Ti Amo, de Hanne Ørstavik, é um tributo pessoal ao poder do amor

Roberson Guimarães

O luto é uma experiência que sempre inspirou a literatura. Para um escritor, parece haver uma necessidade de tentar resolver o complicado fluxo de emoções que a dor, a doença e a morte libertam com a única ferramenta que faz sentido — a caneta (ou, hodiernamente, o teclado do computador).

Essa resposta normalmente requer um certo grau de distância antes que os diários e registros possam ser comparados com o que a pessoa sentiu naquele momento e logo depois. O exercício de escrever o luto imediato é muito mais difícil. Em suas memórias, “Bem-Aventurada Infelicidade”, Peter Handke busca um elemento de encerramento ao escrever sobre sua mãe dois meses após sua morte. Ele quer honrar a vida dela sem cair no sentimentalismo. Mas descobre que a paz que procura é ilusória. Ele não consegue ficar fora da história, e essa é a melhor parte desta meditação crua e comovente.

Hanne Ørstavik, de 54 anos: escritora norueguesa | Foto: Reprodução

Mais bem-sucedido é o “Diário de Luto”, de Roland Barthes. Esta coleção de fragmentos, rabiscados em pedaços de papel durante os primeiros dias, semanas e meses após a morte de sua amada mãe, é totalmente inconsciente, honesta e despojada das emoções mais básicas. Como tal, é um dos poucos livros aos quais uma pessoa recentemente enlutada pode recorrer em busca de companhia. Não há conclusões nem recomendações e há muitas perguntas sem resposta.

Pode-se dizer que “Ti Amo”, de Hanne Ørstavik, (Aboio, 112 páginas, tradução de Camilo Gomide) também é um exercício de escrita imediata do luto, embora a autora eventualmente se volte para a ficção, e ali, escolha se render aos detalhes de sua própria vida e ao ato da escrita.

Câncer, paixão e verdade

A narradora é uma escritora norueguesa que mora em Milão com seu marido italiano. Ele está morrendo de câncer. O livro que ela está escrevendo é uma tentativa de dar algum sentido a uma época em que o relacionamento entre eles, as expectativas e sonhos que um dia tiveram, estão mudando e perdendo a direção. É um esforço para ultrapassar o espaço que se abriu entre suas respectivas realidades.

Ao traçar o início e a progressão da doença por meio de um relato das suas vidas antes e depois do diagnóstico, a narradora procura continuamente compreender o que ela sente e quem ela é em relação ao homem que muitas vezes parece tão distante. A narrativa não é linear, mas remonta regularmente a janeiro de 2020, quando as últimas opções de tratamento se esgotaram. Ainda assim eles não estão unidos na aceitação da única verdade que paira no ar: a morte está próxima. Ela pergunta diversas vezes porque eles não conversam sobre isso. Duas naturezas diferentes, lembrando que ele sempre exibiu um certo grau de hesitação, enquanto ela sempre carregou “uma compulsão pela verdade que parece ser minha própria força vital”. É por isso que eles não conseguem abordar o tema da morte?

“Ti Amo” é um relato de paixão e compromisso profundamente tocante. É uma janela aberta para emoções complicadas, muitas vezes conflitantes, do cuidado, sem os efeitos entorpecentes proporcionados pelo tempo e pela distância. Os detalhes da devastação de um câncer agressivo são revelados, entrelaçados na história de duas pessoas unidas pelo amor pela literatura, pela arte e pelas viagens. É uma literatura que ultrapassa a ficção autobiográfica ou livro de memórias — é também um tributo profundamente pessoal ao poder do amor.

Roberto Guimarães é médico.

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