‘Nunca ganhei um título em Barretos porque lá é uma máfia’, diz o peão e berranteiro Zé Capeta

José Bento Tavares Neto, mais conhecido como Zé Capeta, é goiano, natural de Itaberaí, cidade localizada a 1h 40 minutos de Goiânia. Zé Capeta tornou-se um personagem folclórico devido às suas apresentações como peão montador por mais de 20 anos e como berranteiro da maior festa de peão de boiadeiro da América Latina – a Festa de Peão de Barretos, em São Paulo.

Zé Capeta foi criado na fazenda do avô paterno, em Araçu-GO, às margens do córrego Salobo, onde aprendeu desde cedo a lidar com os afazeres da roça e também com animais. Sempre foi um garoto corajoso e começou a montar aos 10 anos, inicialmente por diversão. No entanto, percebeu que tinha habilidade, pois não caía, o que despertou nele o desejo de se tornar peão de rodeios.

O peão já conquistou mais de 600 títulos de montaria pelo país. Zé Capeta já foi dado como morto, mas está mais vivo do que nunca, como ele mesmo diz, e com muita saúde. Atualmente, ele ganha a vida participando de festas de peão e dando aulas de berrante. O berranteiro já tocou o instrumento para o Papa e para Michael Jackson.

Zé Capeta com seus berrantes e ao fundo uma foto de uma montaria em Boa Vista – RR l Foto: Cilas Gontijo/ Jornal Opção

Ele se candidatou a deputado estadual por Goiás pelo PRB, obtendo 1.600 votos na ocasião. Sua história de vida vitoriosa foi retratada em quadrinhos, desenvolvidos pelo ilustrador Biagy Oliveira. O projeto, voltado para o público infantil e as diversas histórias – todas bastante divertidas – desse período da vida de Zé Capeta, surgiu por iniciativa do filho, Rômulo Ferreira Bento, que desejava homenagear o pai.

Zé Capeta, atualmente com 80 anos de idade, reside em Aparecida de Goiânia, no setor Veia Jardim, em uma casa simples pertencente à filha, com poucas comodidades e alguns cachorros que ele diz amar muito. Em uma entrevista descontraída ao Jornal Opção, o peão, que também já atuou como ator em novelas e filmes na extinta Rede Manchete, Rede Globo e TV Record, falou sobre sua trajetória de vida.

Dono de uma risada espontânea que contagia, ele relata como surgiu a história da Mula preta: “Um certo dia apareceu essa tal de mula preta lá na fazenda do meu avô e ninguém conseguiu montar na danada. Eu tinha só 13 anos, mas já estava agoniado de ver os peões todos caindo, aí eu disse ao meu avô que, se ele me desse uma vaca, eu a cortaria na espora e deixaria ela mansinha”, lembra.

Contudo, o avô queria saber onde o garoto tinha arrumado uma espora, ao passo que o menino disse que tinha roubado um pedaço de requeijão e dado a um cigano em troca do objeto. “Meu avô ficou com raiva, mas me deixou montar na mula. Porém, ele me disse que se eu caísse, ele ia me matar com três planchas de facão, mas se eu não caísse, eu poderia escolher uma vaca no pasto”, conta.

Arquivos de recortes de revistas e jornais das atuações de Zé capeta l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Zé Capeta relembra que existia uma vaca que se chamava “chatinha” que o deixava tomar leite nos próprios peitos, ou seja, ele mamava na vaca. Entretanto, a “chatinha” era o mimo do avô. “Eu disse que queria a chatinha, aí meu avô deu um pulo de uns 2 metros, puxou um facão e disse que naquela hora morria uns 20, mas a chatinha não sairia da fazenda. Então ele me deu outra vaca e me mandou desaparecer da fazenda naquele momento. Aí eu vendi a vaca por dois contos e peguei minhas coisinhas e saí com esse dinheiro que demorou uns dois anos para acabar.”

Zé Capeta expõe que, apesar da pouca idade, já tinha experiência de homem adulto e saiu em busca de rodeios nas cidades para montar e assim foi sobrevivendo, até que chegou em Barretos. O peão já participou de competições em praticamente todo o território nacional, como, por exemplo, um título que obteve em Boa Vista, capital de Roraima. Ele revela que são mais de 60 anos viajando pelo Brasil como peão e berranteiro.

Questionado sobre o porquê do codinome “Capeta”, Zé mostrou mais um talento, o de poeta, pois respondeu com um verso muito bem rimado: “Foi naquele dia que eu domei a mula preta, risquei ela de espora da nuca até na paleta. Foi aí que me puseram o apelido Zé Capeta”, com uma risada ímpar, que é uma das suas marcas registradas, diz ele.

