Coletivo propõe ampliação do número de tipologias de violência de gênero

Mudanças culturais estão impulsionando uma nova era de valores e atitudes em favor dos direitos femininos e da população LGBTQIAPN+. Essas transformações estão gerando novos padrões sociais e comportamentais, conectados com os direitos humanos universais e permitindo que as mulheres assumam um papel mais protagonista em diversos aspectos da vida, incluindo áreas urbanas, ecológicas, econômicas, políticas, sociais, culturais e familiares. Com as mudanças, o grupo “Poder Eco Feminino” divulgou uma cartilha que propõe a ampliação do número de tipologias de violência de gênero.

Em Goiás, as ocorrências de feminicídio dispararam, registrando aumento de 52,7% desde 2018. Os dados foram relevados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSPGO) em janeiro de 2024. “O poder punitivo, somente, condicionado a uma conscientização jurídica-social, é que será capaz de fundar uma cultura de paz, capaz de colocar um freio nas polarizações políticas e ativismos judiciários, sem defesas cega de causas, em detrimento da análise imparcial de casos”, explica a cartilha.

A conscientização sobre representatividade e diversidade está fortalecendo o “poder feminino”, permitindo que as mulheres tenham voz e influência na defesa dos direitos humanos e na preservação do meio ambiente. O ensino de direitos e questões sociais, tanto em casa quanto na escola, é essencial para promover o respeito mútuo e a convivência harmoniosa. A cultura de paz e respeito mútuo só pode ser alcançada por meio de uma conscientização jurídico-social e da educação sobre diversidade e inclusão. Somente assim, poderemos construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

Para a delegada Ana Elisa Gomes, titular da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deaem) em Goiás, o problema é o machismo estrutural. “Homens que não conseguem resolver suas relações, que não conseguem resolver suas frustrações, não sabem o que é a questão da masculinidade tóxica, que é tão dita hoje, evidenciada aí pelas redes sociais também. E infelizmente eles acabam descontando tudo isso nas suas parceiras, ex-parceiras, ex-mulheres, ex-namorados, irmãs, mães, enfim, as mulheres que os rodeiam. Aí a gente acaba tendo esse reflexo na estatística e nas ocorrências, mas é um machismo estrutural.” Confira abaixo as 10 tipologias da violência de gênero:

1) Violência Física de Gênero

Conforme o inciso I, artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, a violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher, praticada por determinado agressor com uso de força física e por meio de armas, instrumentos ou objetos, e geralmente antecede o feminicídio – quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. Em vigor há cinco anos, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) inclui circunstância qualificadora do crime de homicídio como hediondo.

2) Violência Sexual de Gênero

Caracteriza-se por ação que obriga outrem a manter relação sexual, física ou verbal, por meio do uso de mecanismos obtusos de autoritarismo como uso da força, intimidação, coerção, chantagem, manipulação, suborno e ameaça. Por exemplo: uso de rompantes gestuais e palavras de baixo calão; toques, afagos e sexos não consensuais, exibicionismo masturbatório e voyerismo sexual, prostituição ou pornografia forçada.

A Lei de Importunação Sexual (13.718/2018) estabelece causas de aumento de pena para as tipificações desse tipo de crimes:

a) Ato sexual sem consentimento da vítima;

b) Toque indesejado;

c) “Beijos roubados”;

d) Abraços, lambidas ou mordidas;

e) Masturbação ou ejaculação em público;

f) Contato corporal como “encoxadas”;

g) Abraços forçados;

h) Envio de imagens com cunho sexual indesejadas;

i) Compartilhamento de imagens íntimas sem a autorização;

j) Divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia

3) Violência Patrimonial de Gênero

Também delimitada pela Lei 11.340/2006, violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Por exemplo, pode caracterizar violência patrimonial o ato de o responsável legal, que tem recursos financeiros, deixar de pagar pensão alimentícia para a mulher. Igualmente, comum é quebrar objetos de valor de comunicação e transporte da mulher, visando desempoderá-la de condições de autonomia e trabalho no cotidiano urbano, onde a dependência das tecnologias é cada vez mais presente;

4) Violência Psicológica de Gênero

Entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima, que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; conforme redação dada pela Lei nº 13.772/2018.

