Nos confins da região do Vale do Rio Doce, entre os resquícios da Mata Atlântica que outrora cobriam vastas extensões de Minas Gerais, ergue-se uma floresta renascida. O verde vibrante das árvores jovens contrasta com as memórias de um passado árido, esculpido por décadas de degradação ambiental.
Este renascimento não é obra do acaso, mas sim fruto da visão e determinação de um dos maiores fotógrafos documentais da história contemporânea: Sebastião Salgado. Ao lado de sua esposa, Lélia Wanick Salgado, ele não apenas registrou com sua lente as belezas e mazelas do mundo, mas também o transformou — literalmente — ao plantar milhões de árvores e reerguer uma floresta inteira.
Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu em 8 de fevereiro de 1944, em Aimorés, no interior de Minas Gerais. E nesta sexta-feira, 23 maio de 2025, ele nos deixou. Embora seja mundialmente conhecido por seu trabalho fotográfico em preto e branco que capturou a essência da condição humana, Salgado começou sua trajetória profissional bem longe das câmeras.
Formado em Economia, com mestrado pela Universidade de São Paulo e estudos avançados em Paris, Salgado atuava como economista em missões da Organização Internacional do Café na África.
Foi em uma dessas viagens, na década de 1970, que ele pegou emprestada a câmera da esposa e fez os primeiros cliques de sua vida — um gesto aparentemente simples que mudaria não só o rumo de sua carreira, mas o curso de sua vida.

Da economia à fotografia humanitária
Logo após essa experiência transformadora, Salgado abandonou a economia para se dedicar integralmente à fotografia. Ingressou nas agências Sygma, Gamma e depois na Magnum Photos, onde aperfeiçoou sua linguagem visual e consolidou sua reputação internacional.
Mais tarde, fundaria com Lélia a agência Amazonas Images, voltada exclusivamente à divulgação de seus projetos. Salgado se tornou mundialmente famoso por suas séries fotográficas de longo prazo, que retratam temas como o trabalho, a migração, os conflitos e a sobrevivência em diferentes partes do globo.
Seu projeto “Trabalhadores”, lançado em 1993, é uma poderosa ode ao labor humano em tempos de globalização. Com imagens impactantes de mineiros, pescadores, cortadores de cana e operários, Salgado expôs a brutalidade e a dignidade do trabalho manual em diversos continentes.
Seguindo essa linha, em “Êxodos” (2000), ele documentou o deslocamento em massa de refugiados, migrantes e populações marginalizadas — um retrato pungente da crise global de identidade e pertencimento.
Já em “Gênesis” (2013), Salgado voltou sua lente para os recantos mais intocados da Terra, celebrando a beleza selvagem e a ancestralidade de comunidades tradicionais que resistem ao tempo. Essas obras, todas em preto e branco, não são apenas registros fotográficos: são reflexões éticas e existenciais sobre o estado do planeta e da humanidade.
Ao optar por excluir a cor de suas imagens, Salgado oferece uma estética atemporal e profundamente emocional, na qual o espectador é convidado a mergulhar na essência das histórias que ali se contam.
Uma vida dedicada à Terra
Mas talvez o capítulo mais revolucionário da vida de Sebastião Salgado esteja fora da fotografia. Em 1994, ao retornar a Aimorés após anos de viagens pelo mundo, Salgado encontrou a antiga fazenda da família transformada em um deserto — a vegetação nativa dizimada, o solo seco, a vida ausente.
Aquilo que era sua memória de infância havia se tornado um retrato da degradação ambiental brasileira. Diante desse cenário, ele e Lélia tomaram uma decisão radical: plantar uma floresta. Assim nasceu, em 1998, o Instituto Terra, uma organização ambiental sem fins lucrativos voltada à recuperação da bacia do Rio Doce e à regeneração da Mata Atlântica.
O projeto, que começou com o replantio de mudas na antiga Fazenda Bulcão, logo se expandiu. Em pouco mais de duas décadas, foram plantadas mais de 6,7 milhões de árvores, abrangendo mais de 2 mil hectares de área reflorestada e 2.000 nascentes de água recuperadas. A biodiversidade retornou.
Os pássaros voltaram a cantar, os mamíferos reapareceram, e o solo recobrou sua fertilidade. Mais do que reflorestar, o Instituto Terra atua como um centro de pesquisa, educação e desenvolvimento sustentável.
Ali são promovidos cursos para agricultores, capacitações em técnicas de agroecologia, atividades para escolas e programas de extensão ambiental. O trabalho de Salgado e Lélia tornou-se referência mundial em restauração ecológica, sendo reconhecido por instituições como a ONU, a Unesco e diversas organizações ambientais.

A voz da Amazônia
Nos últimos anos, o fotógrafo voltou seus esforços para a maior floresta tropical do mundo. Entre 2013 e 2019, Sebastião Salgado realizou 48 expedições à Amazônia, muitas delas com apoio da Força Aérea Brasileira.
O resultado foi o projeto “Amazônia”, que reúne mais de 200 fotografias de paisagens intocadas e retratos de indígenas de diversas etnias, como Yanomami, Ashaninka, Yawanawá, Suruwahá e Zo’é.
A exposição itinerante “Amazônia” percorreu o mundo — de Paris a São Paulo, de Londres a Roma — e foi acompanhada por apresentações audiovisuais, palestras e um catálogo bilíngue. Em cada parada, Salgado chamava atenção para a urgência da preservação da floresta e a necessidade de proteger os povos originários que nela habitam.
Durante uma dessas palestras, em 2022, Salgado afirmou: “A Amazônia é o último grande santuário da Terra. O que estiver intacto, devemos manter intacto. Onde já houve destruição, precisamos reflorestar.”
Seu ativismo se intensificou diante das ameaças políticas e econômicas à integridade dos biomas brasileiros, posicionando-o como uma voz crítica e respeitada no debate ambiental global.
Um legado imortal
Sebastião Salgado faleceu nesta sexta-feira, 23, aos 81 anos, em Paris. A causa da morte foi uma leucemia agravada por uma malária contraída durante expedições à floresta. Seu falecimento causou comoção internacional, mas também trouxe à tona a grandeza de sua trajetória.
Mais do que luto, o mundo ecoou gratidão. Sua obra permanece como um testemunho poderoso das contradições do mundo moderno — um alerta, um apelo, uma homenagem à beleza e à resistência humana.
Seu projeto ambiental é uma prova viva de que é possível restaurar a vida, desde que haja vontade, ciência e amor à terra. Por tudo isso, Sebastião Salgado não foi apenas um fotógrafo; foi um restaurador de almas e de florestas.
Deixou ao mundo não apenas imagens para contemplar, mas árvores para respirar. Um legado que transcende gerações, florescendo em cada semente plantada e em cada consciência que ele ajudou a despertar.
Confira a seguir 20 das mais importantes fotografias de Sebastião Salgado:



















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