 7 de novembro de 1899, na Praça Primeiro de Dezembro, no distrito de Sant’Ana, no então município de Goyaz. Filha de Antônio Ramos Caiado e Iracema de Carvalho Caiado, Consuelo foi fruto da união entre duas famílias tradicionais brasileiras — o pai, natural de Goiás, e a mãe, vinda do Rio de Janeiro, com forte influência da cultura carioca e formação intelectual. Ainda recém-nascida, sua família se mudou para Goyaz, dando início à trajetória de uma mulher que viveria intensamente as contradições de seu tempo.

Consuelo não apenas viveu no sertão, mas também o retratou em suas obras. Em livros como O Sertanista (1918-1919) e A Aposta do Juca (1919), ela reuniu crônicas e contos que narravam as peripécias dos moradores do interior goiano. Suas histórias traziam personagens diversos: estrangeiros em busca das riquezas naturais de Goiás, homens libertos, coronéis, fazendeiros, tropeiros e mulheres fortes que enfrentavam as adversidades da vida rural.

Consuelo Ramos Caiado foi uma das pioneiras na luta pelos direitos das mulheres em Goiás. Em uma sociedade dominada por homens, ela articulou sua formação intelectual com o ativismo feminista, defendendo o direito ao voto e a participação das mulheres em espaços públicos e políticos. Sua luta não se limitou ao discurso: ela dirigiu instituições intelectuais e produziu um vasto arquivo que documentava a história e a memória das mulheres goianas.

Parte desse acervo desapareceu após sua morte, em 1981. No entanto, pesquisadores conseguiram reconstruir parte de sua trajetória a partir de documentos encontrados no Gabinete Literário Goyano, na Fundação Educacional da Cidade de Goiás “Casa Frei Simão Dorvi”, no Arquivo do Estado de Goiás e em instituições como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Esses documentos revelam uma mulher à frente de seu tempo, que usou a escrita e a educação como ferramentas de transformação social.

2 – Consuelo Nasser

Consuelo Nasser | Foto: Divulgação


Consuelo Nasser (28 de dezembro de 1938 – 20 de agosto de 2002) foi uma jornalista, advogada e feminista brasileira, reconhecida por sua significativa contribuição à luta pelos direitos das mulheres em Goiás. Nascida na fazenda de seus pais em Caiapônia, sudoeste goiano, passou grande parte da vida sendo criada pelo tio Alfredo Nasser em Goiânia. 

Aos 17 anos, Consuelo ingressou na Faculdade Nacional de Direito, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi nesse ambiente acadêmico que ela se envolveu com a militância, participando ativamente da UNE, e descobriu seu talento para a escrita, trabalhando na União Brasileira de Escritores. Essa fase de sua vida foi decisiva para sua formação como uma mulher questionadora e engajada.

Ao retornar a Goiânia após se formar em terceiro lugar, Consuelo Nasser iniciou uma das maiores realizações de sua carreira: participou da fundação do jornal Cinco de Março em 1959, onde encontrou sua verdadeira vocação. Na imprensa goiana, ela se destacou por sua postura irreverente e combativa, adotando uma postura de oposição ao governo e aos poderosos da época, mesmo durante a ditadura militar. Nunca teve medo de se posicionar publicamente, mesmo que isso signifique enfrentar perseguições, censuras e até mesmo a destruição de seu jornal. 

Sua atuação feminista foi marcada pelo combate à violência doméstica e pela luta por direitos iguais para as mulheres, inspirada por Simone de Beauvoir e outras pensadoras feministas. Sua militância também se manifestou nos jornais que dirigiu, sempre denunciando injustiças e promovendo debates sobre os direitos das mulheres.

Além de ser uma grande redatora, Consuelo Nasser mostrou uma administradora habilidosa. Na década de 1970, assumiu a gestão do Cinco de Março , conseguindo reverter as perdas financeiras do jornal e garantindo sua sobrevivência. Sua capacidade de gestão e organização levou à abertura do Diário da Manhã , outro marco em sua carreira. Por sua atuação como empresária e jornalista, foi agraciada com o título de “Empresária do Ano” por duas vezes, em 1977 e 1979.  

