Eis a minha mão à palmatória

Aquele que não tiver nenhuma pedra que atire o primeiro Pedro. Você, altaneiro leitor, certamente não entendeu patavina nenhuma sobre a frase que dá início a esta crônica. Não sei em que figura de linguagem se enquadra esta construção frasal. Pensei se tratar de anacoluto; inclusive recorri ao mestre Napoleão Mendes de Almeida (mais precisamente à sua “Gramática Metódica da Língua Portuguesa”) e não encontrei pertinência. Isso, no entanto, é secundário, pois, no decorrer da leitura, isso será explicado sem que se saiba de que figura exatamente se trata. Afinal, não é sabendo reconhecer o nome das figuras de linguagem que nos faz gostar de um poema ou um texto, mas sim a criatividade na construção deles.

Meu pai, que foi embora da vida em 2012, me disse que, na sua aprendizagem das primeiras letras (não passou das primeiras), chegou a passar pela palmatória, que é um instrumento de madeira com orifícios usado para punir uma pessoa com golpes na mão. Ele me disse ter sido punido. No meu tempo das primeiras letras, isso na Escola Municipal Marechal Deodoro da Fonseca, em Belo Horizonte, a palmatória já tinha sido abolida. Só que ainda peguei um resquício dela.

Enfim deram fim à agressão física, mas entrou em cena a dor moral: o uso da orelha de burro, que é um acessório feito de cartolina com duas orelhas de burro nas laterais. O aluno que não estudasse passava por uma sessão de orelha de burro e ficava em pé no canto da sala de aula com o apetrecho na cabeça e assim ser ridicularizado. Não cheguei a passar por isso. Lembro de ter zoado quem passou.

Em 1990, esses procedimentos obscurantistas foram abolidos das escolas com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse obscurantismo educacional é mostrado no filme The Wall, realizado em cima da música do mesmo nome, lançada em 1979. A música pede o fim do humor negro nas salas, pede que os professores deixem os alunos em paz. No filme, é mostrado um professor punindo um aluno com varadas na bunda: “Quando crescemos, fomos à escola. Havia certos professores que feriam as crianças como podiam, zombando de nós no que quer que fizéssemos…”

A famosa palmatória, instrumento de punição física usada algum tempo por muitos professores | Foto: Reprodução

Sobre dar minha mão à palmatória. Eu, injustamente, atirei uma pedra na direção do Museu Pedro Ludovico. Passei por lá e vi uma movimentação de caminhões e motosserras se aquecendo para entrar em campo: torar parte dos mognos no quintal do museu, plantados, conforme consta no próprio prédio, pelo fundador de Goiânia, Pedro Ludovico Teixeira, e sua esposa, Dona Gercina Borges. Perguntei a um servidor da Comurg, e ele colocou muitos pontos no conto, ou melhor, no fato. Contou-me que os pés de mogno passariam por uma poda severa.

Aí eu fiquei azedo de raiva na hora, por não ver necessidade de uma poda dessa natureza, a qual empobreceria a patrimônio botânico do museu. Esse tipo de poda até colocaria a vida das árvores em risco, haja vista que a poda drástica retira um grande volume de folhas da árvore, fato que compromete a geração de seiva elaborada por meio da fotossíntese, que é uma incumbência das folhas. Extravasei meu descontentamento nas redes sociais. Falei mais do que devia, falei que a ação era do tempo do ronca. Mencionei também que o procedimento constante a se fazer por lá é o desentupimento das calhas para evitar o acúmulo de água e consequentemente gerar vazamento e assim comprometer a conservação dos objetos expostos. Ouvi que parte das receitas culinárias de Dona Gercina foi para o beleléu com vazamento de água no telhado. Não se procede.

Uma das inúmeras placas identificativas de plantas na Fundação Casa José Américo, em João Pessoa/PB | Foto: Sinésio Dioliveira

Felizmente a poda foi insignificante, e os mognos estão lá altaneiros, com as copas rentes à altura do apartamento do poeta Gabriel Nascente, que mora bem ao lado. Aproveitando o ensejo da mão à palmatória, o direção do museu poderia colocar placas identificativas com nome científico e popular das plantas e árvores que existem no quintal da casa em que morou o fundador de Goiânia. Visitei a Fundação Casa José Américo em João Pessoa em julho do ano passado e vi isso por lá. Há, inclusive, poemas de José Américo, que integrou a Academia Brasileira de Letra e a Paraibana, esparramados pelo quintal. Um até tendo como tema um pé de fruta-pão que o escritor e ex-governador da Paraíba plantou:

Plantei a fruta-pão no meu pomar.
Vê-la depois crescer foi uma luta.
Por que tanto trabalho sem gostar.
Desse pão e, ainda menos dessa fruta ?

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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