“Eles preferem o antigo ou o novo?”, questiona pesquisador de Art Déco sobre moradores do centro

O centro de Goiânia abriga um acervo arquitetônico significativo, mas enfrenta desafios como degradação e ausência de gestão, levando muitos dos seus monumentos a perder seu valor histórico e cultural. Estudioso sobre o tema há mais de 20 anos, Rodrigo Félix de Lima procurou resgatar as principais potencialidades arquitetônicas Art Déco na pesquisa “O aproveitamento dos recursos arquitetônicos art déco do centro de Goiânia para o lazer e o turismo”, e acabou descobrindo uma enorme quantidade de estilos e misturas nas suas simplicidades.

Visto que não existe apenas o Art Déco como estilo no centro de Goiânia, mas há também: Neocolonial, Normando, Neogótico, muito eclético (uma mistura de tudo) e muitos prédios e residências modernistas. “Nosso Art Déco é um dos mais simples do Brasil”, destaca Rodrigo Félix.

O pesquisador explica que não havia muitos recursos na época da construção da cidade, o transporte de materiais era complicado e a goiânia não tinha uma metalurgia avançada como Rio, São Paulo e Belo Horizonte.

“Vale a pena percorrer alguns quarteirões em volta da Praça da República em São Paulo para observarem a luxuosidade das edificações Art Déco, como exemplo nas redondezas está o antigo Hotel Terminus, hoje Hotel e Cine Marabá, com suas colunas altas, relevos florais e vegetais riquíssimos, portais em ferro geométricos, nomenclaturas em estilo de época”, afirma o pesquisador.

Rodrigo Félix de Lima é comunicador social, mestre em turismo e proprietário da galeria de arte 588 Art Show. A pesquisa buscou também observar as transformações do centro voltadas para os equipamentos de lazer, os cinemas se transformando em Bingo, posteriormente em igrejas evangélicas, a retirada dos inúmeros camelôs, as lembraças antiga Feira Hippie como atrativo, a falta de cuidado com relação ao Mercado Central, as lojas de produtos chineses, entre muitas outras modificações estruturadas no decorrer de anos.

“Buscamos compreender o lazer antigo com base numa ampla pesquisa de documentos bibliográficos, e notamos que os atrativos naquela época ditos pela população eram poucos: bares, cinemas, compras, igrejas, parques (ambientes naturais). Naquela época o patrimônio Art Déco era identificado como alguns atrativos, mas a população desconhecia, desconhece e o despreza diante da falta de infraestruturas e serviços voltados para o centro da cidade”, opina Rodrigo Félix.

O abandono, a degradação e a desvalorização do Centro de Goiânia são questões crescentes, com as sucessivas administrações municipais falhando em enfrentá-las. Ao longo dos anos, o Jornal Opção tem destacado essa situação, denunciando o abandono e exigindo ações da prefeitura para revitalizar a área. Além disso, tem proporcionado espaço para debates por meio de artigos, propostas e soluções para trazer novamente tranquilidade aos moradores e comerciantes afetados pelos problemas.

Além disso, a pesquisa de Rodrigo notou a falta de propostas educativas voltadas para a memória da cidade em todos os seus sentidos, patrimônio material e imaterial. A memória oral dos empresários que ocuparam ou que ainda ocupam o centro como por exemplo os ourives, alfaiates, relogoalheiros, raizeiros, barbeiros ( barbearias antigas), padarias, hoteleiros entre tantos outros.

Apesar do assunto estar em pauta novamente, nos últimos anos observamos uma vontade vagarosa do poder público com relação a revitalização do centro histórico. “Depois da pandemia, muitas empresas fecharam as portas não só em Goiânia mas em todo Brasil. Observamos um esvaziamento, mas atualmente uma vontade para futuras melhorias, o que não se sabe se é manipulação política em atos pré-eleitoreiros ou de quem vive, trabalha ou faz lazer no centro”, reflete Rodrigo.

O Programa Centraliza, lançado no início do ano pela Prefeitura de Goiânia, não se trata apenas de uma revitalização, mas de uma requalificação abrangente para toda a região. Também estão previstas melhorias de segurança em 333 escolas da região. Fora a instalação de fibra ótica, totens inteligentes em pontos turísticos e outros investimentos que podem gerar cerca de 2.744 empregos.

O Centraliza abrange sete eixos temáticos: habitação e atividades econômicas; segurança pública; infraestrutura, mobiliário urbano e preservação; mobilidade urbana; meio ambiente; cultura e esporte; lazer, bem-estar e turismo.

“O que realmente essas pessoas querem? Quem vive, trabalha e faz lazer no centro de Goiânia tem interesse nessas transformações? Eles preferem o antigo ou o novo?”, questiona Rodrigo.

Art Déco em Goiânia

Em Goiânia, o estilo Art Déco emergiu em paralelo com a visão de construir uma nova capital, liderada por Pedro Ludovico Teixeira e executada por arquitetos proeminentes. Entre eles, destacam-se Atílio Correia Lima e Armando de Godoy, cujo trabalho refletiu uma síntese entre influências europeias e uma identidade local marcada pela originalidade e simplicidade.

