A jurista e professora Luciane Martins de Araújo, doutora em Ciências Ambientais e mestre em Direito Agrário, é uma das vozes mais qualificadas do país quando o assunto é a preservação do Cerrado e suas conexões com a política climática global. Em entrevista ao Jornal Opção, ela analisa o papel estratégico do bioma para o equilíbrio hídrico do Brasil, aponta as falhas históricas de planejamento urbano em Goiânia e defende a integração entre produção agropecuária e conservação ambiental.
A professora e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) e professora convidada da Universidade Católica de Lyon é autora de livros e artigos científicos sobre questões ambientais. Participou de várias conferências internacionais da ONU sobre meio ambiente e clima. Luciane Martins de Araújo concilia sua atividade de pesquisa em meio ambiente com a atuação profissional na área do direito ambiental, direito empresarial, direito agrário e direito urbanístico.
Na advocacia consultiva para empresas e produtores rurais, Luciane defende que não há incompatibilidade entre o desenvolvimento do agronegócio e o cumprimento da legislação ambiental — desde que haja conhecimento técnico, gestão responsável e políticas públicas eficazes. Ela também comenta os desafios da COP30, os avanços no mercado de carbono e os riscos de retrocessos diante de lideranças internacionais negacionistas. Para ela, as mudanças climáticas não são uma possibilidade futura, mas uma realidade que já exige respostas urgentes e estruturadas em nível local e global.
Italo Wolff — Nas conferências climáticas e discussões sobre políticas públicas ambientais, a senhora percebe um aumento da valorização do Cerrado? Tem se falado mais sobre a importância de preservá-lo?
Acredito que entre os cientistas já há essa preocupação, especialmente entre os que estudam a biodiversidade e a função ecológica do Cerrado. Em nível internacional, porém, ainda é muito tímido. Fora do Brasil, poucos sabem o que é o Cerrado, e até mesmo aqui, em nível regional, falta uma consciência mais clara da sua importância e da necessidade de preservar a vegetação nativa.
Como comentei em uma palestra recente, estamos em um estado com forte presença do agronegócio — e esse setor só é pujante porque temos água. E essa água só existe porque há um sistema natural que a sustenta. Se destruirmos esse sistema, nossa economia será a primeira a sentir os impactos.

As mudanças climáticas são uma questão global, mas algumas regiões são mais vulneráveis. A América do Sul é uma delas. Já estamos vendo eventos extremos: secas severas na Amazônia, enchentes no Sul do país. Aqui, temos observado a redução dos índices pluviométricos e do volume dos nossos mananciais. Isso afeta tanto o abastecimento urbano quanto a produção agropecuária.
Por isso, é fundamental adotar uma visão sistêmica e local nas políticas públicas — e isso passa pela proteção e preservação do Cerrado.
Italo Wolff — Quais são as especificidades do Cerrado em relação à floresta amazônica?
Os dois biomas são interdependentes. Existe um foco internacional muito grande na preservação da floresta amazônica, mas o Cerrado também tem um papel fundamental, especialmente porque os dois estão interligados.
A floresta amazônica é responsável por produzir umidade que influencia diretamente o regime de chuvas no centro e no sudeste do Brasil. Essa umidade forma os chamados “rios voadores”, e cada árvore adulta da Amazônia pode produzir cerca de mil litros de água por dia. Essa água é transportada pela atmosfera até outras regiões, o que explica o volume de chuvas nessas áreas.
Já o Cerrado tem uma vegetação e um solo próprios para armazenar essa água. É considerado o “berço das águas” por abrigar nascentes de grandes bacias hidrográficas. As árvores do Cerrado possuem raízes profundas — por isso o apelido de “floresta de cabeça para baixo” — que ajudam a infiltrar a água no solo e a formar os lençóis freáticos.
Ou seja, não existe separação entre um e outro. A Amazônia é essencial para a geração de umidade e o Cerrado é essencial para armazená-la e distribuí-la. Um depende do outro para manter o equilíbrio climático e hídrico do Brasil. Grandes rios como o São Francisco, o Paranaíba, o Araguaia e o Tocantins nascem ou atravessam o Cerrado.
Ton Paulo — Entrevistamos recentemente a secretária estadual de Meio Ambiente, Andréa Vulcanis, que afirmou que não adianta atacar o agronegócio, mas sim buscar formas de garantir o cumprimento da legislação ambiental. Como a senhora enxerga os supostos conflitos entre as áreas das Ciências Ambientais e do Direito Agrário?
