Marco da cultura ocidental, a Ilíada e a Odisseia, de Homero, influenciaram de Camões a Joyce

Marina Teixeira Canedo

Os super-heróis têm povoado a imaginação da humanidade, seja por meio da tradição oral, seja por meio de livros, de gibis ou de filmes. Muitos escritores dedicaram-se a esse veio da literatura, uma literatura fantástica, onde os heróis são insuperáveis, com superpoderes e muitas vezes imortais.

Júlio Verne (1828-1905), escritor francês, e J.R.R. Tolkien (1892-1973), escritor britânico, são exemplos maiores e mais conhecidos de autores que fizeram da literatura palco para grandes heróis. Seus personagens saíram dos livros para o mundo cinematográfico, arrecadando milhões nas bilheterias.

A importância dada aos super-heróis tem raízes profundas na mente humana. O mito do herói é um dos arquétipos do inconsciente coletivo e, portanto, povoou o ideário de povos, em todas as épocas.

Os escritores canônicos costumam ter um Ulisses a rondar-lhes o pensamento criativo. Ou um anti-Ulisses. Com seu Leopold Bloom, James Joyce que o diga. Aquiles, e sua fúria vingativa, causada pela morte de Pátroclo, serve como parâmetro de amizade e amor imorredouros no âmbito literário.

Na “Ilíada e na “Odisseia” está a gênese de muitos heróis da literatura ocidental. Não é sem motivo que estas duas importantes obras são livros que influenciam escritores através do tempo.

Escrita pelo poeta Homero seis séculos a.C., a “Odisseia” nos surpreende pelo seu conteúdo riquíssimo. Ambas, a “Ilíada”, que a precedeu, e a “Odisseia”, foram compostas quando a maior parte dos livros que integram o Antigo Testamento não tinha, ainda, sido escrita. Podem, portanto, as duas epopeias homéricas, ser consideradas os primeiros livros, e grandiosos, da cultura ocidental.

Há dúvidas sobre se Homero existiu de fato, mas, quanto a isto, os estudiosos do assunto dizem que dificilmente ele foi uma figura inexistente. Suas obras extensas, congruentes e concordantes, atestam a realidade de um único e verdadeiro autor. Porém, não há nenhuma dúvida quanto a autenticidade dos poemas. Estes foram passados de geração a geração, por meio da tradição oral e, subsequentemente, de cópias, feitas ao longo dos séculos, e que se cristalizaram na Idade Média, protegidas que foram pelos monges na era bizantina.

Grandes escritores e poetas foram influenciados pelo conteúdo fantástico das epopeias homéricas, e fizeram delas suas fontes de inspiração e de consulta. Muitos as têm como seus livros de cabeceira.

A “Odisseia” é um poema épico, contendo mais de 12.000 versos ao longo de 24 cantos, mas cuja história desenrola-se de forma a ser entendida como um romance de aventura. “Ilíada” e “Odisseia” são os modelos de poema épico ocidental, cuja fórmula Luís Vaz de Camões (?-1580), grande poeta da literatura lusófona, utilizou para escrever “Os Lusíadas”, que conta a saga marítima dos portugueses à procura de terras e riquezas além-mar. Influenciados pela leitura dos clássicos gregos, os portugueses esperavam encontrar monstros marinhos em mares nunca dantes navegados, e isto fica explícito nos famosos versos de “Os Lusíadas”. Os portugueses fizeram, na vida real, o que os gregos imaginaram na mitologia.

A “Odisseia” é a continuação da “Ilíada”, sendo esta última um poema épico, cujo escopo é narrar a guerra de Troia, entre gregos e troianos, e que foi motivada pelo rapto de Helena, mulher de Menelau, por Páris, filho de Príamo, rei de Troia. Na “Ilíada”, as descrições dos campos de batalha e das mortes cruentas perfazem, de forma muito real e até chocante, todo o poema.

Na “Odisseia” o herói é Odisseu, ou Ulisses, versão latina de seu nome. Ocupa-se ela do Regresso de Odisseu, dos périplos e das aventuras do herói, em sua tentativa de voltar a Ítaca, sua terra natal.

A volta de Ulisses iniciou-se depois de terminada a guerra, travada contra Troia pelos gregos, na qual ele lutou ao lado de Aquiles e de outros heróis. Seu retorno teve a incrível duração de dez longos anos. Para conseguir seu intento, o herói passou por enormes vicissitudes, impostas por deuses e deusas e pelas forças da natureza. Nesse périplo, seus companheiros de viagem foram morrendo, vítimas da fúria dos deuses e dos mares. Odisseu permaneceu, longe de casa e de Ítaca, por longos vinte anos: dez guerreando em Troia e dez tentando voltar para casa.

A “Odisseia” evidencia a visão que os gregos tinham do mundo: um mundo mágico, onde os deuses, dependendo de seu humor, faziam o bem ou o mal, perseguiam, matavam, ou protegiam os pobres mortais. O mundo físico, conhecido pelos gregos, situava-se dentro de parâmetros estreitos e limitados. A extensão geográfica da Terra reduzia-se a uma ínfima parcela conhecida por eles. Foi um tempo em que as embarcações eram muito frágeis e não permitiam longos trajetos.

O amor que unia o casal, Odisseu e Penélope, malgrado a longa ausência do marido, o fez ultrapassar todas as barreiras, como o canto hipnótico das envolventes sereias, a beleza e sedução da maravilhosa Calipso e de Nausícaa, e o encanto das Ninfas. Foi, de certa forma, um modelo para os futuros romances na literatura que se seguiu, onde o amor romântico passou a predominar.

Por seu lado, Penélope o esperou por extensos vinte anos, na esperança da volta de seu amado, rechaçando dezenas de pretendentes que queriam desposá-la devido à sua grande beleza, riqueza e poder. Seus bens foram sendo consumidos, paulatinamente, pelos ambiciosos e inescrupulosos pretendentes. Durante o dia ela tecia uma veste, que, quando pronta, seria o tempo em que ela anunciaria com quem iria se casar, mas, à noite, ela desfazia o que fizera durante o dia. E assim foi enganando a todos, por tanto tempo.

Esta breve súmula não contém e não reflete a grandeza da obra do poeta Homero, que, como dizem os historiadores, dificilmente foi ele produto de uma fantasia.

A volta de Odisseu à Ítaca nos oferece um final emocionante e triunfal. Esta saga homérica é repleta de sentidos, que podem servir para o entendimento da mente humana e de seu comportamento frente aos desafios que a vida oferece. Muitos de seus símbolos permanecem presentes no imaginário do ocidente, como o Sudário de Penélope, o Cavalo de Troia, o Canto das Sereias, que atraía os incautos marinheiros para a morte, e outros mais. Na verdade, o Regresso de Odisseu pode ser entendido como uma metáfora das lutas do homem e da vida como uma grande viagem, com obstáculos, que muitas vezes parecem intransponíveis, servindo de impedimentos à consecução de sonhos e metas.

A “Odisseia” é um tributo a um herói, Odisseu, que, com fé, perseverança e resiliência, se sobrepôs ao mal e às forças ingentes da natureza.

A “Odisseia” mantém, ainda hoje, a sua capacidade de comover e perturbar.

Marina Teixeira Canedo, crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.

O post Marco da cultura ocidental, a Ilíada e a Odisseia, de Homero, influenciaram de Camões a Joyce apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.