Recém-criada, Deacri se consolida ao centralizar investigações de crimes de racismo e homofobia em Goiás 

No dia 13 de março deste ano, o governador Ronaldo Caiado sancionou a Lei Nº 22.554, criando a primeira Delegacia Estadual de Atendimento à Vítima de Crimes Raciais e de Intolerância de Goiás, a Deacri. Antes disso, vigorava outro status: em vez de delegacia, os policiais civis atuavam em formato de grupo especializado, o chamado Geacri.  

Na época de sua inauguração, em agosto de 2021, o grupo funcionava no prédio anexo à sede da Escola Superior da Polícia Civil, no Jardim Bela Vista, região Leste de Goiânia. Hoje, divide o prédio com a Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deaem), na Praça do Violeiro, setor Urias Magalhães, em Goiânia. No entanto, no antigo formato ou no atual, o objetivo é o mesmo: a investigação e combate ao crime de racismo em suas várias modalidades, como religioso, por orientação sexual ou nacionalidade. 

Ao Jornal Opção, o titular da Deacri, delegado Joaquim Adorno, conta que, antes do surgimento do grupo, há quase três anos, o debate era escasso e não havia ainda um estudo real sobre a questão estatística em relação aos crimes de homofobia, transfobia, racismo, intolerância religiosa e xenofobia no estado. “O Geacri permitiu que a gente mapeasse os crimes, que a gente entendesse o quantitativo e que a gente reconhecesse o problema”, pontua. 

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Ainda segundo Adorno, mesmo que o então Geacri cumprisse seu papel perante a Lei, com a abertura e condução de inquéritos e o indiciamento, ou não, de suspeitos, assim como qualquer outra delegacia especializada, a identificação e registro dos crimes de intolerância e a percepção da necessidade de uma estrutura mais sólida para combatê-los levou à conversão do grupo em delegacia. Segundo o delegado, a alteração gerou mais robustez na estrutura e até maior segurança jurídica. 

“Se você cria um órgão público, se você transforma o Geacri em Deacri, você está dizendo que é uma política que, naquele momento, deixa de ser temporária e se torna uma política pública de Estado, não vinculada a governo, não vinculada a nada. E foi isso que ocorreu. Então a estatística, os movimentos sociais, toda a estrutura, todas as comunidades que lidam com essa problemática reconheceram a importância da transformação do grupo em delegacia”, detalha o delegado. 

Prédio da Deacri, no setor Urias Magalhães, ainda com o nome Geacri na fachada

Assim como as outras delegacias, Adorno destaca que a Deacri é um órgão de polícia judiciária civil. “Nós investigamos em caráter repressivo todos os crimes praticados com fundamento com a ideia de homofobia, transfobia, intolerância religiosa, racismo e xenofobia”, explica. Desde a criação do Geacri até hoje, o Geacri e, posteriormente, Deacri, recebeu cerca de mil casos que vão desde racismo contra pessoas negras, passando por crime de ódio contra gays e lésbicas até atos criminosos de intolerância contra religiões de matriz africanas. A média é de 20 a 30 casos por mês.

Para se ter uma ideia, somente nos cinco primeiros meses de 2023, a delegacia abriu 140 inquéritos para investigar denúncias de crimes de intolerância. Desses, 60% se referem a crimes de racismo e 40% de homofobia. Em 2022, foram quase 250 inquéritos abertos. Para isso, a delegacia dispõe, atualmente, de 15 servidores – incluindo três delegados e os agentes de polícia. 

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Joaquim Adorno destaca ainda que, mesmo com as mudanças na percepção do que é racismo, principalmente quando se tem a noção de que, hoje, existe no estado uma delegacia específica para combatê-lo, muitos dos autores desse crime que viram alvos das investigações policiais são pegos “de surpresa”. “Há todo um preconceito introjetado na mente das pessoas e isso ocorre com muita frequência. Nós, às vezes, percebemos que os autores [de crimes de intolerância] chegam aqui e questionam ‘Ah, mas eu cometi racismo?’. Ele está tão habituado com o comportamento racista que o naturalizou. E é muito comum”. 