Vejamos alguns exemplos de crimes psicológicos cometidos contra a mulher:

Ameaça: o agressor psicológico ameaça terminar o relacionamento, ferir a vítima de alguma forma ou acabar com algo precioso para ela, como uma amizade ou uma oportunidade profissional;

Humilhação: as humilhações podem ocorrer tanto em momentos íntimos, somente entre a vítima e o agressor, quanto em ambientes públicos. Alguns agressores têm prazer em diminuir as vítimas diante de amigos e familiares para se enaltecerem;

Manipulação: o agressor manipula a vítima emocionalmente por meio de várias artimanhas, como chantagem emocional e distorção da realidade. Assim, ele consegue sempre deixar a vítima perto dele para sofrer mais agressões;

Isolamento social: é comum a violência psicológica acontecer em paralelo com o isolamento da vítima de amigos e familiares para que ela não consiga identificar o que está errado na relação. Além disso, o agressor sente necessidade de controlar a vítima;

Insulto: esta é a forma mais evidente de agressão psicológica. O agressor insulta a vítima de várias maneiras, desde pequenos comentários disfarçados de brincadeiras até xingamentos. Normalmente, o agressor faz a vítima se sentir burra e incapaz, colocando na cabeça dela que precisa dele para viver;

Limitação de direitos: esta forma de violência também se estende ao controle dos direitos de ir e vir da vítima, bem como de se expressar e de interagir com quem ela deseja. O agressor faz de tudo para administrar a vida da vítima da forma como ele bem deseja;

Ridicularização: semelhante à humilhação, a ridicularização tem a intenção de fazer a vítima se sentir inferior. É comum o agressor dizer que ela nunca encontrará alguém como ele porque somente ele aguenta a “estupidez/grosseria/chatice” dela. Outra característica desse tipo de delito é a constância de críticas à aparência, personalidade, modo de falar, vestimentas, entre outros;

Distorção de fatos: a distorção de fatos, também conhecida como gaslighting, pode deixar a vítima confusa sobre a realidade, que incorpora a percepção do agressor como sendo o seu, em função da distorção de acontecimentos, conversas e memórias do mesmo.

5) Violência Moral de Gênero

Ainda conforme a legislação, violência moral inclui qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, que ocorre, respectivamente quando: o agressor ou agressora afirma falsamente que a vítima praticou crime que não foi cometido por ela; quando o agressor atribui à mulher fatos que maculem a sua reputação, ou quando o agressor ofende a dignidade da mulher. Nestes tipos de situações, que também podem ocorrer por meio da internet, a mulher pode ser falsamente acusada pelo agressor por algo que não cometeu, com objetivo de macular sua reputação. Também, pode caracterizar violência moral, xingamentos ou atribuição de fatos que não são verdadeiros.

A violência moral refere-se tanto a crime contra a honra da mulher (honra objetiva, no caso, da calúnia e difamação; e subjetiva, da injúria) quanto crime contra a reputação moral, por meio de opinião, críticas mentirosas e xingamentos. Não deve ser confundido com dano moral, que pode ser tipificado a partir de outros tipos de violência, passível de indenização. Assim como a violência psicológica, caracteriza-se também por atingir a mulher em seu íntimo, causando-lhe danos e constrangimentos, sejam intimamente ou publicamente.

6) Violência Institucional de Gênero (Processual, Escolar e Profissional)

Em 2021 foi aprovado a Lei 14.245, que prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos. Oriunda do Projeto de Lei (PL) 5.096/2020, a norma foi aprovada pelo Senado em outubro, numa pauta dedicada exclusivamente a proposições da bancada feminina, para marcar o encerramento do Outubro Rosa. A nova lei aumenta a pena para o crime de coação no curso do processo, que já existe no Código Penal. O ato é definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa, ficando sujeita ao acréscimo de um terço em casos de crimes sexuais.

