Após cinco anos de medidas rígidas para ajustar suas contas públicas, o estado de Goiás está prestes a sair do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e ingressar no Programa de Pleno Ajuste Fiscal (Propag), mantendo resultados positivos em sua gestão econômica. A mudança, prevista para maio, representa uma era de mais controle das finanças estaduais e abre caminho para novos investimentos em áreas como saúde, educação, segurança pública e infraestrutura.
A saída do RRF ocorre em um contexto em que outros estados enfrentam dificuldades crescentes para conter o endividamento com a União. Dados do Tesouro Nacional mostram que, enquanto Goiás adotou uma postura disciplinada ao longo dos últimos anos, estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul viram seus passivos crescerem exponencialmente mesmo sob o regime fiscal especial.
A diferença, segundo especialistas e gestores entrevistados pelo Jornal Opção, está na combinação de medidas duras de contenção de gastos, reestruturação de despesas e aproveitamento estratégico de mecanismos legais para alívio financeiro.
Em entrevista ao Jornal Opção, o secretário de Economia de Goiás, Francisco Sérvulo Freire Nogueira, explicou que o ponto de partida para o ajuste foi a grave crise financeira enfrentada pelo estado em 2019. “Como é sabido, desde 2019, é uma crise financeira. Essa crise, basicamente, pode ser detectada já no início de janeiro de 2019 pela incapacidade do Tesouro Estadual de cumprir as obrigações básicas como pagamento de fornecedores, cumprimento do pagamento da folha salarial”, declarou.

Segundo ele, medidas emergenciais foram adotadas logo nos primeiros meses da gestão. “A primeira medida fundamental que foi tomada já no início de janeiro foi a revisão de todos os contratos estaduais que houve e também uma redução de 25% de todas as despesas do Estado”, afirmou o secretário. A redução foi amparada pela Lei nº 8.666, que permitia a renegociação unilateral dos contratos, e representou uma economia para os cofres públicos logo nos primeiros meses da nova gestão.
Além do corte de despesas, houve uma reorganização estrutural. O secretário explicou que o governo extinguiu fundos estaduais e reavaliou as vinculações de recursos obrigatórios, especialmente na área da educação. Ele destacou ainda que, em junho de 2019, o Estado ingressou com uma Ação Cível Originária (ACO) no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento das dívidas com a União — o que foi atendido por ministros como Dias Toffoli e Gilmar Mendes. “Essa suspensão gradual traz um benefício de capacidade financeira adicional para o Estado, que ele possa tomar medidas de recuperação da sua capacidade de pagamento e cumprimento das suas obrigações”, explicou o secretário.
Diferença entre RRF e Propag
O secretário detalhou ainda as diferenças entre o RRF e o Propag, destacando que este último oferece uma perspectiva mais estratégica e moderna de gestão fiscal. “A principal diferença entre o Propag e o RRF é que o RRF é concebido como um regime de auxílio e socorro aos estados em crise fiscal. Então, o Estado que está numa crise fiscal com a incapacidade de honrar seus compromissos […] pode se socorrer do regime de recuperação fiscal. […] Já o Propag vem para corrigir um problema que é a sistemática de correção da dívida dos estados com a União”, explicou. Ele ressaltou que o novo programa corrige distorções provocadas pela Selic, que nos últimos anos elevou de forma acelerada o saldo das dívidas estaduais.
Para Goiás, a adesão ao Propag permitirá amortizações progressivas e redução de juros, além de direcionar recursos obrigatórios para áreas estratégicas. “Se o Estado conseguir, por exemplo, no caso de Goiás, amortizar 20%, a taxa de juros que o Estado se obriga a fazer, pagar anualmente, é de 0%”, afirmou Sérvulo. Segundo ele, a prioridade na nova fase será educação profissionalizante e infraestrutura. “60% dos investimentos têm que ser destinados, do fundo, à educação, ao ensino técnico profissionalizante. E a grande prioridade do Estado hoje são os investimentos em infraestrutura”, explicou.
A adesão ao RRF ocorreu oficialmente em 2021, permitindo ao estado suspender temporariamente as parcelas da dívida federal e reorganizar suas finanças. Diferentemente de outros entes federativos, Goiás tratou o regime como uma oportunidade concreta de ajuste, e não como alívio passageiro.
A professora Adriana Pereira de Sousa, do curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG), contextualizou: “Desde 2010 o estado de Goiás vivia em desequilíbrio fiscal, e em 2018, devido ao déficit, não conseguiu pagar a folha salarial dos servidores e nem as vinculações obrigatórias destinadas à saúde e educação. E, além disso, o estoque de restos a pagar do estado estava em torno de R$ 3 bilhões de reais desde 2015. Ou seja, o Estado não conseguia cumprir o teto de gastos e nem as obrigações básicas por conta desse desequilíbrio, muito causado pelo pagamento de juros da dívida.”