O crime de racismo, seja ele contra LGBTs, pessoas negras ou adeptos de religiões de matriz africana pode ocorrer não só com ataques diretos e agressões, mas também pelas famosas “piadinhas”, conforme pontuado por Adorno. “E quando a vítima resolve denunciar, e a pessoa [suspeita do crime] é processada, é investigada, aí vem toda aquela coisa de ‘Eu não sabia, a gente sempre fez isso, fez aquilo’”, aponta o delegado. 

Atendimento centralizado 

Cerca de um ano após o nascimento do grupo em Goiânia, a cidade de Anápolis também ganhou, em setembro de 2022, uma unidade do Geacri. A inauguração, na época, contou com a presença de representantes da OAB Goiás, sacerdotes de religiões de matriz africana e suas comunidades, representantes da prefeitura de Anápolis e policiais civis de Anápolis.  

No entanto, menos de três anos depois, o Geacri anapolino, que tinha na liderança o delegado Manoel Vanderic, foi desativado. Procurada pelo Jornal Opção, a Polícia Civil alegou a extinção do grupo ocorreu “em virtude da competência atribuída à nova delegacia [Deacri], “a qual passa a ser responsável pela investigação desses delitos em todo o Estado, sempre que for suscitada pela delegacia onde o crime foi registrado ou determinado pela Chefia de Polícia Judiciária”. 

“Ressalta-se que, em Anápolis, os crimes raciais e de intolerância podem ser registrados em qualquer delegacia da cidade, assegurando assim o pronto atendimento e a diligente investigação dos casos”, informou ainda a instituição, acrescentando que não há, hoje, outros Geacris no estado.  

Inauguração do Geacri Anápolis, em setembro de 2022. Unidade seria desativada menos de 3 anos depois

A Polícia Civil informou ainda que “os servidores da Deacri recebem instrução e treinamento contínuo e permanente para atendimento ao público e são selecionados conforme o perfil profissional para trabalharem na delegacia especializada”. 

Conforme revelado pela própria instituição policial, com o estabelecimento da delegacia estadual e o fechamento de Geacris, todas as denúncias referentes a crimes de intolerância em Goiás acabam redirecionadas, o que, na prática, constitui uma centralização dos serviços. “Você foi lá no seu bairro, fez um RAI, que é o Registro de Atendimento Integrado, esse RAI é redirecionado para a gente. A polícia Civil tem procurado fazer treinamento com todos os policiais para atender nessa pauta”, explica Joaquim Adorno. 

O delegado chama a atenção para a importância de a vítima de racismo ou homofobia procurar a Deacri para denunciar o crime, e ressalta que a unidade conta com toda a estrutura e seu efetivo para acolhê-la. “Se ela está sofrendo racismo, essa pessoa está em sofrimento e ela precisa entender que ela não está sozinha”. 

“Se ela não quiser ir em qualquer delegacia de Polícia, ela pode procurar a Deacri que será muito bem atendida por profissionais preparados que vão entender o que ocorreu e entender o crime a partir da perspectiva dela. Todos os fatos que chegam à Deacri são investigados, 100% dos casos. E em 100% dos casos a gente dá uma resposta”, arremata. 

A Deacri funciona das 8h às 18h, na avenida Solar, Praça Padre Romão Cícero (Praça do Violeiro), setor Urias Magalhães, em Goiânia. O telefone da unidade é 62 3201-2440. 

Vale lembrar que a Lei 7.716/89, conhecida com Lei do Racismo, pune todo e qualquer tipo de discriminação ou preconceito, seja por origem, raça, sexo, cor, idade. A pena prevista é de 2 a 5 anos de reclusão. E em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou a homofobia crime imprescritível e inafiançável. A Corte entendeu que se aplicava aos casos de homofobia e transfobia a Lei do Racismo, também com previsão de pena de reclusão.

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