Sou mestre em Direito Agrário e doutora em Ciências Ambientais, e posso afirmar que as duas áreas podem — e devem — coexistir. A polarização entre elas só dificulta o diálogo. A produção agropecuária depende diretamente dos recursos naturais, portanto não faz sentido separá-las. É preciso entender que o meio ambiente é essencial para a continuidade da atividade agrícola.
Do ponto de vista legal, Goiás é um Estado que está flexibilizando normas, possibilitando a adequação do produtor rural com áreas desmatadas. Mas esse caminho está na contramão do que a ciência indica: precisamos proteger a vegetação nativa. Ninguém é contra a produção rural, mas temos de ter a consciência de que as coisas têm que caminhar juntas: a produção agropecuária precisa do meio ambiente.
Se o proprietário de terras tem uma nascente em sua área e desmata, ele hoje tem meios de regularizar. Mas se aquela nascente secar, a situação legal do proprietário não importará. Acredito que a regularização, nesse caso, terá sido um “tiro no pé”. O caminho ideal é discutir técnicas para recuperar áreas ambientalmente degradadas enquanto se aumenta a produção.
Hoje existem técnicas que integram preservação e produtividade, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e outras soluções baseadas na natureza. O desafio não é escolher entre produzir ou preservar — é conciliar os dois objetivos. O ideal é investir em tecnologias que permitam recuperar áreas degradadas e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência produtiva.

Italo Wolff — Que iniciativas concretas existem hoje para conciliar preservação ambiental e produção agropecuária?
Felizmente, já temos bons exemplos. Goiás possui um programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que remunera produtores que preservam o meio ambiente. Em Rio Verde, a prefeitura criou um modelo de PSA local: produtores que vivem na bacia do Ribeirão Abóbora — que abastece a cidade — são compensados financeiramente para proteger as nascentes e as Áreas de Preservação Permanente (APPs). O resultado tem sido o aumento da qualidade e da quantidade de água disponível.
É preciso abandonar a ideia de que é necessário desmatar mais para produzir mais. Hoje temos tecnologia suficiente para ampliar a produção em áreas já abertas, especialmente pastagens degradadas. A tendência mundial é justamente essa: reduzir a área por cabeça de gado com mais tecnologia, liberando espaço para outras culturas.
Se não seguirmos esse caminho, o futuro será preocupante. Todos os estudos indicam que, se não houver mudança, enfrentaremos escassez de água — e isso afeta diretamente cidades, produtores e o meio ambiente como um todo.
Ton Paulo — No cenário internacional, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem adotado uma postura contrária às medidas de redução de emissão de carbono. Como essa posição tem sido vista pelos ambientalistas? Podemos esperar um agravamento das emissões globais?
As notícias não são animadoras. Estive na COP22, em Marrakech, em 2016, logo após a eleição de Donald Trump. Naquele momento, o Acordo de Paris, firmado em 2015, estava sendo ratificado com entusiasmo por grande parte dos países. Mas a vitória de Trump trouxe um clima de tristeza — já sabíamos que ele dificultaria os avanços, como de fato aconteceu durante seu primeiro mandato.
Agora, em 2025, a situação é ainda mais delicada. Trump tem apoio majoritário nas casas legislativas dos Estados Unidos, o que aumenta seu poder para interferir nas negociações climáticas. Isso cria um cenário pouco favorável à celebração de novos acordos. A expectativa é de que ele adote novamente uma postura obstrutiva, como ocorreu na COP24, em Katowice, em 2018, quando a delegação norte-americana atuou para dificultar consensos.
Por outro lado, vemos uma reação importante dos estados subnacionais. Durante o governo Bolsonaro, no Brasil, o governo federal se afastou das discussões ambientais, mas governos estaduais ocuparam esse espaço. Algo semelhante ocorre nos EUA: estados do Norte têm formado coalizões em defesa da pauta ambiental. A União Europeia também tem se destacado, com iniciativas robustas e programas avançados.
Além disso, cresce a participação do setor privado, especialmente de empresas que percebem os riscos econômicos das mudanças climáticas. O palco central desse embate será a COP30, em Belém, onde as tensões entre diferentes visões sobre o futuro ambiental do planeta devem se intensificar.