A jornalista dedicou os últimos 11 anos de sua vida exclusivamente à luta pela causa feminista e à entidade, agregando ao Cevam, além do abrigo, os serviços médico, odontológico e psicológico para as mulheres vitimadas pela violência doméstica e sexual (Projeto Nove Luas) e adolescentes (Projeto Castelo dos Sonhos). O primeiro é voltado para o atendimento de mulheres vítimas da violência doméstica, que em sua maioria, chegam acompanhadas por seus filhos. Já o segundo programa é direcionado à população de jovens mulheres abusadas sexualmente.

Consuelo Nasser morreu em 20 de agosto de 2002. Em sua homenagem, foram instituídas a Comenda Consuelo Nasser, destinada a mulheres que combatem a violência de gênero, e o Centro de Inserção Social que leva seu nome, reforçando seu compromisso com a igualdade e justiça social. 

3 – Linda Monteiro

Linda Monteiro | Foto: Divulgação

Linda Monteiro foi uma jornalista e ativista cultural goiana, reconhecida por sua atuação no movimento feminista em Goiás. Natural de Goiandira, Goiás, Linda Monteiro formou-se em pedagogia e psicologia, participando de diversas entidades onde contribuiu para a elaboração de leis em prol de portadores de necessidades especiais.

No início dos anos 1980, juntamente com outras feministas, incluindo Consuelo Nasser, Linda Monteiro foi fundamental na criação do Centro de Valorização da Mulher (Cevam). As reuniões iniciais para a fundação do Cevam ocorreram em sua residência, onde o grupo discutia estratégias para combater a violência contra a mulher e promover a igualdade de gênero em Goiás.

Em 1984, durante sua gestão como presidente do Cevam, Linda Monteiro conseguiu associar 800 pessoas, entre homens e mulheres, além de organizar 30 militantes em agendas de palestras, passeatas e piquetes. Essas ações contribuíram para conquistas significativas, como a criação do Conselho Municipal da Condição Feminina e a instalação da primeira Delegacia Especial de Polícia de Defesa da Mulher em Goiás, a segunda do Brasil.

O Cevam lutou e conseguiu que a Secretaria Estadual da Condição Feminina fosse criada em 1987, a primeira da América Latina. 

4 – Conceição Gayer

Ex-deputada constituinte Conceição Gayer | Foto: Alego

Maria da Conceição Gayer, natural de Caiapônia (GO), foi uma importante advogada, delegada de polícia e política brasileira, filiada ao Partido Democrata Cristão. Nascida em 04 de maio de 1949, sua trajetória se destaca pela luta contra a ditadura militar nos anos 1980 e por sua atuação em diversas áreas sociais. Ela foi a primeira mulher a presidir a Câmara de Goiânia, cargo que ocupou entre 1º e 9 de fevereiro de 1983, rompendo barreiras e marcando presença em uma época em que a política era predominantemente masculina. Após sua breve presidência, ela assumiu o cargo de delegado do Consumidor e se envolveu ativamente no combate à violência contra mulheres, crianças e jovens.

Além de sua carreira como delegada, Maria da Conceição também teve uma atuação significativa na Assembleia Legislativa de Goiás, onde foi Deputada Estadual Constituinte na 11.ª Legislatura, de 1987 a 1991. Durante sua passagem pelo Legislativo, ela foi uma defensora incansável de políticas públicas externas para a proteção dos direitos das mulheres e das crianças, além de contribuir com importantes discussões sobre justiça social e igualdade. Sua trajetória política foi marcada pela coragem de enfrentar questões delicadas e pela busca pela equidade em uma

Maria da Conceição Gayer também foi uma figura relevante em sua família, sendo mãe de Gustavo Gayer, político e influenciador digital, e de Frederico Gayer Machado de Araújo, empresário que se envolveu em um caso de homicídio em 1997. Sua vida, marcada por altos e baixos, reflete a complexidade de seu legado. Faleceu em 5 de dezembro de 2006, em Goiânia, vítima de um infarto, deixando uma marca indelével em Goiás, onde sua atuação em prol da justiça e dos direitos humanos continua sendo lembrada.

5 – Nadir Cordeiro

Nadir Cordeiro | Foto: Divulgação

Nascida em 24 de janeiro de 1946, na cidade de Arraias – atualmente pertencente ao estado do Tocantins –, Nadir construiu sua carreira em Goiás, onde se tornou um dos nomes mais respeitados da Polícia Civil. Mãe de três filhos, formada em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com especialização em Direito Penal, Processo Penal, Direito Administrativo e Constitucional.

