O Castelo de Gelo, de Tarjei Vesaas, é uma história devastadora sobre amizade e infância

Roberson Guimaraes

“O Castelo de Gelo” (Todavia, 193 páginas, tradução de Leonardo Pinto Silva), do escritor norueguês Tarjei Vesaas (1897-1970), é uma leitura assustadoramente perturbadora. Em linguagem simples e poética conta uma história devastadora sobre a amizade e a infância. É uma história de perda, da inocência perdida especialmente, mas diferente de quase todas as outras que conhecemos.

No trecho mais marcante o leitor é invadido por uma sensação de ameaça e pavor — sabemos o que vai acontecer — enquanto a narrativa descreve uma viagem de descoberta. Ao torná-la uma passagem infantil na qual a pureza é sobreposta à violação, Tarjei Vesaas escreve um capítulo que é quase insuportável em sua pungência — o frio nítido e claro, o gelo vítreo, os jogos de luz, os sons poderosos — e nunca precisa explicar que anormalidade aconteceu com a pequena Unn.

Há uma carga erótica impressionante na narrativa à medida que o pequeno corpo se espreme através das fissuras molhadas enquanto avança cada vez mais fundo num labirinto vítreo. Há comparações óbvias com o ato sexual, como quando a vemos pela última vez: “Sentia-se pesada e relaxada, no fundo até gostaria de cair no sono, por um instante que fosse”.

Inocência e violação estão inextricavelmente interligadas.

“O Castelo de Gelo”, publicado em 1963, está cheio do que não foi dito, das pessoas reagindo e lidando com o que não foi dito. A maneira como as crianças se tratam é, em particular, bem capturada, os esforços desajeitados, os pequenos gestos, os grandes significados e as reviravoltas repentinas muito bem entrelaçados na história. As crianças são notavelmente convincentes como personagens (diferentemente do habitualmente encontrado na ficção, onde a tentação é torná-las muito precoces ou fofas demais).

Tarjei Vesaas: um dos mais importantes escritores nórdicos | Foto: Reprodução

O sexo está enterrado no fundo desta história: as meninas ainda são inocentes, sentindo apenas vagamente que há muita coisa que ainda está além de sua compreensão. Vesaas captura lindamente essa dificuldade pré-adolescente tão hesitante em relação aos relacionamentos, tanto entre Unn e Siss, quanto entre todos os seus colegas de classe. A linguagem simples e repetitiva do romance sublinha isso — assim como o sentido do indizível. Mas os esforços de Siss e Unn para se expressarem falham não apenas por falta de experiência (ou ousadia): algumas coisas são simplesmente esmagadoras demais para encontrar as palavras adequadas.

“O Castelo de Gelo” é, insisto, assustador e profundamente perturbador — embora de uma maneira tão boa quanto “perturbador” possa ser. Partes do romance são difíceis de ler, pois Vesaas conduz sua jovem personagem por um caminho sem volta, mas é uma evocação extraordinariamente poderosa da condição humana. Um trabalho muito impressionante, altamente recomendado.

O romance ganhou uma bela tradução de Leonardo Pinto Silva.

Roberson Guimarães é médico.

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