Ton Paulo — Como estão os preparativos e as expectativas para a realização da COP30 em Belém?
A organização está caminhando bem, embora existam críticas quanto à infraestrutura de Belém, que pode não comportar o grande número de participantes esperados. Por isso, parte dos eventos será descentralizada, com atividades sendo realizadas em outras cidades, enquanto o núcleo governamental permanece na capital para evitar sobrecarga.
Mas a escolha de Belém é simbólica e extremamente relevante. A cidade está inserida no bioma amazônico e representa tanto a riqueza quanto os desafios da região Norte do Brasil. É um território com abundância hídrica, biodiversidade única e importância estratégica para o clima global — mas também concentra alguns dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, com carências graves em saneamento e serviços básicos, especialmente para populações tradicionais e ribeirinhas.
Realizar a COP30 em Belém é uma oportunidade de dar visibilidade internacional à realidade da Amazônia e reforçar a necessidade de mecanismos financeiros para a proteção ambiental. Ao mesmo tempo, é essencial que o Brasil como um todo seja incluído nas discussões — com atenção a todos os seus biomas. Precisamos ampliar os debates sobre instrumentos como o REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) não só para a Amazônia, mas também para o Cerrado e a Mata Atlântica, que também têm papel fundamental na captura de gases de efeito estufa devido à sua biomassa.
Italo Wolff — Desde o Acordo de Paris, em 2015, as emissões de gases de efeito estufa continuam subindo, em vez de cair. A senhora acredita que as discussões nas COPs sobre financiamento para países em desenvolvimento têm substituído os esforços efetivos de mitigação das emissões?
Não acredito nisso. O Acordo de Paris deixou claro que a mitigação — ou seja, a redução das emissões de gases de efeito estufa — é o principal objetivo. No entanto, os países ainda estão aquém do necessário nesse compromisso.
A União Europeia tem avançado, mas países como os Estados Unidos, especialmente sob a liderança de Donald Trump, têm se distanciado das metas. O Brasil também enfrenta dificuldades. Nosso maior desafio está na mudança no uso da terra, com destaque para o desmatamento e os incêndios provocados por secas intensas, reflexos diretos das mudanças climáticas.

É fundamental discutir a mitigação, mas também precisamos tratar de adaptação e de perdas e danos. Adaptação significa criar condições para que as populações mais vulneráveis possam lidar com os impactos do clima. Um exemplo são os países insulares do Pacífico, como Tuvalu, cujas ilhas estão submergindo. No Brasil, temos cidades cada vez mais afetadas por eventos extremos, como secas prolongadas e tempestades severas. Goiânia, por exemplo, tem enfrentado chuvas intensas que geram prejuízos por falta de infraestrutura adequada.
O financiamento internacional é essencial, mas deve ir além do aspecto financeiro. Ele precisa ser eficaz para resolver problemas reais e urgentes, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil, que, apesar de sua riqueza natural, ainda é vulnerável social e ambientalmente.
Italo Wolff — Hoje, 57 empresas de 34 países são responsáveis por 80% das emissões globais. Não seria mais produtivo que esses países discutissem diretamente soluções para o problema, em vez de envolver 190 nações? O foco das COPs não acaba sendo desviado para fundos e financiamento?
Essa discussão já foi feita. No Protocolo de Kyoto, aprovado em 1997, havia a tentativa de responsabilizar mais diretamente os países que mais poluíram historicamente, por meio do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Os países desenvolvidos — chamados de “anexo I” — assumiriam compromissos mais rigorosos, enquanto países como China, Índia e Brasil ficaram de fora dessa exigência.
Na época, parecia uma estratégia justa. Mas o cenário mudou. Hoje, os maiores emissores são justamente China, Estados Unidos e Índia. O Brasil aparece entre o sexto e o sétimo lugar, dependendo da forma de contagem das emissões da União Europeia. Ou seja, o modelo de Kyoto não funcionou como o esperado.
Isso aconteceu porque muitas indústrias migraram dos países ricos para os países em desenvolvimento, com legislações ambientais mais permissivas e mão de obra mais barata, como a China, o que acabou agravando o problema global. Não é questão de focar apenas nos países mais poluentes.
