Em janeiro deste ano, publiquei na coluna Conexão um artigo com o seguinte título: “Trump, no primeiro mandato, tentou arrastar o mundo para o caos. No segundo, ele pode conseguir”. Nele, insinuo que o presidente norte-americano, sempre intemperado e disruptivo, poderia, ao longo de seu mandato, jogar os Estados Unidos e o mundo no olho de um redemoinho de caos. E agora, quase quatro meses depois, devo fazer um mea culpa. Eu estava errado. Donald Trump não vai destruir os EUA e declarar guerra ao mundo ao longo de uma gestão de quatro anos: ele já está fazendo isso agora, neste momento, enquanto o caro leitor percorre com os olhos as presentes linhas.
Desde antes de assumir a Casa Branca, antes mesmo de ser declarado vencedor das eleições norte-americanas (pergunto-me o que nosso caro “laranjão” teria feito se tivesse sido derrotado no pleito), Trump já anunciava que imporia taxas aos países parceiros tão logo tomasse as rédeas da economia, em uma postura tão protecionista que arrepiaria os cabelos de qualquer liberal antiestado.
O presidente jogava no ar a posição de taxação como uma ameaça, como quem brande uma faca afiada. É preciso, claro, destacar: é natural a governantes tentar proteger a economia de importações e exportações de seu país, buscando executar um mínimo de reciprocidade para que a economia e indústria locais sejam preservadas. Mas o que ninguém esperava era que Trump, mesmo tendo construído e mantido de forma bastante sólida ao longo das décadas sua fama de maluco, usasse a taxação dos países como quem usa cartas em um jogo de Uno em uma mesa de bar.
Batizado de “Dia da Libertação”, Trump escolheu o 2 de abril para anunciar um tarifaço global sobre impostos de importação. Foram dezenas de países que tiveram, aos tributos sobre as importações de suas mercadorias para os EUA, tarifas adicionadas entre 10% e quase 50%. Enquanto o Brasil foi taxado em 10% (a porcentagem mínima), nações como China, Vietnã, Sri Lanka e Tailândia foram taxados em, respectivamente, 34, 46, 44 e 36%.
As reações foram inúmeras, imediatas e intensas. A avalanche tarifária trumpista sacudiu o comércio global e distribuiu incerteza e instabilidade para praticamente todos os nichos financeiros. Economistas do mundo todo ainda veem dificuldade em cravar o tamanho do estrago do “Dia da Libertação” a médio e longo prazo, mas o terror nos olhos investidores, industriais e até dos apoiadores mais fiéis do presidente norte-americano passam uma ideia.
Ao mesmo tempo em que alguns países menores se apressaram em marcar reuniões com Trump para tentar negociar a suavização das tarifas, outros bateram o pé. Uma onda de boicote a produtos norte-americanos tomou conta do globo. Na França, o “Boycott USA: Achetez Français et Européen!” (Comprem francês e europeu!) já conta com mais de 30 mil membros. Já os suecos aderiram ao “Bojkotta varor från USA” e “Boykot varer fra USA” (Boicote aos produtos dos EUA). Lá, mais de 180 mil membros já estariam engajados na iniciativa anti-ianque e pelo fim das sanções.
Já na Alemanha a coisa não parece diferente. O grupo de pesquisa Cuvey apontou que 64% da população preferiria evitar os artigos americanos, se possível. Uma outra parte disse que suas decisões de consumo já estão sendo afetadas pelas políticas trumpistas.
As reações também vieram à altura do tarifaço. Em resposta à retaliação de Donald Trump, os países da União Europeia aprovaram um pacote de tarifas para as importações americanas de 25% sobre aço, alumínio e carros, além de novas taxas de 20% para outros produtos. Vale destacar que, no ano passado, as importações dos EUA para a UE totalizaram 23 bilhões de dólares no ano passado.
A China, tradicional rival dos Estados Unidos no campo econômico, foi além. Após ser taxado em 34%, o presidente chinês Xi Jinping anunciou, como resposta, o aumento de tarifas contra os EUA em, também, 34%. Foi quando o jogo de “Uno tarifário” começou. Trump dobrou a aposta e voltou a aumentar as tarifas, que atingiram 104%. A China respondeu e subiu a aposta para 84%. Em seu turno no “duelo”, o norte-americano voltou a subir a taxa, que chegou em 145%.
Nesse momento, o “laranjão” achou que os chineses fossem titubear e recuar. Ledo engano. Acompanhada de um discurso que dizia “Ninguém sai vencedor numa guerra comercial, mas iremos até o fim”, Xi Jinping aumentou novamente a taxação contra os Estados Unidos, que atingiu 125%. Donald Trump se gabava abertamente do tarifaço e acreditava piamente que a iniciativa submeteria o gigante asiático à submissão. A expressão “erro crasso” torna-se pequena diante da trapalhada do presidente dos EUA.
Trump não só errou, não atingindo a autonomia da China, como a atiçou a dinamizar suas relações comerciais. Com o tarifaço, ministros chineses intensificaram o contato com suas contrapartes da Índia, África do Sul e Arábia Saudita e Índia para discutir uma maior cooperação comercial. Além disso, o gigante asiático estaria em negociação com a UE para uma possível remoção das tarifas europeias sobre carros chineses, que seriam substituídas por um preço mínimo, contendo, assim, uma nova rodada de dumping.
Não bastando pavimentar o caminho para que a China se consolide como a nova maior potência econômica, Donald empurra cada vez mais seu próprio país para a beira de um abismo. No último domingo, 6, por exemplo, economistas do Goldman Sachs apontaram, em um relatório divulgado, o aumento da probabilidade de recessão nos Estados Unidos de 35% para 45% nos próximos 12 meses “após um forte aperto nas condições financeiras, boicotes de consumidores estrangeiros e um aumento contínuo na incerteza em relação à política econômica, fatores que devem reduzir os investimentos de capital” mais do que haviam assumido anteriormente, escreveram os economistas do banco.
Trump vestiu seu “colete de bombas” e parece não estar disposto a tirá-lo. O presidente norte-americano se porta como um kamikaze determinado a destruir sua própria nação. Como dito anteriormente, é difícil calcular o tamanho da devastação a ser observada na economia dos EUA ao fim da loucura trumpista. No entanto, fica cada vez menos absurda a afirmação de alguns analistas de que podemos estar presenciando o início do fim da supremacia dos ianques.
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