O Brasil se tornou independente em 1822 — há 203 anos. O “imenso Portugal” se tornou país, ainda que com um imperador quase-português, dom Pedro II (na verdade, nasceu no Rio de Janeiro). A Proclamação da República se deu em 1889, há 136 anos, um ano depois da abolição da escravatura.
Então, o pacto colonial acabou em 1822? É o que parece, pois o Brasil se tornou uma nação independente e, sobretudo, uma República federativa. Há a União, naturalmente, com os Estados, de alguma maneira, interligados.
Porém, diria George Orwell, alguns Estados — como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais — são mais iguais do que os outros.

Durante um período, São Paulo se uniu a Minas para governar o país, subordinando os demais Estados às suas políticas. “Ter” o presidente da República significava proteger determinadas economias estaduais. Eis o pacto do Café (São Paulo) com Leite (Minas).
Revezando-se no controle do governo federal, São Paulo e Minas puderam crescer e proteger suas economias, enquanto os demais Estados ficavam à deriva.
No momento em que São Paulo avaliou-se como acima de todos os demais, inclusive de Minas, os mineiros uniram-se aos gaúchos contra os paulistas.
Primeiro, Minas e Rio Grande do Sul lançaram um candidato a presidente da República, Getúlio Vargas, para enfrentar o candidato de São Paulo, Júlio Prestes. Fraudes ocorreram, dois lados, e o postulante apoiado pelo presidente Washinton Luís acabou sendo eleito.
Segundo, Minas — sempre Minas (o golpe de 1964 começou lá, com Olímpio Mourão Filho, o general Vaca Fardada) — e Rio Grande do Sul se uniram e, por intermédio de um golpe de Estado, derrubaram o presidente Washington Luís (um latin lover) e impediram a posse de Júlio Prestes.
Portanto, em 1930, não ocorreu uma revolução, e sim um golpe de Estado. Mas procede que o golpista Getúlio Vargas — com seus aliados mineiros e o patrocínio dos tenentes (os que derrubaram o varguista João Goulart em 1964) — promoveu uma revolução na economia e na legislação trabalhista (atualizando o capitalismo brasileiro).
Então, a revolução, se há, é posterior ao golpe. Por sinal, em 1937, Vargas deu um golpe ainda mais cruento, o do Estado Novo, com o apoio do general Vaca Fardada, diga-se.
No poder, Vargas governou para o país (como ditador e democrata), com a Marcha para o Oeste? É um fato que o governo do ditador — geriu o país por 15 anos seguidos (1930-1945), sem nenhuma eleição presidencial (só foi eleito em 1950) — buscou “integrar” o país.
Porém, São Paulo, sobretudo, Rio de Janeiro e Minas mantiveram privilégios. Nas crises do café, que afetaram São Paulo dramaticamente, o governo federal compareceu para salvá-lo.
Mesmo repudiado por São Paulo, Vargas foi decisivo para recuperar a economia deste Estado — salvando-o de seus investimentos por vezes equivocados. Talvez seja possível sugerir que Vargas contribuiu para modernizar São Paulo, e às custas dos demais Estados.
Então, se o pacto colonial havia acabado, com a Independência do país, surgiu um novo pacto colonial, agora com alguns Estados se comportando como metrópoles e forçando os demais Estados a se comportarem como colônias.
Durante anos, o desenvolvimento industrial de São Paulo foi, em larga medida, patrocinado pelo governo federal, qualquer que fosse o presidente da República. Foram criados benefícios para São Paulo expandir e se tornar a potência econômica que se tornou.
Os demais Estados — Goiás, Mato Grosso, Pará, Amazonas, Bahia, Ceará, entre outros — se tornaram retardatários, praticamente colônias.
No novo pacto, as “colônias-Estados” devem produzir matérias-primas, como soja, milho, ouro, esmeralda etc. Nada muito diferente do período colonial, quando o Brasil se subordinava a Portugal e, indiretamente, à Inglaterra.

