O Sentido de um Fim, de Julian Barnes, aborda como nossas memórias mudam com o decorrer do tempo

Mariza Santana

Pacato cidadão inglês aposentado de mais de 60 anos de idade, Tom Webster realiza trabalho voluntário na biblioteca de um hospital. Divorciado e pai de uma filha agora adulta, se vê às voltas com as memórias de acontecimentos de sua adolescência, envolvendo uma ex-namorada e o amigo mais inteligente que tinha, o qual acabou se suicidando. Ao receber uma pequena herança inesperada relembra os fatos desse passado remoto, sepultado nas brumas do tempo.

O romance “O Sentido de um Fim” (Rocco, 159 páginas, tradução de Léa Viveiros de Castro), do escritor inglês Julian Barnes, é pura emoção e envolvimento, capaz de fazer o leitor avançar por mais de 100 páginas em apenas uma sessão de leitura, tamanha a intensidade com a qual escreve. Afinal, Tom Webster não é nenhum herói glorioso, mas um tipo comum, com poucas ambições, que mora sozinho e mantém relacionamento amistoso com a ex-mulher.

Durante a narrativa, suas reminiscências o levam de volta ao tempo da escola de nível médio e a seus três amigos inseparáveis, entre eles Adrian, o mais inteligente e filósofo de todos, com declarações capazes de causar admiração entre os professores. Seu futuro acadêmico seria brilhante. Mas ao invés disso, ele se mata e deixa um bilhete enigmático sobre o sentido da vida.

Outra personagem importante do passado é a ex-namorada Veronica, uma moça misteriosa. Uma visita de Tom Webster à família da garota também é destaque nas suas reminiscências.

Julian Barnes: um dos mais relevantes escritores britânicos | Foto: Marzena Pogorzaly

Os anos passam, e os acontecimentos do passado ficam soterrados no baú das memórias do protagonista, até que alguns fatos são relembrados. Mas as lembranças já não fazem jus à realidade do que aconteceu. Existem lacunas que Tom Webster preenche com o pensamento do homem maduro que é atualmente, e não daquele garoto inexperiente e imaturo que foi um dia. Isso significa que as lembranças podem ir se modificando ao longo do tempo, assim como nós próprios somos seres cambiantes.

“O Sentido de um Fim” é um livro curto, de apenas 159 páginas, mas intensamente denso e envolvente na forma como o personagem principal revisita seu passado e interage com as pessoas que conviveram com ele quando jovem e depois, já na condição de um senhor na terceira idade. É uma pérola literária pela simplicidade e, ao mesmo tempo, apresenta uma complexidade por tratar de tema tão palpitante.

Na segunda parte da obra, o escritor, por meio de Tom Webster, afirma: “Quando somos jovens, todo mundo acima dos trinta parece estar na meia-idade, todo mundo acima dos cinquenta na velhice. E o tempo, à medida que vai passando, confirma que não estávamos tão errados assim. Aquelas pequenas diferenças de idade, tão cruciais e tão graves quando somos jovens, se desfazem. Nós acabamos pertencendo à mesma categoria, à dos não jovens”.

E mais do que isso, outra frase destacada na contracapa do livro também vale citar: “História é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas de documentação”.

Julian Barnes é um dos mais elogiados escritores ingleses da atualidade. Tem 79 anos e é natural de Leicester, Reino Unido. Além de romances, publicou coleções de ensaios e contos, bem como duas memórias e um livro de não ficção. Em 2011 foi o vencedor do Prêmio Man Book Prize com o livro “O Sentido de um Fim”. Ele pertence à geração dos ficcionistas Ian McEwan e Martin Amis.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária.

(Email: [email protected])

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