Livro do diplomata e poeta Márcio Catunda é uma viagem à história da arte italiana          

       

Adelto Gonçalves

Quem já viajou pela Itália ou pretende conhecê-la de perto, visitando seus imorredouros monumentos artísticos, não pode deixar de ler “Sinfonia Italiana — Uma História da Arte na Itália” (Ventura Editora), do poeta e diplomata Márcio Catunda. Trata-se de um relato de sete viagens que o autor fez àquele país em que estuda e comenta, de maneira informal e linguagem extremamente poética e elegante, as obras expostas em museus, igrejas e praças de Veneza, Florença, Milão, Bérgamo, Bolonha, Roma e Nápoles, descrevendo monumentos, estátuas e pinturas de todos os períodos da história da Itália.

Como observa o jornalista, romancista, memorialista e ativista cultural José Eduardo Degrazia, no posfácio, Márcio Catunda oferece ao leitor “uma sinfonia de sensações”. E justifica a assertiva: “Parece que escutamos os passos e os versos dos poetas pelas ruas, semelha vermos os quadros e as esculturas, entramos nas igrejas e nos cafés, afigurando-se que, pelo tato, alcançamos a alma das paredes dos monumentos e grandes edifícios do passado, e até dá a ideia de que provamos das melhores bebidas oferecidas ao nosso entendimento pela via do bom gosto”.

Já o editor, escritor, poeta, ensaísta, crítico literário e artista plástico Vicente Freitas Liot, em extensa e profícua resenha, diz que Sinfonia Italiana é “uma incursão singular pela tradição literária de relatos de viagem, combinando elementos poéticos e memorialísticos em uma estrutura que remete à forma musical”. E observa que, como uma verdadeira sinfonia, o livro está dividido em “movimentos”, cada um deles dedicado a uma cidade italiana. “Essa organização confere à obra um ritmo e uma harmonia que ressoam a própria experiência estética das viagens descritas”, define, destacando a habilidade do autor de transformar a viagem em poesia.

A efígie do poeta Pietro Aretino             

De fato, o livro proporciona ao leitor uma viagem pelos meandros luminosos da cultura italiana, além de constituir uma homenagem não só àquela nação, mas à ideia da arte como elo entre culturas. “É a maior e mais profícua produção brasileira atinente à matéria, em todos os tempos, colhida, com rigor e precisão, nos locais de sua ocorrência”, segundo a opinião do jornalista e professor universitário Vianney Mesquita, membro da Academia Cearense de Língua Portuguesa, expressa em texto de apresentação que aparece na contracapa.

Por outro lado, o professor universitário, poeta, ensaísta e contista Luciano Maia, membro da Academia Cearense de Letras, em texto que ocupa as duas abas do livro, destaca não só a erudição do autor, com a citação de vários outros autores, como os 27 sonetos seus, “de belíssima urdidura”, em que “enaltece os cenários descortinados ao longo desta trajetória tão rica em percepções, com serenas – e atentas – descrições”.

Um desses sonetos é o que fez em homenagem a Veneza em duas etapas: em 2017, diante do horizonte marítimo, escreveu dois quartetos e, em viagem de 2021, acrescentou os tercetos: O suave alento, a vibração cromática / da tarde, em frente ao mar, encanta e brilha. / Uma aragem inebriante, extática, / na imensidão, expande a maravilha. / As ondas vertem oferenda aquática, / o Sol se põe nos relevos da Ilha. / Não tardará a noite enigmática. / O poeta sensível andarilha. / As águas de matizes azulados / e verdes, esperançosos enlevos, / prometem esplendores alumbrados. / Nos coruscantes, barrocos relevos, / palácios longilíneos e longevos / nascem do mar, de eternas alvoradas.

Márcio Catunda: um intelectual tão múltiplo quanto as fotografias | Foto: Reprodução

Em Veneza, Catunda ainda se deparou com a efígie do poeta Pietro Aretino (1492-1556) que está nos batentes que dão para a sacristia da Basílica de São Marcos. De Aretino, como lembra, diz-se que só não falou mal de Deus porque alegou que não O conhecia. Talvez por isso, mais tarde, o poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) tenha sido comparado a ele.

Eis aqui os versos do viajante: Aretino, o dos versos zombeteiros, / foi amigo de pulhas e cardeais. / Organizou colóquios putanheiros / e escreveu salmos penitenciais. / Em Roma, fez comícios clericais. / Em Veneza, frequentou os mosteiros. / Fornicador convicto e contumaz, / levou Ticiano aos bordéis feiticeiros. / Devasso e libertino, entre os ateus / cantou da musa o florão de veludo, / que o mulherio ostenta, tão sanhudo. / Da liberdade fez o seu escudo. / Viveu na orgia, embrenhou-se nos breus / e morreu confessado e em paz com Deus.

A maior parte da obra – mais de 120 páginas –, obviamente, é dedicada à Roma, a cidade eterna, tantos foram os lugares visitados e os personagens recordados. Um deles é Michelangelo Buonarroti (1475-1564), um dos maiores criadores de todos os tempos, “que viveu dividido entre o afã de uma espiritualidade pura e sua fascinação pelo corpo dos efebos”.