Zé Capeta conta que, a princípio, não gostou muito do apelido por ter o mesmo nome do demônio, mas quando descobriu qual o verdadeiro significado, resolveu aceitar, pois já tinha sido aceito pelos fãs. “Eu era meio cismado com esse nome, com medo de ter relação com o demônio, pois sou muito religioso e acredito muito em Deus e na nossa senhora. Morro de medo do capeta (risos). Mas quando fiz uma pesquisa, descobri que não tem nada a ver com o cão, e sim com uma pessoa que faz travessuras, brincalhão, traquina, peralta, o que tem tudo a ver comigo. Aí fiquei mais tranquilo e aceitei. Já teve lugar que cheguei que, quando eu dizia meu nome, a pessoa desmaiou porque achava que era o satanás mesmo (risos)”, explicou.”

Dois berrantes e um shofar que ele ganhou de Israel l Foto: Cilas Gontijo/ Jornal Opção

Zé Capeta expressa com muita alegria a oportunidade de conhecer outros países da nossa América e da Europa, como Venezuela, Guiana Inglesa e Portugal, onde, segundo ele, recebeu o prêmio de melhor berranteiro do mundo. O peão relata que nunca estudou, no entanto, aprendeu a ler nos itinerários de ônibus. “De tanto viver na estrada, aprendi a ler olhando os itinerários dos ônibus”, diz.

O peão descreve com tristeza no olhar e uma certa revolta o motivo pelo qual desistiu de montar. “Foram mais de 20 anos montando na festa de Barretos, mas nunca consegui o primeiro lugar. Eu sempre ficava entre os dez melhores, porém, teve uma em especial que todos os presentes me aplaudiram sem parar e eu sabia que nenhum peão foi melhor que eu, e ainda assim fiquei na sexta posição. Naquela hora, tive a certeza de que, infelizmente, ali não ganham os melhores, é uma máfia. Então, naquele momento, decidi que nunca mais montaria, e assim o fiz. Daí em diante, comecei a tocar meu berrante e estou assim até hoje.”

Na década de 90, o berrante o tornaria conhecido em todo o território nacional quando, na ocasião, foi convidado para fazer parte do elenco da novela “Pantanal”, que era exibida pela antiga Rede Manchete, e posteriormente, na trama que o consagrou – “Ana Raio e Zé Trovão” –, que nada mais era que a sua própria história.

Alguns troféus conquistados em montarias l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

O peão descreve que, ainda na infância, tinha paixão pelo berrante e ele mesmo fabricou um a partir de uma cabaça. “Aprendi a tocar o berrante ainda criança. Na fazenda do meu avô, tinha uma árvore grande onde os boiadeiros costumavam descansar embaixo da sombra. Eu era muito curioso e pedi para os berranteiros me ensinarem, até que aprendi a soprar da forma correta e com meu berrante de cabaça fui aprimorando.” O berranteiro revela que seu primeiro berrante de verdade foi uma doação do fundador da Casa do Rodeio, “Seu Zé”, e o berrante o acompanha até hoje, sendo inclusive o berrante usado nas novelas.

O berranteiro revela que, através do berrante, conheceu lugares que jamais pensou em visitar. “Eu achava que a minha sorte estava na espora, mas não era – ela estava no berrante. Eu sou conhecido como o melhor berranteiro do mundo, não só do Brasil”, diz com alegria. Zé Capeta explica que não é famoso, e sim, conhecido. Ele esclarece: “A fama acaba, mas o conhecimento não. Eu fui famoso, tanto como peão quanto como ator, contudo, a fama acabou rápido, mas graças a Deus que sou conhecido”, conclui.

Zé Capeta explica como começou a sua saga como ator de novelas. “Eu estava em Barretos sem um centavo no bolso, dormindo em uma baia (local onde os animais ficam recolhidos). Estava tocando o berrante e correndo o chapéu para arrumar um dinheirinho para comer alguma coisa, quando apareceu um senhor bem-vestido de óculos escuros e perguntou meu nome. Eu disse que era o Zé Capeta. Então, ele me pediu para fazer um verso sobre a minha vida e, na hora, inventei este verso:

“Meu pai era carreiro nas estradas do sertão e, como consequência do destino, desde pequeno aprendi a lidar com a criação. Nasci no meio do gado, meu berço foi o curral, e o berço da minha escola foi o lombo do animal. Muitas vezes me machuquei, mas não demonstrava, tinha medo do meu pai me tirar da profissão. Com treze anos de idade, saí nesse mundo do cão, montando em burro brabo e enfrentando até o diabo para ganhar o meu pão. Riscando o pagão na rozeta para honrar o nome de Zé Capeta até dentro do caixão’ (Risos).”

