Carpeaux, Candido, Bosi: seus produtos notáveis

Carlos Augusto Silva

Especial para o Jornal Opção

Como Alfredo Bosi, Franklin de Oliveira e Álvaro Lins definiram Otto Maria Carpeaux:

Bosi: “Carpeaux atravessou a crítica positivista, a idealista, a psicanalítica, o new criticism, a estilística espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta à crítica ideológica… Mas, educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, ele sabia que nada se entende fora da História”.

Franklin: “Carpeaux não é um escritor — é uma enciclopédia viva. Mas, mais do que uma enciclopédia viva, é um homem: na coragem de suas convicções, na bravura de suas atitudes, na limpidez de sua visão — um rebelde inato. Sua linhagem — a dos grandes humanistas”.

Lins: “Carpeaux tem um estilo muito pessoal, muito direto, muito denso. Um estilo vivo, preciso e ardente. Às vezes, enérgico e áspero. Nestas ocasiões, sobretudo, este estilo está confessando um temperamento de inconformista, de panfletário, de debater”.

Carpeaux escapa aos currículos universitários. Não é lido nos cursos de Letras, nem nos cursos de Música ou de Artes, mas é falado, respeitado e cultuado por todos, professores e alunos comprometidos.

Antonio Candido: o mais importante crítico literário do Brasil | Foto: Reprodução

Nos cursos de Letras causa estranheza que um nome tido por unanimidade como um dos maiores críticos de nossa cultura erudita não figure como bibliografia das disciplinas teóricas, históricas e críticas.

É estranho, mas não difícil levantar uma hipótese para o fenômeno: sua crítica é diferente da produção acadêmica. Suas referências teóricas são nítidas a um leitor de teoria da literatura, mas vêm diluídas dentro de um estilo límpido e direto, equilibrando-se entre o jornalismo e a academia. A exegese acadêmica obriga a citação, a paga aos que vieram antes, bem como a regra de ouro de utilizar sem plagiar. Carpeaux jamais plagiou, mas tampouco vemos as citações das suas referências teóricas, mesmo que, ao escrever sobre Thomas Mann esteja, nitidamente, e nada disfarçadamente, fazendo uso do método de Wolfgang Kayser, balizando sua proposta de leitura na problematização que este faz do conceito de Leitmotiv: Carpeaux não cita o conceito, nem o crítico alemão, mas faz malabarismos com seus pressupostos brilhantemente.

Carpeaux exerce mais uma função civilizatória do que formativa, enquanto Candido, Bosi e seus derivados são mestres da formação acadêmica literária do Brasil.

Afrânio Coutinho, com seu colosso em seis volumes “A literatura no Brasil”, não conseguiu a mesma influência de Candido e Bosi, mesmo que esses não tenham obra tão enciclopédica como a dele. Demonstração incontestável da força que a tradição paulista estabelece na formação do pensamento intelectual brasileiro, já que Coutinho é fruto da vida universitária do Rio de Janeiro. Carpeaux, se não é da universidade brasileira, teve vida universitária na Europa, mas não como professor acadêmico, com obrigações de produtividade, publicação de artigos em formato científico, orientação de trabalhos e ação em grupos de pesquisa. E no Brasil, em um tempo em que a USP se formou como o núcleo cerebral de uma nação, atendendo à vocação de locomotiva do Estado de São Paulo, Carpeaux era homem do Rio de Janeiro, da vida intelectual carioca, intensa, mas menos formal, menos rica, menos influente e menos organizada que a vida de São Paulo. Se o Rio sempre foi uma vitrine cultural, São Paulo é uma tribuna.

Franklin Oliveira: crítico literário | Foto: Reprodução

Mas não é só a independência da universidade de que goza a produção de Carpeaux, e a sua heterodoxia na escrita de crítica literária que justificam a sua pouca – quase nula – circulação nos cursos de Letras e humanidades das universidades brasileiras, mesmo que estas sejam unânimes em cultuar respeito indelével por ele. Fala-se de Carpeaux, mas não se estuda Carpeaux na universidade brasileira.

O pluralismo da crítica de Otto Maria Carpeaux faz a universidade preferir Antonio Candido a ele, mesmo sem deixar de reverenciar o exilado austríaco-brasileiro que tanto nos honrou e nos melhorou culturalmente, que três anos após sua chegada no Brasil, sem saber português, escreveu um clássico de nossa crítica literária, “Cinza do purgatório”.

Carpeaux foi um gênio de grandeza maior. A sua natureza polímata o fez um autor com muitos altos e pouquíssimos baixos.

O que ao meu gosto, e ao gosto da universidade brasileira, faz falta, é um não servir, em seu conjunto, a um propósito de projeto intelectual, como é o caso de Candido, que desenha uma linha firme e sinuosa, que amarra cada um de seus vários livros e centenas de artigos. Tal fenômeno se repete em Harold Bloom, Northrop Fry, Alfredo Bosi, George Lukács, Roland Barthes, e outros.

Não importa a linha em que esteja, mas uma trajetória crítica precisa, digamos assim, de um pedigree. Precisa de uma identidade e estar vinculada a uma tradição. Bosi sempre foi histórico. Candido, sociológico. Barthes, estruturalista. Bloom, new criticista, e Carpeaux foi um pouco de tudo em vários momentos distintos e muitas vezes várias linhas ao mesmo tempo. Não por acaso Bosi, em seu retrato do colega que admirava e ao qual dedicou seu grande clássico, “História concisa da literatura brasileira”, faz referência a esta multiplicidade desconcertante.

Bosi e Candido nos entregaram métodos distintos, mas irmãos em sua proposta e finalidade. O que Carpeaux nos deixou? Carpeaux nos entregou estilo único. Paixão crítica, sem jamais se distanciar da imanência do texto. Não se furtou a se colocar, enquanto escrevia, como aquilo que o crítico é e deve ser: um juiz da obra analisada, que vai proferir sentenças a partir de códigos estéticos, históricos, teóricos e críticos. Esta herança de Carpeaux influenciou todas as gerações que vieram depois dele, fazendo com que nossa crítica se tornasse, além de fundamentada, criativa, como deve sempre ser.

É um privilégio para o Brasil ter dois críticos, no sentido profissional do termo, como Bosi e Candido, e um crítico de formação livre da universidade, como Carpeaux. Vejo estes nomes como a tríade basilar do nosso pensamento crítico-literário, que ecoa, depois, na produção do genial Davi Arrigucci Jr. (o melhor de sua geração), nos brilhantes Willi Bolle, José Miguel Wisnik, Antônio Carlos Secchin, Benedito Nunes, Antônio Villaça, Laura de Mello e Souza, Nádia Battella Gotlib e tantos outros.

Antonio Candido estava certo: nossa crítica literária brasileira é muito boa.

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