A ele, Catunda dedicou estes versos: Pintor, vate, arquiteto e escultor, / Michelangelo plasmou, em pigmentos, / desde Adão a Jesus, todo o fulgor / de uma história de glórias e tormentos. / Desvelou – com beleza e cor, / na galeria dos divos portentos, / num fausto cintilante de esplendor, / do Gênese ao Juízo – os adventos. / O forjador das formas e das cores / ergueu no Capitólio a estátua equestre / de Marco Aurélio, imperador e mestre. / Ornamentou, com divinos primores, / a cúpula de arcanos redentores / de San Pietro, a basílica terrestre.

Enfim, este livro é o resultado de quatro viagens que fez à Itália com o propósito de conhecer as obras de arte italianas e escrever sobre elas, preservando as experiências vividas nesses itinerários. A primeira viagem deu-se em 2017, logo depois de sua aposentadoria do Ministério das Relações Exteriores, nos meses de setembro e outubro, quando esteve em Veneza, Florença, Bérgamo, Roma e Nápoles.

Depois, em 2021, de 29 de novembro a 21 de dezembro, refez o itinerário, acrescentando Milão e excluindo Bérgamo. Em 2022, de 18 a 31 de março, voltou a Roma, Milão e Nápoles. E, por fim, em 2023, fez nova viagem, de 29 de junho a 28 de julho, em pleno verão europeu, para rever Milão, Roma e Nápoles e conhecer Bolonha.

Livro sobre François Villon e Baudelaire      

Márcio Catunda (1957), poeta, romancista, cronista, ensaísta, compositor, letrista e escritor, nascido em Fortaleza, formou-se, em 1979, em Direito pela Universidade Federal do Ceará e, em 1989, em Letras pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub). Em 1985, ingressou na carreira diplomática no Instituto Rio Branco, em Brasília. Em função disso, morou em países como Peru (1991 a 1994), Suíça (1994 a 1997), Bulgária (1998 a 2000), República Dominicana (2002 a 2005) e Portugal (a partir de 2005), tendo publicado livros em várias cidades do mundo.

Publicou mais de 50 livros, alguns dos quais no idioma espanhol. Produziu também dez CDs de poemas musicados e cantados por diversos parceiros e DVDs – documentários com suas apresentações em teatros e outros centros de cultura. Seus livros receberam galardões de algumas instituições culturais. O livro “Paris e Seus Poetas Visionários”, pesquisa biográfica sobre 25 grandes poetas franceses, recebeu o Prêmio Cecília Meireles de 2021, da União Brasileira de Escritores (UBE), seção do Rio de Janeiro. É obra que se refere a poetas como François Villon (1431-1463), Charles Baudelaire (1821-1867), Paul Verlaine (1844-18960, Paul Rimbaud (1854-1891) e outros grandes escritores que viveram na Cidade Luz.

Foi presidente do Clube dos Poetas Cearenses (1975). No início da década de 1980, residiu no Rio de Janeiro, onde frequentou o círculo de reuniões denominado “Sabadoyle”, na companhia do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e outros escritores. Em 1984, ingressou na Associação Nacional de Escritores (ANE), em Brasília. Em 1985, fundou o Grupo Siriará de Literatura, em Fortaleza. Em 1992, fundou o grupo Reme, ao lado dos poetas peruanos Eduardo Rada, Regina Flores e Eli Martin, em Lima, no Peru. Entre 1996 e 1997, participou da Associação de Escritores Genebrinos, na Suíça.

A obra de Márcio Catunda é marcada, inicialmente, por versos de protesto ou temas sociais, como se comprova em livros como “Incendiário de Mitos” (1980), “A Quintessência do Enigma” (1986), Purificações” (1987), “O Encantador de Estrelas” (1988) e “Sortilégio Marítimo” (1990). Em seguida, o resultado de suas reflexões sobre o ser e a eternidade se configurou num livro em prosa, “A Essência da Espiritualidade” (1994). Em 2009, lançou “Sintaxe do Tempo”, “livro de denúncia do declínio civilizacional, que reflete o mal-estar da condição humana”, segundo o próprio autor.

Como compositor musicou alguns de seus poemas, gravando-os em discos. O primeiro a ser lançado foi Anima Lírica (1997), com as músicas “Na praia do meu futuro”, “O sol”, “Supremo Deus”, “Ave”, “Hino matinal”, “No céu da certeza”, “Idílio”, “Cantiga”, “Um novo tempo”, “Canção andina”, “O luar do teu olhar” e “Teu sorriso atraente”, a que se seguiu uma vasta produção de dez CDs de poemas musicados e cantados por diversos parceiros e DVDs- documentários, com suas apresentações em teatros e outros centros de cultura.

É autor ainda de Viagens Introspectivas (2016), Mário Gomes: poeta, santo e bandido (2015), Terra de Demônios (2013), Emoção Atlântica (2010), Na Trilha dos Eleitos, vols. 1 e 2 (1999-2001), Verbo Imaginário (2000), Crescente (2000), No Chão do Destino (1999), Água Lustral (1998), Sermões ao Vento (1990), O Evangelho da Iluminação (1984), Estórias do Destino e a Pérfida Perfeição (1982), Navio Espacial (1981) e Poemas de Hoje (1977), entre outros.

Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo, Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial – 1709-1822 (São Paulo, Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo –  1788-1797 (São Paulo, Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado na Inglaterra. E-mail: [email protected]

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