Por isso, o Acordo de Paris adotou uma abordagem diferente. Cada país passou a apresentar suas metas próprias, chamadas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). O problema é que a maioria dos países apresentou metas pouco ambiciosas. O Brasil, por exemplo, se comprometeu a alcançar 60% de energia limpa até 2030 — algo que já estava em curso com o uso de hidrelétricas. Também prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030 — uma meta que já deveria estar sendo cumprida por lei.
Houve pressão da comunidade científica, e em 2021 foram feitas novas propostas, mas durante o governo Bolsonaro, o Brasil apresentou metas que, na prática, aumentariam as emissões — uma “pedalada climática”, como foi chamada.
Agora, em 2025, antes da COP30, os países devem apresentar novas NDCs. A pressão está crescendo para que essas metas sejam mais ambiciosas. Mas é importante lembrar que estamos lidando com países soberanos. Avançar nesse debate exige respeito à soberania nacional, mesmo diante da urgência climática.

Ton Paulo — Pela primeira vez na história de Goiânia, foi criada uma diretoria específica para mudanças climáticas dentro da Agência Municipal de Meio Ambiente. Essa preocupação tem se tornado parte da rotina dos municípios?
Ainda não estamos atuando de forma preventiva em relação às mudanças climáticas; estamos, na verdade, reagindo a elas. Antes mesmo da criação dessa diretoria, já existia a Lei da Defesa Civil, que estabelece diretrizes para evitar danos causados por eventos climáticos extremos.
Um exemplo claro ocorreu em 2025, quando a Marginal Botafogo foi completamente inundada — algo inédito até então. Foi preciso adotar um sistema de bloqueios preventivos, interrompendo o trânsito em períodos de chuvas intensas, devido ao risco elevado. Esse tipo de situação mostra que os extremos climáticos estão se tornando mais frequentes. A criação da diretoria de mudanças climáticas pela Prefeitura de Goiânia é uma resposta a esse processo, que já está em curso. É uma medida importante, mas que vem como reação, não como prevenção.
Italo Wolff — A senhora mencionou que as empresas também pressionam por mudanças. Isso ocorre porque sofrem impactos financeiros com eventos climáticos ou porque buscam certificações internacionais. Como avalia o papel do setor privado na agenda ambiental?
A participação do setor privado é essencial. Independentemente da linha ideológica dos governos, todos já entenderam que o poder público sozinho não dá conta da complexidade do desafio ambiental. Por isso, temos visto o fortalecimento de parcerias público-privadas e a integração do setor produtivo nas ações climáticas.
Hoje, empresas que desejam se manter competitivas no mercado internacional precisam se adequar a padrões como o ESG — Environmental, Social and Governance (ambiental, social e governança). Esses critérios são exigidos por investidores e parceiros comerciais, especialmente nos Estados Unidos e na União Europeia.
Mesmo com mudanças nos governos, essas exigências permanecem — e até se intensificam. A China, por exemplo, está ajustando sua legislação ambiental e trabalhista para não perder espaço no mercado global. No Brasil, grandes empresas com atuação internacional já entenderam que precisam atender a esses requisitos. Como advogada que atua com o setor privado, vejo diariamente como essas exigências moldam a atuação das empresas, que buscam alinhar seus negócios aos padrões ambientais, sociais e de governança para continuarem viáveis e competitivas.
Ton Paulo — Órgãos como o Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo) alertam que o regime de chuvas está cada vez mais irregular. Goiânia está preparada para essas mudanças? Iniciativas como o plano de drenagem desenvolvido pela UFG podem mitigar os efeitos das alterações climáticas?
Os pesquisadores e cientistas que estão desenvolvendo esse plano têm credibilidade. Goiânia, embora tenha sido concebida como uma cidade planejada, passou por um processo de desorganização territorial. Houve falhas importantes no planejamento urbano, especialmente em áreas que hoje são críticas, como o manejo das águas pluviais.
O Cimehgo já aponta que estamos vivendo um padrão de chuvas mais concentradas, violentas e esparsas, o que é reflexo direto das mudanças climáticas. A quantidade de chuva registrada em abril, por exemplo, está completamente fora do padrão. Isso acende um sinal de alerta não só para alagamentos urbanos, mas também para o impacto no calendário agrícola — é possível que as chuvas demorem mais para chegar no fim do ano, prejudicando as safras.
