O que a tragédia no Rio Grande do Sul tem a ensinar aos políticos de Goiânia

Mais de 50 cidades do Rio Grande do Sul foram atingidas pelas enchentes causadas pelas chuvas que caíram sem parar durante dias. Conforme boletim divulgado, cerca de 24 mil pessoas foram afetadas, com quase 8 mil fora de suas casas. Uma lavoura de arroz na região de Uruguaiana, fronteira com a Argentina, se transformou em um rio. Aproximadamente 22 mil hectares de plantação que foram parar embaixo d’água. Ventos bateram a marca de 100 km/h durante um temporal, destelhando casas e causando estragos por onde passava. Foram quase mil moradias danificadas – duas pessoas morreram. Um fenômeno conhecido como ‘ciclone-bomba’ também atingiu o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, deixando um rastro de caos. Mais de mil pessoas ficaram desalojadas em quase 20 cidades gaúchas. Uma pessoa morreu.

Todos os eventos acima descritos se abateram sobre o Rio Grande do Sul, mas nenhum é recente. São desastres naturais registrados no estado gaúcho nos anos de 2015, 2017 e 2020, respectivamente. Hoje, o cenário não é diferente. Pelo contrário: é pior. Até a finalização deste texto, mais de 150 pessoas já haviam morrido e mais de 100 estavam desaparecidas. No total, as enchentes afetaram quase 460 municípios, desalojando 538 mil cidadãos.

Até a última quinta-feira, 16, quase 237 mil endereços estavam com o fornecimento de energia elétrica interrompido. Outros 129 mil seguiam sem abastecimento de água. Já as aulas nas escolas, essas foram suspensas em 2,3 mil unidades da rede estadual, impactando mais de 378 mil alunos. Também até essa quinta-feira, quase 1,1 mil escolas haviam sido afetadas, 554 danificadas e 88 viraram abrigo.

No total, são mais de 2,2 milhões de pessoas atingidas pelas catástrofes em todo o Rio Grande do Sul nas últimas semanas. Uma tragédia. Mas como notado com os dados contidos neste texto, uma tragédia mais do que anunciada.

É preciso enfatizar que as alterações climáticas e os efeitos delas são problemas antigos, manjados. Em publicação de 2021 do Humanistas, jornal universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lê-se que, de cada 100 mil brasileiros, 178.4 sentiram os efeitos das mudanças climáticas na própria pele em 2020. “No Rio Grande do Sul, o número chega a 182 por 100 mil. São pessoas afetadas pela falta d’água, inundações e enxurradas, pessoas que tiveram suas casas perdidas ou danificadas, assim como sua rua ou sua cidade”.

De acordo com o professor Francisco Eliseu Aquino, diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS, “o Rio Grande do Sul em um cenário de mudança climática vai ter um fortalecimento desta circulação”. “Comparativamente, este efeito deixará o Sul do Brasil mais quente, tempestuoso, com mais chuva, mas também com mais estiagens”.

Com um histórico tão acentuado de desastres naturais, quase um seguido do outro, a racionalidade ordena, por óbvio, que o poder público adote medidas efetivas em uma força-tarefa abrangente e contínua como meio de evitar a repetição de tais desastres, ou pelo menos mitigar os efeitos delas. Mas não.

Diante desse cenário, toma-se como exemplo o plano de governo do governador Eduardo Leite para a reeleição, em 2022. O documento traz como propósito “desenvolver o Rio Grande do Sul de maneira sustentável e inclusiva, gerando oportunidades e provendo alta qualidade de vida para todos”, tendo, entre os princípios, “senso de urgência”, “reconhecimento ao conhecimento científico” e “responsabilidade fiscal, administrativa, social e ambiental”. Porém, aparentemente, a prática é outra.

O plano é dividido em eixos e esses, por sua vez, subdividos em diretrizes. O eixo II tem o tema compartilhado: “Eixo Ambiental e Infraestrutura”, e traz apenas uma diretriz, de número 4 – “Implementar políticas de transição energética”. Em mais de 100 páginas, o termo “mudanças climáticas” aparece apenas três vezes, e em apenas duas faz (rápida e vaga) menção ao uso de tecnologias para a mitigação de seus efeitos. Em suma: um estado que padece praticamente todos os anos com enchentes furiosas que destroem cidades e matam pessoas ficou sob a égide de um plano de governo que tratou de mudanças climáticas em dois pequenos tópicos de poucas linhas, sem absolutamente nenhuma menção específica à questão das enchentes.

As ações contra as alterações climáticas são sempre emergenciais após o estrago feito. Nunca preventivas. Principalmente para negacionistas, que tratam de alterações climáticas como “pautas da esquerda”, espera-se a vaca ir para o brejo do que cuidar dela antes que isso aconteça. E o problema não está somente no governo do RS. Neste mês de maio, somente após as enchentes que destruíram cidades inteiras no estado gaúcho, a Câmara dos Deputados resolveu colocar para andar a votação de nove projetos de prevenção a desastres climáticos – a maior parte apresentada na década passada.

É nesse cenário que surge a preopação sobre qual a importância que os pré-candidatos à Prefeitura de Goiânia – uma cidade que sofre, também, constantemente com alagamentos (tivemos, inclusive, uma morte recente em decorrência desse problema) – têm dado à questão “mudanças climáticas”. Os planos de governos ainda estão em fase de elaboração, mas nas entrevistas que concedem, é raro que algum deles – Vanderlan Cardoso, Sandro Mabel, Adriana Accorsi, Rogério Cruz, Gustavo Gayer e Matheus Ribeiro – tratem de forma direta sobre o que pretendem fazer para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na capital goiana.

O desequilíbrio ambiental foi, por anos, tratado pelas principais autoridades políticas do Brasil como “matéria escolar do ensino fundamental”, “papo de professor e esquerdista”. Agora, sentimos na pele o resultado de não levarmos o tema a sério. É como diz uma ditado, já clichê, mas assertivo, que circula na internet: “Todo filme de desastre começa com um cientista sendo ignorado”. Que o próximo prefeito, ou prefeita, de Goiânia se lembre disso.

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