Seu ingresso na Polícia Civil aconteceu em 1973, como escriturária. Na época, ela enfrentou obstáculos típicos de uma época em que o ingresso feminino nas carreiras policiais ainda era dificultado – inclusive por testes físicos específicos, como correr 100 metros carregando um saco de 60 kg. Determinada, Nadir logo buscou novos desafios e, no ano seguinte, passou no concurso para escrivã.

Com dificuldades financeiras para comprar os livros da faculdade, chegou a trabalhar nas revistas femininas do Cepaigo para complementar a renda. Quatro anos depois, em 1977, formou-se em Direito e continuou a avançar na carreira: foi aprovado no concurso para comissária da Polícia Civil e, posteriormente, tornou-se delegado.

Em 1985, foi protagonista de um marco histórico: após a pressão dos movimentos feministas, o governo estadual criou a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), e Nadir Batista Cordeiro foi escolhido pelos próprios movimentos, como o CEVAM, para assumir o comando. Assim, tornou-se a primeira Delegada da Mulher do Estado de Goiás , onde se reuniram por dez anos, atuando com firmeza no enfrentamento à violência de gênero e garantindo o protagonismo feminino dentro da instituição policial.

Atualmente, Nadir segue em atividade na DEPAI – Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais –, mantendo o mesmo comprometimento que sempre guiou sua trajetória. Ao longo de quase quatro décadas de carreira, nunca tirei uma licença-prêmio ou se ausentou do serviço. “Bato meu ponto religiosamente no horário certo”, afirma com orgulho.

Exemplo de seriedade, integridade e vocação pública, Nadir Batista Cordeiro é símbolo de resistência feminina em espaços historicamente dominados por homens. Sua história permanece como inspiração para novas gerações de mulheres na segurança pública.

6 – Maria do Rosário Cassimiro

Maria do Rosário Cassimiro | Foto: Divulgação

Maria do Rosário Cassimiro foi uma educadora e escritora brasileira de grande importância no cenário educacional, sendo pioneira ao se tornar a primeira mulher a assumir a reitoria de uma universidade federal no Brasil. Nascida em 1934, em Catalão, Goiás, iniciou sua formação acadêmica na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), onde obteve bacharelado e licenciatura em Pedagogia, antes de concluir seu doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo em 1973.

Sua trajetória ganhou destaque em 1982, quando foi eleita reitora da Universidade Federal de Goiás, cargo que ocupou até 1985. Durante seu mandato, Maria do Rosário promoveu uma série de melhorias na instituição, focando na expansão e qualificação do ensino superior. Sua atuação também foi essencial para a fundação da Universidade do Tocantins (Unitins), onde também exerceu o cargo de reitora.

Além de sua atuação administrativa, Maria do Rosário foi autora de 16 livros e proferiu 30 conferências ao longo de sua carreira, tendo contribuído de maneira significativa para a educação no Brasil. Em reconhecimento à sua dedicação, recebeu 27 títulos honoríficos e quatro troféus, incluindo a Ordem do Rio Branco. Em abril de 2024, a Universidade Estadual de Goiás (UEG) concedeu o título de Doutora Honoris Causa, em homenagem ao seu legado e ao seu papel pioneiro no fortalecimento da educação superior e da liderança feminina no Brasil.

Maria do Rosário Cassimiro teve uma importante contribuição para o movimento feminista em Goiás, especialmente ao se destacar como uma das pioneiras na luta pela presença e liderança feminina no campo acadêmico e político. Como a primeira mulher a assumir a reitoria de uma universidade federal no Brasil, ela reduziu barreiras significativas em um contexto onde as mulheres ainda enfrentavam grandes desafios para ocupar cargos de liderança, especialmente em áreas dominadas por homens, como o ensino superior e a gestão acadêmica.

Sua trajetória e seu mandato na reitoria da UFG representaram um marco para o movimento feminista, pois ela não apenas abriu espaço para outras mulheres no ambiente acadêmico, como também demonstrou a importância da participação feminina em cargas de poder. Seu exemplo contribuiu para que outras mulheres seguissem carreiras acadêmicas e buscassem posições de liderança, tanto na educação quanto em outras áreas. 

O Campus 2 da Universidade Federal foi um espaço fundamental para o movimento feminista em Goiânia, funcionando como encontros locais e reuniões de vários grupos que buscavam discutir questões de gênero e ações articuladas.