A cidade está começando a valorizar aspectos que antes não eram priorizados. Já vivemos grandes secas, como no caso do Rio Meia Ponte, nosso principal manancial, que tem entrado em estado de emergência com frequência nos últimos cinco anos. E, mesmo no período chuvoso, temos regiões vulneráveis. A legislação da Defesa Civil já mapeia áreas de alagamento em tempo real.
Apesar disso, Goiânia ainda enfrenta menos problemas do que outras capitais em termos de população vulnerável — não temos ocupações em encostas, como no Rio de Janeiro, por exemplo. No entanto, os cursos d’água da cidade estão comprometidos. As enxurradas e inundações são consequências naturais da impermeabilização do solo e da canalização dos rios, que impedem o escoamento adequado das águas.
O que vivemos hoje é resultado de uma ausência histórica de planejamento. Nos anos 1960 e 1970, ninguém imaginava os impactos que estamos vendo agora. A gestão atual lida com consequências de décadas de descuido com os riscos ambientais. A preocupação com o meio ambiente é recente — tem pouco mais de 50 anos — e Goiânia já existia antes dessa pauta ser incorporada às políticas públicas. Hoje, preservar o meio ambiente é uma questão de sobrevivência.
Italo Wolff — Quais são as expectativas para a COP30? O mercado de créditos de carbono continua sendo uma das pautas centrais?
Sem dúvida. A discussão sobre o mercado global de carbono avançou na COP29, em Baku, e ganhou ainda mais força com a recente aprovação, no Brasil, da lei que cria o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o que viabiliza a regulamentação desse mercado no país. Já se falava disso desde o Protocolo de Kyoto, mas naquela época faltavam mecanismos eficazes de mensuração da captura de carbono. Hoje, com o avanço da tecnologia, esse cenário mudou, o que dá mais credibilidade à proposta.
A expectativa para a COP30 é que o setor privado também entre com força no financiamento climático, especialmente após os países ricos estabelecerem na COP29 um aporte de apenas US$ 300 bilhões, valor considerado insuficiente. A participação das empresas será fundamental para ampliar os recursos.
Outra pauta importante será a adaptação climática. Já não se discute apenas a mitigação — ou seja, reduzir emissões para evitar o aquecimento. A temperatura global já aumentou, e precisamos lidar com essa nova realidade. Isso inclui preparar as cidades, os setores produtivos e a sociedade para os eventos extremos, como as enchentes no Sul e as secas no Norte.
Também há avanços na transição energética. O Brasil, por exemplo, expandiu significativamente sua matriz com energia solar e eólica. Antes, essas fontes representavam menos de 0,02% da produção; hoje, a energia solar já responde por quase 10%. Ainda há muito a fazer, mas os avanços são visíveis.
Italo Wolff — A senhora atua na advocacia ambiental. Tem percebido uma maior demanda das empresas por orientação jurídica nesse campo? E como avalia a consciência ambiental do setor produtivo?
Sim, sou advogada na área ambiental e também professora e pesquisadora. Atuo especialmente com consultoria, orientando empresas e produtores rurais a se manterem dentro da legalidade ambiental — e, sempre que possível, irem além do mínimo exigido.
Percebo que muitos empresários e produtores querem fazer a coisa certa. O setor produtivo não deve ser estigmatizado como inimigo do meio ambiente. Nosso trabalho é justamente mostrar que é possível conciliar a produção com a preservação. Por exemplo, em vez de simplesmente regularizar uma APP desmatada, sugerimos a recuperação da área quando há impactos sobre nascentes ou mananciais. Isso é baseado em dados científicos, não apenas em exigências legais.
Resolver questões ambientais no papel é relativamente fácil, mas enfrentar os desafios climáticos reais exige articulação entre conhecimento técnico, jurídico e ambiental. É esse equilíbrio que buscamos na nossa atuação.
Quanto à consciência ambiental do produtor rural, ainda é preciso avançar. Muitos ainda enxergam a preservação como um obstáculo à produção, o que não faz mais sentido diante das tecnologias e evidências disponíveis hoje. Precisamos reforçar que conservar o Cerrado e os recursos naturais não é um custo, mas um investimento na viabilidade da produção a longo prazo.
O post Luciane Martins de Araújo: “Para a COP30, esperamos forte participação do setor privado nos debates sobre mercado de carbono e adaptação a perdas e danos climáticos” apareceu primeiro em Jornal Opção.