Ao final do verso, recebeu aplausos do homem, que na verdade se tratava do diretor da novela ‘Pantanal’ – Jayme Monjardim. Zé Capeta diz que ele lhe pediu para não sair daquele local porque voltaria para buscá-lo. Na ocasião, acontecia a gravação da novela durante a festa de Barretos. Daí em diante, começou a trajetória do berranteiro como ator.

“Naquele dia, o Monjardim me contratou e disse que eu seria ator de novelas. Já mandou me levarem para um hotel e comprar roupas novas. Ele me avisou que eu era o que ele precisava para a próxima novela, que seria Ana Raio e Zé Trovão.” Zé Capeta garante que todo o roteiro da novela foi ideia dele, que aliás, narrava a sua história como peão.

“O Monjardim ficava de duas a três horas conversando comigo e, depois, tudo aquilo que havíamos conversado ele ia falar para os atores”, afirma. Zé Capeta ainda sustenta que o nome da Ana Raio, interpretado pela atriz Ingra Lyberato, foi ele que sugeriu. “Tinha o nome do Zé Trovão (Almir Sater), aí eu disse:  Uai, se já tem o trovão, falta o raio (risos). Aí ficou Ana Raio”, declara.”

Zé Capeta lista com satisfação as novelas em que já participou: Ana Raio e Zé Trovão, Pantanal, Rei do Gado, América, Paraíso, Estrela de Fogo, Marcas da Paixão, Em Família, Irmãos Coragem, além de alguns filmes em que teve participação.

Zé Capeta destaca que já ganhou muito dinheiro, mas nunca foi apegado a coisas materiais, e por isso não conseguiu juntar dinheiro. “Eu nunca me importei com isso, não tinha conta bancária, gastava com o que queria, dava para quem queria, comprava presentes para as pessoas, gastava com mulheres. Para você ter uma ideia, me casei uma vez e amiguei outras 49 vezes (risos). Nunca terminei um relacionamento com briga, era só com dinheiro”, lembra.

No entanto, Zé Capeta reitera que nunca se envolveu com atrizes e lamenta não ter melhorado a vida dos filhos. “Lamento muito não ter pensado mais nos meus filhos”, disse com a voz embargada.

Berrante usado na novelas l Foto: Cilas Gontijo/Jornal Opção

Zé Capeta ressalta que, apesar de ser querido pelo diretor Jayme Monjardim, que segundo ele é uma excelente pessoa, não se pode dizer o mesmo de outros atores e atrizes com quem trabalhou. “O Almir Sater, por exemplo, é muito gente boa, mas é arrogante e não aceitava palpites; só que quando a ideia dele não dava certo, recorria a mim. Já a Ingra Lyberato, Cristiana Oliveira, Vera Fischer, Bete Mendes e Glória Menezes são mulheres de respeito – me respeitavam e me tratavam muito bem. Antônio Fagundes tem uma educação de dar inveja, porém, o José Wilker era soberbo. Já Stênio Garcia, Murilo Benício, Murilo Rosa e Marcos Palmeira eram a humildade e a educação em forma de gente.”

Ele informa com orgulho que era o único personagem real das novelas em que participou. “Jayme Monjardim tinha orgulho de dizer que eu era o único personagem real dele. Eu era o Zé Capeta interpretando o Zé Capeta (risos).” Zé Capeta, apesar de assegurar que tinha um bom relacionamento com seu antigo diretor, há anos não tem contato com ele nem com os atores com quem contracenou. “Todo mundo sumiu, são todos muito ricos e ocupados, né?”, diz.

Zé Capeta menciona que, após o encerramento da trajetória como ator e os posteriores anúncios falsos de sua morte, passou por um período de dificuldade financeira, precisando até de ajuda com cestas básicas para sobreviver. No entanto, agora as coisas estão voltando ao que ele chama de normal. “Estou recebendo propostas de trabalhos em alguns rodeios e fazendo o que gosto, que é tocar meu berrante e contar versos; sou uma pessoa que, apesar da idade, muito saudável, pois não tomo remédios para nada, nem tenho diabetes, nem pressão alta, nem nada. Sou muito feliz”, finaliza com uma risada contagiante.

Veja o toque do berrante:

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