Luiz Felipe Fernandes/SciDev.Net
Pouco mais de dois anos depois da denúncia de que estavam sendo vendidos ilegalmente no Reino Unido, 25 fósseis de insetos com cerca de 115 milhões de anos retornaram para o Brasil. Os exemplares, que eram anunciados em uma loja virtual, são da Formação Crato – formação geológica do período Cretáceo, localizada na Bacia do Araripe, no estado do Ceará.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou ao SciDev.Net que os fósseis chegaram à sede do órgão na cidade de Juazeiro do Norte na quarta-feira passada (10/4). A PGR trabalha em outros dois pedidos de repatriação junto ao governo da França: o esqueleto quase completo de um pterossauro com quase quatro metros de envergadura, que estava sendo leiloado por mais de 248 mil dólares, e de mais 45 fósseis.
Os exemplares recuperados recentemente serão encaminhados para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que pertence à Universidade Regional do Cariri (Urca), na cidade de Santana do Cariri. Segundo o diretor, Allysson Pinheiro, o material passará por triagem, curadoria e catalogação e ficará à disposição de pesquisadores.
“Dependendo da beleza e da qualidade da preservação, alguns [desses fósseis] podem ir para exposição, e outros incorporados à nossa reserva técnica para pesquisadores do Brasil e do mundo”, explicou Pinheiro.
A Bacia Sedimentar do Araripe é uma área de 9 mil quilômetros quadrados distribuída em três estados brasileiros (Ceará, Pernambuco e Piauí). A região é conhecida pela abundância de fósseis, alguns em bom estado de conservação, como é o caso do Ubirajara jubatus, um fóssil de dinossauro que estava de forma irregular em um museu da Alemanha e foi devolvido ao Brasil em 2023.
Fósseis nesse estado são chamados de holótipos, ou seja, servem de referência para descrever uma espécie. São exemplares singulares que estabelecem padrões para identificação futura e estudos comparativos.

Ciência e cultura
A legislação brasileira proíbe a exploração e venda de fósseis, considerados patrimônio da União. Porém, não é difícil encontrar exemplares sendo vendidos, principalmente na internet.
Com alguns cliques, conseguimos localizar os anúncios do que seriam um fóssil de peixe Rhacoleps e de uma samambaia (Tietea singularis) – ambas anunciadas como sendo do Brasil. As duas lojas informam que têm sede nos Estados Unidos.
Mas, como explica a paleontóloga Aline Ghilardi, a manutenção desses bens em território nacional tem importância científica e cultural.
“Em termos científicos, é muito importante que tenhamos materiais encontrados em determinados territórios, não obrigatoriamente, mas preferencialmente, mantidos próximos a esses territórios, porque isso oferece a possibilidade de que pessoas do entorno possam estudar adequadamente e ter acesso a esse material”, afirma.
Além disso, segundo Ghilardi, esse conhecimento precisa ser acessível para a população. Ela explica que os fósseis têm uma ligação direta com a cultura humana.

“Ao buscar explicações para esses objetos naturais, nasceram mitos, lendas, cosmovisões, religiões, tentando explicar o mundo”, comenta a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É o caso dos “peixes na pedra”, como as lendas da região do Cariri se referem aos fósseis.
“A remoção desses fósseis é uma violação do direito desses povos de interagirem com a sua própria cultura”, ressalta Ghilardi, que foi uma das principais vozes na campanha de repatriação do Ubirajara jubatus para o Brasil.
Atualmente, o esforço é para a repatriação do fóssil do dinossauro Irritator challengeri, também considerado um holótipo, e que está no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, na Alemanha.
Economia sustentável
Outro aspecto a ser considerado é o econômico. “Produzir ciência é algo que faz girar a economia”, afirma a paleontóloga. Ela se refere não só aos produtos científicos gerados, como artigos, livros ou documentários, mas também ao turismo e à comercialização de produtos.
Um exemplo de exploração econômica criativa e sustentável na região do Cariri são as réplicas de fósseis, hoje uma das fontes de renda de alguns moradores. Um deles é Thierry Salú, cuja história com o Museu de Paleontologia começou aos 12 anos, quando foi chamado para compor o quadro de guias da instituição.
Desde então sua vida profissional e pessoal está ligada à riqueza dos fósseis da região. Salú se graduou em Geografia e atualmente, aos 28 anos, além de coordenar a parte educativa do Museu, é sócio da loja que funciona no local. “Entendi o poder da paleontologia para a economia local”, disse.
Sucesso de venda, as réplicas são produzidas em um ateliê local. Além de serem baseadas nas peças originais, são fabricadas com o rejeito do calcário laminado, o que lhes confere uma aparência quase indistinguível dos fósseis verdadeiros. Salú comenta que não são raros relatos de compradores parados pela fiscalização em aeroportos e que precisam apresentar a etiqueta de que a peça é uma réplica.

Políticas públicas
O paleontólogo e professor da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), Ismar Carvalho, destaca que há outras áreas no Brasil que também possuem grande relevância para a paleontologia: “Cerca de 80% do território nacional é formado por áreas sedimentares, e essas áreas geralmente têm uma diversidade muito grande de fósseis”, enfatiza.
Segundo o paleontólogo, é importante “estabelecermos políticas públicas que possibilitem a preservação desse material em afloramentos, que possibilitem que alguns fósseis que sejam extremamente relevantes, quer pela qualidade de sua preservação ou pelo significado que possam ter para o registro da história da vida na Terra, sejam preservados”.
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