É importante esclarecer que Goiânia não detém o maior conjunto de elementos Art Déco do Brasil, embora tenha uma presença significativa desse estilo arquitetônico. “O que acho que se vêm tentando, é fazer trazer uma “supervalorização” pra quem desconhece sobre arquitetura, talvez no intuito da população dá mais valor ao patrimônio edificado. Acho isso erradíssimo. A cidade de Goiânia é riquíssima culturalmente, por que supervalorizar a arquitetura pra depois saber que ela não é tão expressiva assim”, explica o pesquisador Félix.

Comparando com outras cidades da América Latina, como o Rio de Janeiro, Buenos Aires e a Cidade do México, que possuem uma expressão mais marcante do estilo, é evidente que Goiânia não se equipara em termos de quantidade e grandiosidade. Para ele, valorizar o que é próprio, mesmo que em menor escala, é essencial para preservar a identidade e atrair visitantes.

O Guia Turístico Art Déco de Goiânia destaca não apenas a arquitetura, mas também outros aspectos culturais e históricos da cidade, convidando a comunidade a explorar seu patrimônio de forma educativa e enriquecedora. “Goiânia é mais do que Art Déco; é um centro vibrante de arte, cultura e diversidade, cujo valor deve ser reconhecido e preservado”.

As primeiras construções na Capital surgiram ao longo da Rua 20 e dentro das linhas diretrizes do Plano Diretor, delineando zonas comerciais, residenciais, industriais, administrativas, universitárias e de entretenimento. No entanto, diante da ausência de políticas públicas voltadas para a preservação do patrimônio, um guia se tornou um aliado importante nesse processo.

A falta de representatividade da comunidade nesse processo de tombamento ressalta a desconexão entre as edificações marcadas como patrimônio histórico e a memória coletiva da sociedade civil. A importância do estilo Art Déco foi imposta e institucionalizada por burocratas, alguns deles distantes da realidade local, sem o consentimento ou aval da comunidade afetada.

Os órgãos responsáveis para salvaguarda, proteção e restauração dos bens tombados são, a nivel federal, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e a nivel estadual e municipal, os órgãos de preservação ligadas às secretarias municipais e estaduais de cultura e patrimônio locais, cabendo a eles direcionar todas e qualquer reforma e ou restauro. A população deve ser orientada que qualquer dano ao patrimônio é crime previsto no código penal brasileiro.

Na visão do comunicador especialista em Art Déco, os principais monumentos e mais simbólicos no estilo em Goiânia são: o Teatro Goiânia; a antiga Estação Ferroviária; o guarda-corpo ou mureta do Lago das Rosas; o Relógio da Av. Goiás; a torre da igreja Ateneu Dom Bosco e adjacências; o portal lateral da antiga Escola Técnica – hoje IFG e o museu Zoroastro Artiaga. “Esse último está em péssimos cuidados”, destacou ele.

Art Déco ao redor do mundo

Alguns exemplos marcantes da arquitetura Art Déco ao redor do mundo incluem o Empire State Building e o Rockefeller Plaza em Nova Iorque, EUA; o Beacon Hotel e o Clevelander Hotel em Miami Beach, Flórida, EUA; o prédio do Citibank e o edifício Safico em Buenos Aires, Argentina; o prédio do Banco La Nacional na Cidade do México; o Comando General de la Armada (entrada do porto) em Montevidéu, Uruguai, entre outros exemplares em diversos continentes.

No Brasil, destacam-se o Cristo Redentor no Rio de Janeiro; o prédio do antigo BANESPA, atualmente Farol Santander, no centro de São Paulo; o prédio dos Correios no centro de Fortaleza, Ceará; o Centro de Referência do Professor/Biblioteca Virtual Moreira Campos, também em Fortaleza; o Elevador Lacerda em Salvador, e muitos outros locais que poderiam ser adicionados a essa lista de atrações Art Déco.

Para Rodrigo Félix, o distrito Art Déco de Miami é um exemplo mundial de preservação, reconstrução e cuidado tanto com o meio ambiente quanto com o patrimônio construído. A cidade de Miami, situada na Flórida – um dos portões de entrada mais importantes dos Estados Unidos – demonstra como seguir normas de conservação e uso de materiais adequados nas fachadas pode promover o bem-estar humano e ambiental.

Suas calçadas inclusivas e o policiamento turístico de bicicleta, que ao mesmo tempo protegem os turistas e o patrimônio, são modelos de zelo urbano. “Tendo vivido por sete anos em Miami e trabalhado com turismo, testemunhei como a cidade se mantém vibrante com diversos eventos mensais e como o Convention and Visitors Bureau da Flórida atua como vitrine para a diversidade cultural, desde a cultura indígena local até os parques naturais e temáticos, cassinos e uma qualificada rede hoteleira”, relata Rodrigo.

O estilo Art Déco não só embeleza Miami, mas também cidades como Tulsa, Chicago, Cleveland, Nova York e Detroit. Em todas essas cidades, o Art Déco e outros estilos arquitetônicos são cuidadosamente preservados e integrados ao mercado de hospitalidade, turismo e lazer cultural, garantindo sua relevância para as futuras gerações.

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