Celso Furtado e Mangabeira Unger: Brasil só será inteiro quando romper com estrutura de exclusão

Salatiel Soares Correia

Especial para o Jornal Opção

O Brasil é um país que vive consigo mesmo como se fosse dois. De um lado, a modernidade dos grandes centros urbanos, da tecnologia e do agronegócio de ponta. De outro, a informalidade, o abandono e a exclusão social que atravessam regiões inteiras. Essa realidade marcada por contrastes estruturais não é nova — foi identificada com precisão por Celso Furtado e Roberto Mangabeira Unger, dois dos maiores pensadores brasileiros do século XX. Suas abordagens convergem em um ponto essencial: o Brasil está dividido não apenas por desigualdades, mas por um modelo de desenvolvimento que nunca conseguiu se tornar verdadeiramente nacional.

Furtado, economista paraibano e figura central da Cepal, é o grande formulador do estruturalismo econômico no Brasil. Sua maior contribuição intelectual está na elaboração de um modelo explicativo que não via o subdesenvolvimento como um atraso a ser superado mecanicamente, mas como um sistema estruturado de exclusão e dependência, com raízes internas e externas. Para ele, o país operava dentro de uma economia dual, composta por um setor moderno e integrado ao mercado internacional — concentrado no Sul e Sudeste — e um setor arcaico, informal e periférico, especialmente presente no Norte e Nordeste. Essa estrutura não se corrigiria por inércia do mercado, mas exigia intervenção planejada do Estado, políticas regionais e distribuição de oportunidades.

Furtado apontava que o maior desafio brasileiro era transformar crescimento econômico em desenvolvimento efetivo, com integração nacional e justiça social. Sem isso, o país se tornaria uma colcha de retalhos de modernidade e atraso. E é justamente essa mesma ferida que Roberto Mangabeira Unger insiste em expor, ainda que sob outra ótica. Para Unger, o Brasil vive não apenas uma economia dual, mas um ciclo político vicioso e paralisante, em que se alternam projetos de curto prazo, sem continuidade, sem compromisso com uma transformação de fundo. O país, segundo ele, não tem um projeto de longo prazo que unifique seu povo e liberte suas capacidades produtivas e criativas.

Ungariano em espírito e latino-americano por convicção, Mangabeira denuncia um sistema institucional que reproduz a exclusão. Ele acredita que o Brasil moderno — criativo, empreendedor, inovador — é travado por uma engrenagem institucional herdada, formada por elites que preferem manter privilégios do que arriscar reformas reais. Sua proposta é clara: romper com esse ciclo e reinventar as instituições democráticas, criando canais de participação, distribuição de conhecimento e ampliação da cidadania econômica. Isso implica não apenas em reformar o Estado, mas em liberar as forças sociais e produtivas que já existem e são sufocadas pelo velho modelo.

Tanto Furtado quanto Unger reconhecem que o Brasil está fraturado. Mas diferem na forma de propor a cura. O primeiro aposta na força do Estado como articulador do desenvolvimento e combatente das desigualdades estruturais. O segundo defende uma revolução institucional, guiada por uma nova imaginação política e social. Furtado falava em planejamento; Unger fala em libertação. Mas ambos concordam: não haverá Brasil unido enquanto persistirem as estruturas que sustentam a divisão nacional.

Tanto Celso Furtado quanto Roberto Mangabeira Unger olham para o Brasil como uma nação dividida — economicamente, institucionalmente, e até moralmente. Ambos rejeitam a ideia de que o país possa se desenvolver mantendo intactas as estruturas que sustentam a exclusão e a desigualdade. E é nesse ponto que suas visões convergem de forma decisiva: não há futuro nacional sem transformação profunda.

Mas há, entre eles, uma diferença fundamental na abordagem e na ênfase. Furtado fala de estruturas econômicas, da necessidade de planejamento e do papel estratégico do Estado para corrigir distorções históricas. Ele é, sobretudo, um engenheiro do desenvolvimento. Sua análise estrutural o levou a diagnosticar com precisão o subdesenvolvimento como um sistema, não como um acidente. Seu remédio é técnico, ainda que sensível à política: criar mecanismos duradouros para integrar o Brasil real ao Brasil moderno.

Mangabeira Unger, por sua vez, parte de uma crítica institucional e política. Ele vê o país como prisioneiro de um ciclo de curto-prazismo, de elites conservadoras e de estruturas que bloqueiam a criatividade social. Sua proposta é menos de gestão e mais de imaginação. Furtado propõe reforma com base em planejamento. Unger propõe ruptura com base em reinvenção. Para Furtado, o caminho está no Estado planejador; para Unger, no cidadão emancipado por instituições novas.

O que os aproxima é a urgência em unificar o Brasil. O que os separa é a trilha para chegar lá. Um partiu da economia para alcançar a política. O outro parte da política para liberar a economia. Ambos, porém, apontam para a mesma direção: um país que só será inteiro quando fizer da justiça social e da inclusão produtiva um projeto nacional — e não apenas uma promessa de campanha.

Salatiel Soares Correia engenheiro, administrador de empresas, mestre em energia pela Unicamp, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e autor de nove livros sobre energia, política e desenvolvimento regional. É colaborador do Jornal Opção.

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