A economista destacou que, já em 2022, o Estado teve R$ 445 milhões liberados para investimentos devido à suspensão dos juros da dívida. Segundo ela, esse fôlego permitiu a implementação de medidas adicionais, como o corte de incentivos fiscais, contenção de investimentos em algumas áreas e aumento de arrecadação sem elevação de tributos. “Essas medidas permitiram ao estado manter números positivos, mesmo enquanto outros estados que aderiram ao RRF enfrentavam aumento do endividamento.”
A combinação de austeridade e gestão eficiente também foi enfatizada pelo professor e economista Júlio Paschoal, da UEG-Anápolis. Em entrevista ao Jornal Opção, ele ofereceu uma leitura crítica e ao mesmo tempo elogiosa sobre a condução fiscal de Goiás. Ele destacou que o Estado conseguiu manter equilíbrio não por ter quitado os juros da dívida, mas justamente por ter utilizado uma estratégia de adiamento autorizada judicialmente.
“O problema de Goiás é que Goiás não está pagando os juros da dívida, não, ele está empurrando isso, aguardando essa aprovação para poder participar desse novo programa e ele, em não recolhendo os juros da dívida, aplicou esse dinheiro”, afirmou Paschoal. Essa manobra, segundo ele, possibilitou a aplicação de recursos em áreas estratégicas, sem que o Estado aumentasse ainda mais seu nível de endividamento.
Além da suspensão dos juros, Paschoal lembrou que Goiás obteve uma liminar do Supremo Tribunal Federal que garantiu essa flexibilização, e que a mudança no índice de correção da dívida — do IGP-DI para o IPCA — também foi crucial para aliviar o impacto financeiro. “Isso ajudou o Goiás a se manter numa posição melhor que os outros estados que continuaram pagando”, ressaltou. O economista fez questão de sublinhar que essa combinação de medidas estratégicas — como o enxugamento da máquina, cortes nos incentivos fiscais e a contenção de gastos — foi determinante para a posição fiscal atual do Estado, mesmo em um cenário nacional desfavorável.

Contudo, Júlio Paschoal apontou que os ajustes não ocorreram sem custos sociais. Ele destacou, por exemplo, a situação da UEG, que, segundo ele, deixou de receber os 3,5% constitucionais e passou a operar com orçamento apenas para manutenção básica. “Há todo um processo de sucateamento da universidade, tanto com relação aos direitos dos professores, dos técnicos administrativos, quanto com a infraestrutura da universidade”, criticou. Para ele, esse tipo de impacto mostra que, mesmo com equilíbrio fiscal, há perdas importantes, especialmente na área da educação superior.
Durante o período, houveram também críticas à redução de investimentos em setores sociais, especialmente na saúde. Segundo a professora Adriana Pereira, em 2024, o governo reduziu em 36,7% os gastos com saúde no segundo bimestre, caindo de R$ 784,1 milhões para R$ 496,6 milhões, mesmo durante um surto de dengue no estado. Além disso, houve um crescimento real abaixo da inflação no primeiro quadrimestre, com apenas 2,09% abaixo da inflação acumulada de 3,69%, indicando uma diminuição real nos investimentos no setor.
Em contraste, o governo estadual direcionou recursos para a segurança pública, com investimentos de R$ 99,8 milhões em 2023 para o sistema penitenciário, incluindo aquisição de armamentos, coletes antibalísticos, drones e reformas em unidades prisionais.
“Durante sua permanência no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o estado de Goiás implementou uma série de medidas de austeridade e eficiência fiscal que podem servir de exemplo para outros estados brasileiros”, explicou Adriana Pereira. A lista inclui revisão de contratos, racionalização de despesas, controle rigoroso da folha salarial e digitalização de serviços.
Agora, com a entrada no Propag, Goiás espera mais flexibilidade. “O Propag substitui o RRF com mais autonomia e menos restrições, mas mantendo metas fiscais. Para nosso estado isso é bom, teremos menos restrições como: a vedação de concurso públicos. A transição será planejada, permitindo ao estado continuar ajustado, mas com mais liberdade para investir”, avaliou a professora Adriana Pereira.
A professora também destacou quais devem ser os setores prioritários para os investimentos a partir da saída do RRF. “Saúde, segurança, educação e infraestrutura, por se tratar de direitos básicos, essas áreas terão prioridade. A ideia é usar a nova liberdade para ampliar o que já funciona e atender melhor a população, sempre inovando e buscando melhoria.”
Além disso, Ricardo Borges Rodrigues de Freitas, professor de Ciências Sociais e Agrárias do Instituto Federal Goiano, também ouvido pelo Jornal Opção, apontou os aprendizados de Goiás como exemplo a ser seguido. “Talvez a principal [lição] seja que é possível fazer ajuste fiscal com responsabilidade e, ao mesmo tempo, manter investimentos, embora seja complexo. Goiás mostrou que boa gestão e foco em resultados fazem a diferença. Cortar desperdícios e modernizar setores, é algo exitoso e pode servir de modelo a outros estados.”

O novo momento, porém, exige atenção. “Riscos existem, estamos em um país emergente, com instabilidades financeiras, mas Goiás está mais preparado”, avaliou Ricardo Freitas. Segundo ela, é preciso manter o rigor fiscal mesmo com maior autonomia, evitando retrocessos. “O desafio agora é manter essa disciplina.”
“Esse foi o grande aprendizado desse período. Controle do crescimento da despesa, o foco naquilo que é importante para a sociedade, escolhendo áreas estratégicas e, ao mesmo tempo, tendo um rigor muito alto para que essa variação da despesa se mantenha naquele patamar de controle que permita ao Estado a sustentabilidade de longo prazo”, concluiu o secretário de economia de Goiás, Francisco Sérvulo.
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