Paulinho da Viola fez os dois casais irem embora sem ver a lua

O mirabolante cantor Gusttavo Lima sempre aparece na linha do tempo do meu Instagram. Seu aparecimento mais recente foi do seu show em Belo Horizonte. Pela primeira vez, gostei. Gostei porque ele não estava cantando. Abriu o evento com um cavalão caríssimo de 500 mil reais e fazendo o equino, digamos assim, dançar ao som de muito barulho. Óbvio que depois ele cantou, mas o que me veio foi apenas a cena do cavalo.

Bucéfalo e Incitatus, respectivamente cavalos de Alexandre — O Grande e do Imperador Calígula, certamente relinchariam e escoiceariam de inveja de Oregon. Comentei com minha amiga Ângela Lobo sobre o uso do animal. Ela disse que tinha visto o vídeo e deu uma alfinetada sarcástica: “O cavalo do Gustavo Lima deu um show excelente, que ofuscou o brilho do artista”. Lobo chama as músicas urbanejas de cantiga de grilo. E isso pelo fato de as músicas serem praticamente iguais na batida, no jeito de cantar e na pobreza das letras, cujo entendimento não exige nenhum esforço intelectual. E todas escancaradamente voltadas para a temática do “amor-aquilo-naquilo”.

Algum tempo atrás, eu estava num bar tomando umas e mais algumas com essa amiga, quando dois casais se sentaram numa mesa ao lado da nossa. Os homens já na casa dos 40 anos, as mulheres nem 30. Não ficaram muito tempo por lá, coisa de poucos minutos. Um disse que a música do local era “paia”. Percebi que o paladar musical deles era o modão urbanejo e não MPB: o estilo de música que estava rolando. O músico cantava “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola.

Depois que as faculdades estão se multiplicando mais que postes de energia elétrica e assim entupindo a cidade de pessoas com formação superior, isso, penso eu, é o que ocasionou o aparecimento do tal sertanejo universitário, que anda fazendo a cabeça da moçada “universitária”. (E o analfabetismo funcional cada vez aumentando mais.)

Durante permanência dos dois casais no bar, o único assunto da conversa dos homens foi carro. Acho que eram gambireiros de automóveis. As mulheres não entraram no assunto. Na verdade, nem conversavam entre si. Talvez nem amigas fossem. A música os fez saírem apressados do bar.

Esculturas de Alexandre, o Grande, e Calígula | Foto: Reprodução

É perigosa a pressa “em pegar um lugar no futuro”, conforme diz a música de Paulinho da Viola. Ela tem nos impedido de vivenciar muitas coisas simples, que podem nos proporcionar grandes alegrias. “A poeira das ruas” tem asfixiado nossa alma e assim nos impedido de dar uma pausa nessa correria desatinada do cotidiano. Estamos correndo ensandecidamente, iludidos de que estamos ganhando tempo para nos apossar de muitas coisas, quando na verdade o que ocorre é o contrário: não estamos ganhando tempo algum. Cabe aqui citar um pedacinho poético de Cassiano Ricardo: “Cada minuto de vida / nunca é mais, é sempre menos”.

Em nossas conversas diárias, não tem havido espaço para se falar do céu, estrelas, lua, pássaros, nuvens, árvores, amizades. Esses assuntos estão ultrapassados. Para muitos, essa temática é assunto para gente que vive fora da realidade, e esta, na visão burra da unanimidade, exige assuntos que não abranjam desperdício de tempo. A realidade exige assuntos que tenham relação com “a alma dos nossos negócios”, como canta Paulinho da Viola. Nossas conversas diárias muitas vezes são travadas com a gente mesmo. E a temática quase sempre tem algo voltado ao nosso umbigo. Geralmente a pessoa do outro do lado da conversa está na mesma circunstância narcísica que a nossa.

Os casais foram embora sem ver a lua, que estava visível na varanda do bar, derramando poesia gratuitamente. Para eles, isso certamente não importa, pois têm a luz dos faróis de seus automóveis. A lua, no entanto, é indiferente a isso. Esses casais vão passar, assim como este cronista de meia-pataca e você também, altaneiro leitor; e lua vai continuar onde sempre esteve e rodeada de estrelas, assistindo, impassível, aos homens de todos os tempos serem soterrados pelos escombros dos séculos.

*Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza.

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