JK e a descentralização do desenvolvimento
Pós-Vargas, um mineiro, Juscelino Kubitschek, foi eleito presidente da República. Uma de suas providências foi a construção de Brasília.
Ao construir Brasília, Juscelino, o JK, quis deixar uma marca? É provável. A cidade-escultura é mesmo bela e é admirada em todo o mundo. Tanto que os escritores André Malraux e Aldous Huxley, entre outros, a visitaram.
Mas Brasília é muito mais do que uma cidade-escultura, a ser admirada e fotografada. Ao mudar a capital do Rio de Janeiro — a veterana “metrópole” — para Brasília, Juscelino queria, de certo modo, reinventar o Brasil.
A nova capital, no coração do Brasil, no Centro-Oeste, sugeria, sem corpus ideológico, que o presidente começava um processo de descentralização do desenvolvimento do país. A cidade era uma maneira de puxar o crescimento para outras regiões (Centro-Oeste, Norte). Era um “recomeço” de e do país. JK, por certo, “devolveu” o Brasil aos brasileiros, não mais apenas aos paulistas, cariocas e mineiros.
A construção de Brasília levou Juscelino a ser “apedrejado” pela imprensa do Sul Maravilha. A imprensa nunca — leia de novo: nunca — é independente. A mídia da década de 1950 — jornais e emissoras de rádio e televisão — estava a serviço do poder econômico e político de São Paulo e Rio.
Para disfarçar, usava-se uma máscara: a construção de Brasília iria a aumentar a dívida pública e a inflação. Duas verdades para esconder a verdade essencial: os poderosos de São Paulo e Rio de Janeiro temiam, isto sim, por suas hegemonias política e econômica. Manter os demais Estados como espécies de neocolônias era o melhor negócio.
Para piorar as cousas, Juscelino começara a alardear que, se fosse eleito na disputa presidencial de 1965, daria apoio integral aos produtores rurais. Ele planejava fazer uma revolução no campo. Mais uma vez, desagradou as metrópoles. (Vale lembrar que foi senador por Goiás.)

Incentivo fiscal rompe o pacto pós-colonial
Para romper o pacto neocolonial, os Estados descobriram uma saída: criaram incentivos fiscais para atrair empresas de médio e grande porte.
Goiás não ficou de fora e, com incentivos fiscais (como o Fomentar, criado por Iris Rezende, com o apoio do economista Flávio Peixoto), começou a atrair empresas que, além de gestar recursos para o governo investir em obras e estruturas coletivas, contribuíram para gerar empregos. O Distrito Industrial de Anápolis, o Daia, hoje é uma potência econômica — a “cidade” das indústrias e dos empregos diretos e indiretos.
Ante o desenvolvimento de Goiás, Bahia, Ceará, Tocantins, impulsionados pelos incentivos fiscais, a imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro, açulada por governos, jornalistas e economistas regiamente pagos, a fustigar os incentivos fiscais. Passou-se a falar em “renúncia fiscal”.
Ocorre que, na verdade, os incentivos fiscais eram e ainda são uma maneira de criar alguma paridade com os Estados que, desde tempos idos, se tornaram “donos” do governo federal — a União — para absorver seus recursos e formular políticas de desenvolvimento adequadas para si.
Então, se no passado, os incentivos fiscais eram positivos para São Paulo e Rio, na medida em que passaram a beneficiar Estados da “periferia” do capitalismo patropi, como Goiás, Pernambuco, Bahia, Tocantins, Ceará, Pará, Alagoas, entre outros, passaram ser apontados como “negativos”.
A recém-inventada Reforma Tributária não visa reforçar a federação, criar igualdade de oportunidades para todos os Estados, e sim beneficiar os Estados-metrópoles. De alguma maneira, quando o Brasil começava a se tornar uma República Federativa na prática, os sulistas, mais uma vez, decidiram reforçar o poder da União, ou melhor, dos Estados do Sudeste.