7) Violência Vicária de Gênero

A violência vicária, também conhecida como violência por procuração ou indireta. É um conceito complexo e sutil que se insere no contexto da Lei Maria da Penha, legislação brasileira criada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa forma de violência refere-se a situações em que os agressores utilizam terceiros, frequentemente crianças, como meio para alcançar seus objetivos violentos, causando danos emocionais e psicológicos duradouros às vítimas.

A violência vicária é caracterizada pelo uso de pessoas ou relações de dependência para infligir sofrimento à vítima. Um exemplo comum envolve a manipulação de filhos ou familiares próximos para controlar e ameaçar a vítima. Esse tipo de violência atinge a vítima de forma profunda e duradoura, amiúde, afetando sua autoestima, saúde mental e bem estar emocional, podendo se manifestar de várias maneiras, como alienação Parental e coação indireta.

8) Violência Política de Gênero

A violência pode ocorrer no meio presencial ou virtual (fake-news e deepfakes), quando as mulheres que atuam na política são atacadas por eleitores, correligionários e parentes, por ações que se dão de forma gradativa, que, por vezes, resultam em feminicídio. Na condição de candidatas, as mulheres sofrem violência política de gênero, principalmente, por:

  • ameaças à candidata, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave;
  • interrupções frequentes de sua fala em ambientes políticos, impedimento para usar a palavra e realizar clara sinalização de descrédito;
  • desqualificação, ou seja, indução à crença de que a mulher não possui competência para a função a que ela está se candidatando ou para ocupar o espaço público onde se apresenta;
  • violação da sua intimidade, por meio de divulgação de fotos íntimas, dados pessoais ou e-mails, inclusive montagens;
  • difamação da candidata, atribuindo a ela fato que seja ofensivo a sua reputação e a sua honra;
  • desvio de recursos de campanhas das candidaturas femininas para as masculinas;

9) Violência Médica/Química de Gênero

A violência médica é uma forma de desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, que pode se manifestar por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários e/ou sem evidências científicas, afetando negativamente a qualidade de vida das mulheres, no que pode ocasionar abalos emocionais, traumas, depressão e dificuldades na vida sexual.

A violência obstétrica atinge diretamente as mulheres e pode ocorrer durante a gestação, parto e pós-parto, ocorrendo quando é desconsiderado as necessidades e dores da mulher por meio de práticas invasivas e procedimentos sem consentimento da gestante, ou mesmo quando é censurada seu direito de manifestação de dor e mobilidade, bem como, o direito ao parto humanizado.

10) Violência Urbana de Gênero

As mulheres e as pessoas LGBTQIA+ costumam ser o público mais afetado pela sensação de medo que se instaurou na vida das grandes e médias cidades brasileiras. Em função dos altos índices de criminalidade urbana, pessoas do sexo feminino e trans têm sido, frequentemente, privadas do direito à cidade, ao meio ambiente e ao lazer. Essa normalização da exclusão e invisibilização desse público em determinados locais, sobretudo no verde urbanizado (bosques e parques), não favorece a equidade de gênero, sendo dever do Estado criar políticas e programas de segurança pública, de planejamento urbano e de inclusão sexual para universalizar a circulação de todos os cidadãos (trans)femininos pelos territórios citadinos, independentemente do horário.

Sobre o Poder Ecofeminino

O grupo de divulgação científica, cultural e informacional Poder Ecofeminino tem atuado para aumentar o nível de permissão das mulheres por meio do empoderamento feminino e populações LGBTQIA+. Mais do que isso, tem atuado por meio de estratégias de educação comunicativa voltadas para a sensibilização do público leigo, inclusive, os homens, para despertar a sociedade para um ponto de vista mais humano e feminino sobre a natureza e sociedade, no que contribui em prol de uma humanidade mais igualitarista, sustentável e multiculturalista, a partir de 6 eixos norteadores.

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