Roubos e matagal: o Cemitério Santana e o desrespeito às famílias pioneiras de Goiânia

Uma dica que pode ser eficaz: a presença de um simples e pouco dispendioso guarda-noturno fará uma grande diferença. Ouçam este apelo, prefeito e secretários municipais. Não se ensurdeçam, vereadores da Câmara Municipal. Tão pouco a fazer por tanta memória importante da família goianiense.

Está ainda em minha memória o primeiro sepultamento a que compareci, o de minha avó paterna, Luiza Sardinha da Costa, no apagar dos fogos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ali por 1946 ou 1947, não me lembro com precisão. Garoto de calças curtas, via tudo aquilo com assombro, incapaz de encarar de frente, na inocência e ignorância infantil, o mistério da morte.

Goiânia era uma cidade adolescente, uma “teenager”, com cerca de 50.000 habitantes. O único cemitério, vazio por sinal, como era natural numa cidade que começava, era o Cemitério Santana, aberto em 1940, entre Goiânia e Campinas, então distantes alguns quilômetros. Hoje, Campinas reunida a Goiânia, o cemitério é ponto central da cidade, tendo sido tombado por decreto municipal em setembro de 2000. 

Cemitério Santana, em Campinas: onde o descaso tira nota 10 | Foto: Reprodução

A campa da família, adquirida então por meu pai, era — como é até hoje —, a segunda, logo à entrada do cemitério, do lado direito. Lá sepultamos minha avó, num dos primeiros túmulos ali ocupados.

Até que surgissem os outros vários cemitérios, décadas depois, foi ali, no Cemitério Santana que repousaram os pioneiros da nova Capital, os membros das primeiras famílias que a haviam habitado, incluindo o fundador da cidade, Pedro Ludovico e o primeiro prefeito, Venerando de Freitas Borges.

Ao lado de minha avó iriam repousar meu pai, em 1982, e minha mãe, em 2009. O arquiteto Silas Varizzo, um dos nomes famosos na arquitetura goianiense, meu amigo fraterno, atendeu a um pedido que lhe fiz no sepultamento de meu pai e projetou um túmulo para substituir o antigo, uma simples laje cimentada, que abrigava apenas minha avó. Silas, que morreu no ano passado, elaborou um projeto simples, mas evocativo do descanso que a morte proporciona a cada um que lutou pela existência.

Em minhas visitas regulares ao túmulo de meus pais, geralmente nas datas de seus aniversários, nada notei de diferente, até que, em 2017, vi que havia desaparecido a cruz de bronze que ornava a campa. Procurei o zelador do cemitério, que me contou que outros roubos haviam sido cometidos, em outras sepulturas, sempre de peças de bronze.

Cemitério Santana: abandono | foto: Jornal Opção

Roubos no Cemitério Santana

É que havia sido retirada a vigilância noturna do cemitério, e alguns drogados ali se refugiavam durante a noite. Consumiam drogas e roubavam as peças em bronze dos túmulos, sem dúvida em conluio com algum dono de fundição receptador.

Coincidentemente, dias após, o então deputado Francisco Júnior, em depoimento ao Jornal Opção, denunciava os roubos que estavam sendo perpetrados em várias tumbas do local.

Nos anos seguintes, vi que os roubos se acentuavam, e cheguei em 2020 a alertar o então prefeito Iris Rezende, que estava prestes a deixar o cargo e possivelmente não terá tido tempo de tomar as devidas providências.

Nesse mesmo ano, a sra. Márcia Melo Rosa, nora de Pedro Ludovico, também se queixava, no jornal “A Redação”, da falta de providências da administração municipal. Chegou a relatar, com justificada indignação, que foi orientada, por funcionários do cemitério, a retirar as esculturas que ornavam o túmulo de Pedro Ludovico, “pois, se não o fizesse, elas seriam roubadas”.

Não havia exagero do alerta: pesadas esculturas de bronze, de vários outros túmulos, foram levadas pelos drogaditos.

Cemitério Santana: desrespeito aos goianienses-goianos | Foto: Jornal Opção

Desde então, vem se agravando o estado de abandono e descaso a que ficou relegado o tradicional cemitério goianiense. Todas as placas do túmulo de meus pais e de minha avó foram roubadas em fins de 2020, e o zelador diurno do cemitério, com quem tenho conversado, aconselhou não colocar outras, até que a vigilância noturna seja restaurada.

Parece que os administradores ignoram que o cemitério abriga as figuras históricas mais relevantes, os mortos das famílias pioneiras da Capital e os mais expressivos e tradicionais comerciantes, industriais e fazendeiros da história goianiense, além, é claro, de fazer pouco do respeito aos que se foram.

Em outubro de 2021, o jornal “O Popular” denunciou o descaso. Em novembro de 2022, foi a vez do desembargador Itaney Campos fazer veemente denúncia, nas páginas do Jornal Opção, do menoscabo com que o poder municipal vinha (e vem) tratando o mais tradicional cemitério da Capital. Mas tudo debalde, pelo menos até hoje.

Dias atrás, compareci ao enterro de um amigo de infância, no Cemitério Santana. O que era ruim, está péssimo.

Peças de bronze desapareceram

As peças de bronze dos túmulos, praticamente desapareceram. Ainda estão sendo poupadas as placas de alumínio, que, segundo os zeladores do local, alcançam pouco valor, no mercado de fundição. Mas até quando não serão também roubadas?

O matagal que tomou conta do campo santo é alto e viçoso, sinal evidente do descaso municipal. Restos, latas e garrafas abandonados pelos drogados que fazem ali sua festa noturna podem ser vistos a cada passo.

Passei por túmulos de famílias desbravadoras desse nosso planalto central, cujos antepassados descansam ali, mas que, se merecem nosso respeito pelas vidas operosas que tiveram, pelo mérito de construir uma pujante cidade, de enfrentar dificuldades que hoje não mais existem e fazem parte do folclore goianiense, por parte da municipalidade não merecem sequer a consideração de um guarda-noturno que possa lhes assegurar, em suas tumbas levantadas com devoção por seus filhos e netos, o descanso eterno dos justos.

Desfilei por entre túmulos evocativos de nomes que fizeram Goiânia, como Pedroza, Cavarzan, Albernaz. Ou de sobrenomes dos primeiros árabes que aqui chegaram, como Sebba, Abrão, Hamu e Rassi. Ou ainda dos italianos imigrados de uma Europa guerreira, buscando a paz, como Baiocchi, Pucci, Spencieri, Filizola, Barsi, Maldi ou Zupelli. E tantos outros, sem falar dos Ludovico, cujo patriarca foi criador dessa jovem e bela Capital.

Trata-se de um triste desfile de depredação e descaso. Mais de descaso, pois sem ele não haveria a depredação. Descaso e depredação que desaguam num desrespeito muito grande para com os nossos mortos.

A presença de um simples e pouco dispendioso guarda-noturno teria feito uma grande diferença. Ouçam este apelo, prefeito e secretários municipais. Não se ensurdeçam, vereadores da Câmara Municipal. Tão pouco a fazer por tanta memória importante da família goianiense.

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