Lula da Silva, Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado
Qual o motivo do arrazoado acima? A disputa presidencial de 2026; afinal, as eleições ocorrerão daqui a um ano e cinco meses.
Lula da Silva, do PT, é o presidente da República. Mas se fosse um político de Pernambuco — nasceu em Garanhuns —, teria se tornado líder máximo do país? Talvez não. Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, nasceu no Rio de Janeiro e seu avô morou em Goiás. Mas se consagrou como um político forte por ter atuado em São Paulo.
Ah, dirão, José Sarney é do Maranhão e Fernando Collor é de Alagoas. Duas informações verdadeiras que “encobrem” outras verdades.
José Sarney era vice de Tancredo Neves — por sinal, de Minas (sempre Minas na parada) — e, com a morte da raposa política de São João Del-Rey, assumiu a Presidência da República. Só por isso.
Fernando Collor era um político muito mais do Rio de Janeiro (nasceu neste Estado), onde circulava com desenvoltura, mas calhou de, por “direito” quase familiar, ter se tornado governador de Alagoas, a terra de Graciliano Ramos.

Como o PIB e a imprensa do país não tinham um candidato para barrar Lula da Silva e Leonel Brizola, do PDT, decidiram criar uma artilharia e uma infantaria para impulsionar Fernando Collor (a revista “Veja” o promoveu, na sua famosa capa, a “caçador de marajás”), que acabou sendo eleito.
Depois de José Sarney e Fernando Collor, dois “acasos”, por assim dizer, São Paulo e Rio, as metrópoles, decidiram conter as colônias. Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva são de São Paulo. Dilma Rousseff, de Minas e Rio Grande do Sul, ganhou por ser bancada pelo “paulista” Lula da Silva. Michel Temer é de São Paulo. Jair Bolsonaro, nascido em São Paulo, se fez político no Rio.
Para 2026 estão escalados para a disputa presidencial Lula da Silva e Tarcísio de Freitas (nascido no Rio), governador de São Paulo pelo Republicanos? Não é bem assim.

A metrópole, com o apoio de algumas colônias, tenta travar as aspirações dos políticos de alguns Estados — como os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Paraná, Ratinho Júnior (PSD).
Dos três, o mais bem posicionado, no sentido de firmeza de propósitos, é Ronaldo Caiado, que começa a circular pelo país para se expor e, igualmente, as suas ideias de gestão.
Lula da Silva e Tarcísio de Freitas não são políticos e gestores ruins, é certo. Mas ambos estão pecando numa questão essencial — a segurança pública.
O petista-chefe indicou para o Ministério da Justiça o ex-ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, um homem sério e respeitável. Mas é muito mais um teórico do que um homem prático. Parece, aqui e ali, o grande personagem de Herman Melville, o escrivão Bartleby (há uma edição do balacobaco de “Bartleby, o Escrivão”, traduzida por Antônio Xerxenesky e publicada pela Antofágica), que, sempre que acionado para trabalhar, dizia: “Prefiro não”. Era um grande procrastinador.
Segurança pública é um problema para os brasileiros, mas não parece para o governo de Lula da Silva. Por isso o crime organizado, que nem é tão organizado assim, está se constituindo num Estado paralelo no país. (Desorganizado, a rigor, é o governo federal.)
Tarcísio de Freitas é um gestor firme, mas não está conseguindo “enfrentar” o “governo” do PCC em São Paulo. O “primeiro-ministro” Marcos Willians Herbas Camacho — dito Marcola — é tão forte na terra de Mário de Andrade que, acredita-se, se tornou um dos comandantes-em-chefe de parte da Polícia Militar e da Polícia Civil.
Se não consegue resolver o problema da segurança em São Paulo, que é um Estado, como Tarcísio de Freitas o resolverá no país?
O país, das metrópoles às colônias, não deveria dar uma chance a Ronaldo Caiado, o político-gestor que melhorou, de fato, a segurança pública em Goiás? Frise-se que há resultados positivos no social, na educação pública (a melhor do país) e na saúde.
Fala-se tanto em descolonização — e decolonialidade —, notadamente no meio acadêmico, então chegou a hora de olhar para um político que resolve problemas sérios, como o da segurança?
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