Ato golpista de Bolsonaro avisa: talvez seja hora de Alexandre ceder

Quem tem acompanhado de perto os últimos acontecimentos político-policiais no topo da pirâmide institucional do País sabe bem: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está cada vez mais acuado pelas investigações em torno dos atos golpistas. Consequentemente, também mais perto de uma iminente prisão por algum item do rosário de acusações que tem contra si e que vai de crimes contra a saúde em plena pandemia até a trama contra o Estado democrático de Direito, passando por denúncias de peculato e de fraude em cartão vacinal.

Primeiro presidente apeado do poder ao tentar a reeleição, ele não tem muito o que fazer – em ambos os sentidos, de ócio e de impotência. Então, aposta tudo, novamente, no séquito de fanáticos que arregimentou em torno de si desde que, como o melhor dos discípulos de Pablo Marçal (o coach que se tornou uma espécie de Chicó dos tempos digitais e que Ariano Suassuna amaria conhecer), acreditou no dito “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Sua ascensão política e sua inacreditável chegada ao Palácio do Planalto, com a vitória nas urnas – eletrônicas, ressalte-se – sobre Fernando Haddad (PT) em 2018 se deu em um contexto muito peculiar da história, da qual a eclosão de uma extrema direita encubada é uma ferida exposta, mesmo com o fim de seu governo.

Bolsonaro é o fruto mais nocivo da antipolítica que foi produzida em fogo alto em 2013, culposamente pelas Jornadas de Junho e depois, a partir do ano seguinte, dolosamente pela Operação Lava Jato, comandada pelo procurador (e agora deputado federal cassado) Deltan Dallagnol e pelo juiz Sergio Moro (ainda senador pelo União Brasil – deve ser também cassado – e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro).

Trajando a desgastada camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – que, sequestrada pelos radicais “conservadores”, passou a lembrar menos a seleção brasileira de saudoso passado e triste presente do que os vândalos do 8 de Janeiro –, o “mito” conclamou seus apoiadores a ir à Avenida Paulista no domingo, 25, participar da “fotografia” com que pretende desafiar quem o queira prender.

Apesar da capacidade intelectual limítrofe que o mantém vendo o mundo sob a ótica de um tiozão do churrasco mesmo após ter governado um país continental, Bolsonaro é bastante esperto no que diz respeito a manipular seu rebanho e se resguardar ao mesmo tempo. Foi dessa forma que, perdidas as eleições, esgotando o prazo para o fim de seu mandato e não vendo das Forças Armadas uma resposta positiva a seus anseios golpistas, escapou estrategicamente para a Flórida para aguardar o resultado de alguma insurreição que porventura ocorresse. Ocorreu, mas o governo Lula não mordeu a isca de chamar os militares para tomar conta da bagunça.

Com a convocação para a manifestação pelo “Estado democrático de Direito”, como fez questão de frisar, flertando com a ironia alheia, Bolsonaro volta a acionar seus instintos de autopreservação

Quem pagou o pato foi a turba que estava acampada no quartel e os que se aventuraram à tomada da Praça dos Três Poderes. Mais de Caíram nas garras do “Poderoso Xandão”, um codinome interessante para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que se tornou o maior algoz dos “patriotas”. Mandou prender mais de 2 mil deles e a pena de 17 anos passou a ser um padrão para quem participou da tentativa de golpe.

Com a convocação para a manifestação pelo “Estado democrático de Direito”, como fez questão de frisar, flertando com a ironia alheia, Bolsonaro volta a acionar seus instintos de autopreservação. Mais do que isso, busca um contra-ataque: de acuado, quer acuar. E o alvo é Alexandre de Moraes, que continua à frente do inquérito das fake news, iniciado há quase cinco anos e que parece interminável. Desde o princípio – anotemos essas três palavras para um parágrafo adiante –, ele foi o ministro encarregado, por determinação do então presidente do STF, Dias Toffoli.

Naquele momento, em março de 2019, o bolsonarismo e o lavajatismo ainda se confundiam, Moro era o ministro da Justiça e já havia manifestações golpistas, que visavam então a queda do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e da quase totalidade dos ministros. O sonho da direita radical era a instauração da CPI da Lava Toga, para expurgar, por meio dela, seus desafetos na Suprema Corte. Era a ânsia de fechar as portas dos outros Poderes que já se mostrava nítida ali. A primeira frustração para os “patriotas” veio ali, quando o próprio senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ, mas então no Republicanos) se posicionou contra a comissão de inquérito, obviamente por interesses não revelados de toda a família.

Retomando então a ligação com aquelas três palavras pouco acima, Alexandre de Moraes era apenas um dos ministros defenestráveis pelos extremistas. Passou a ser atacado pelo hoje presidiário e então parlamentar Daniel Silveira (PL-RJ) e, a partir de então, virou vidraça dos bolsonaristas. O que o transformou em vítima daqueles a quem passou a investigar no inquérito.

Ora, se a Justiça tem suas normas para suspeição e impedimento, também tem para quem usa dessas normas para cavar suspeições e impedimentos. Implicado até a medula no tal inquérito, Jair Bolsonaro provoca Moraes há anos de modo a enfiá-lo na condição que lhe ficaria mais confortável – vítima e, portanto, suspeito para julgá-lo.

O ministro nunca cedeu e não parece de forma nenhuma que esteja disposto a isso. Entretanto, é preciso sopesar dois fatos na conjuntura atual. O primeiro é que hoje já não são só Bolsonaro e sua trupe os quem colocam suspeição sobre o juízo de Moraes. Há muitos juristas respeitados que questionam sua continuidade no comando dos trabalhos do inquérito, aludindo inclusive à figura da “mulher de César” – a que não precisa “apenas” ser honesta, mas também tem de parecer honesta.

Outro fator é que o “grosso” do trabalho já está feito. Seja quem eventualmente for assumi-lo, não terá como mudar seus rumos de forma substancial, já que há provas por demais ostensivas sobre a tentativa de golpe e o envolvimento do ex-presidente nele, do bico do coturno até o quepe de capitão da reserva do Exército.

O ato que reacende o golpismo – e que infelizmente vai contar não só com a extrema direita, mas também com a nata da direita dita democrática, mas cobiçosa dos votos bolsonaristas – deixa Alexandre de Moraes em xeque. Com o grande desgaste, pode ser que ele consinta, enfim, em dar destinação do inquérito a outrem, como gesto diplomático. Mas, a uma semana do evento, muita coisa ainda há por acontecer. Afinal, o Brasil não consegue dar fim no roteiro deste thriller e o Poderoso Xandão é protagonista do enredo.

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