7 – Berenice Teixeira Artiaga

Berenice Teixeira Artiaga | Foto: Divulgação

Berenice Teixeira Artiaga foi uma das mulheres mais emblemáticas da história política de Goiás, reconhecida por romper barreiras em uma época em que o espaço público era majoritariamente masculino. Nascida em 1923, em uma sociedade marcada por fortes traços patriarcais, ela desafiou os padrões estabelecidos e se tornou a primeira deputada estadual eleita em Goiás , conquistando uma cadeira na Assembleia Legislativa em 1951.

Formada em Direito, Berenice também atuou como professora e jornalista, profissões que se desenvolvem para sua inserção no debate público e para a construção de sua trajetória política. Essas áreas de atuação permitiram que ela se destacasse como uma influente intelectual, inserida às demandas sociais do seu tempo. Ao longo de sua vida, esteve envolvida com movimentos culturais e educacionais, o que fortaleceu sua atuação política pautada na defesa da cidadania, da educação pública de qualidade e dos direitos das mulheres.

Sua passagem pela Assembleia Legislativa foi marcada pela firmeza com que defende suas ideias, mesmo em meio a um ambiente político predominantemente masculino e conservador. Berenice levantou bandeiras progressistas e humanitárias, com atenção especial às questões sociais, à valorização da educação e ao fortalecimento da presença feminina nos espaços de decisão. Sua postura combativa e sua capacidade de articulação foram fundamentais para abrir caminhos a outras mulheres que viriam a ocupar cargos públicos nas décadas seguintes.

Para além da política institucional, Berenice Artiaga também teve papel de destaque no campo cultural. Participou do desenvolvimento de entidades literárias e acadêmicas, onde promoveu o pensamento crítico, o incentivo à leitura e a valorização das artes. Seu legado intelectual também se reflete em sua atuação como jornalista, produzindo textos opinativos que dialogavam com os principais temas do cotidiano goiano e nacional. Era uma mulher à frente do seu tempo, que transitava com firmeza entre os mundos da política, da educação e da cultura.

Após sua morte, em 1993, o reconhecimento à sua trajetória se materializou em diversas homenagens públicas. Seu nome passou a batizar escolas, espaços culturais e instituições, consolidando sua memória como símbolo de pioneirismo e resistência feminina. Em Goiânia, por exemplo, a Escola Estadual Deputada Berenice Artiaga carrega seu nome como forma de eternizar sua contribuição ao estado de Goiás e à luta pela igualdade de gênero.

8 – Graciema Machado de Freitas (Grace Machado)

Graciema Machado de Freitas | Foto: Divulgação

Graciema Machado de Freitas, mais conhecida como Grace Machado, é natural de Jaraguá, Goiás, e nasceu em 12 de dezembro de 1906. Ela foi uma importante escritora e membro fundadora da Academia Goiana de Letras (AFLAG), onde tomou posse como acadêmica na área literária em 9 de novembro de 1970. Sua trajetória literária foi marcada por sua publicação de poemas e crônicas em diversos periódicos da época, como O Lar , O Itaberaí , O Araguarí , Novo Horizonte de Catalão, e A Voz do Povo de Goiânia, além das revistas da AFLAG. Suas obras, escritas nas décadas de 1960 e 1970, refletiram um estilo literário caracterizado pela sensibilidade e reflexão sobre as questões sociais e culturais de Goiás e do Brasil.

Militante histórica no movimento feminista, a trajetória de Grace inclui atuação política, cultural e social. Ela foi uma das fundadoras do Grupo Mulher , um movimento feminista que surgiu na década de 1980 em Goiás com o objetivo de fortalecer a luta das mulheres goianas pela igualdade de direitos e contra a violência de gênero. O Grupo Mulher teve um papel crucial em questões pautais como a feminização da pobreza, os direitos reprodutivos, o combate à violência doméstica e a presença feminina na política.

Além de seu trabalho como militante e ativista, Grace Machado também foi uma figura relevante no campo cultural. Ela esteve à frente de projetos como o Festival de Mulheres e o Cine Mulher , ambos voltados para dar visibilidade à produção feminina no cinema e nas artes em Goiás. O Festival, em particular, teve um impacto significativo, promovendo a reflexão sobre a representação da mulher na cultura e proporcionando um espaço para a exibição de trabalhos de cineastas e artistas mulheres.

Grace também teve uma forte atuação política, com destaque para sua participação nas lutas pela implementação de políticas públicas externas para as mulheres e na criação de espaços de discussão sobre igualdade de gênero. Sua trajetória é marcada pelo compromisso de promover mudanças não apenas na legislação, mas também no imaginário social em relação ao papel das mulheres.Em meados da década de 1980, sua cadeira na Academia Goiana de Letras foi alterada devido a problemas de saúde. Ela faleceu em 12 de julho de 1985. Jaraguá,  em homenagem à sua vida e legado, fundou a Fundação Grace Machado

9 – Gercina Borges

Gercina Borges | Foto: Divulgação

Nascida em 1902, Gercina Borges era filha de uma família tradicional da antiga capital, uma cidade de Goiás. Em 1925, casou-se com Pedro Ludovico, com quem teve seis filhos. Muito além da imagem de esposa do homem público, ela foi uma parceira ativa na vida política e social do marido, atuando nos bastidores, recebendo autoridades, intermediando diálogos e organizando eventos sociais e políticos que fortaleceram a reputação da nova capital.

Durante os primeiros anos de Goiânia, Dona Gercina tornou-se uma referência de hospitalidade e elegância, sendo considerada uma espécie de “primeira-dama” da cidade em formação. Ela se dedicava não apenas à vida familiar, mas também às ações sociais, com forte atuação em projetos de assistência às famílias carentes e de valorização da mulher.

Com o tempo, seu nome passou a integrar a memória afetiva e histórica de Goiânia. Hoje, está eternizado em diversos espaços públicos da capital, como o Hospital Dona Gercina Borges , o Residencial Dona Gercina , escolas e ruas que homenageiam sua figura. Sua imagem representa a força das mulheres que, mesmo fora dos palanques, tiveram papel decisivo na construção política e simbólica de Goiás.

Embora não tenha sido uma militante feminista nos moldes dos movimentos organizados que surgiram nas décadas seguintes, sua atuação como figura pública influenciou e sua postura enquanto mulher ativa nos bastidores do poder representaram um avanço significativo para a presença feminina nos espaços sociais e políticos da época. Dona Gercina faleceu em 1992.

10 – Damiana da Cunha

Damiana da Cunha

No coração do século XIX, uma mulher indígena rompeu barreiras e deixou sua marca na história de Goiás. Damiana da Cunha, nascida em 1779, foi uma liderança notável entre os caiapós, atuando como mediadora entre seu povo e as autoridades coloniais. Seu papel foi crucial para a manutenção da paz entre os indígenas e os colonizadores, evitando conflitos e facilitando acordos. Sua trajetória revela uma história de resistência, inteligência e habilidade política, tornando-a uma das figuras femininas mais importantes da história indígena brasileira.

Damiana foi sequestrada por bandeirantes ainda criança e criada entre os colonizadores, aprendendo a língua portuguesa e os costumes europeus. No entanto, ao longo de sua vida, manteve-se ligada às suas raízes indígenas, transitando entre os dois mundos com habilidade. Sua capacidade de comunicação e liderança chamou a atenção das autoridades da época, que passaram a utilizá-la como intermediária em negociações com os povos nativos. Esse papel garantiu-lhe respeito tanto entre os indígenas quanto entre os portugueses, fortalecendo sua posição como líder.

Ao longo dos anos, Damiana liderou diversas expedições pelos sertões de Goiás, guiando missões e ajudando na pacificação de territórios ocupados por indígenas. Sua influência foi tão grande que recebeu o título honorífico de capitã-mor, uma condecoração militar rara para uma mulher, ainda mais para uma indígena. Esse reconhecimento evidencia sua importância política e estratégica, algo impensável para a época. Seu papel ia além da diplomacia, pois também participou da organização de aldeamentos e da proteção de comunidades indígenas contra ataques externos.

Diferente do estereótipo da mulher indígena passiva e submissa, Damiana da Cunha mostrou força e determinação, desafiando as normas sociais impostas pelo colonialismo. Seu legado é um testemunho do protagonismo das mulheres indígenas na construção da história brasileira, muitas vezes apagado pelos registros oficiais. Seu nome e sua trajetória são estudados até hoje por historiadores, que a reconhecem como um símbolo da resistência indígena e da mediação cultural. Damiana morreu em 1831.

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