Trabalhadora doméstica negra é libertada após 28 anos de escravidão em casa de vereadora

O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF) resgatou uma trabalhadora doméstica, negra, de 61 anos, de uma situação análoga à escravidão. A mulher foi resgatada na casa da vereadora Simone Rezende Rodrigues da Silva (União Brasil), conhecida como Simone Cabral, de Além Paraíba (MG). Segundo a fiscalização, a mulher trabalhava para a família há 28 anos.

Simone Rezende Rodrigues da Silva | Foto: Câmara Municipal de Além Paraíba

Oriunda da zona rural de Leopoldina, Minas Gerais, a idosa não teve acesso à educação formal e nunca aprendeu a ler e escrever. A fiscalização apontou que ela trabalhava sem descanso e não tinha direito a lazer ou vida social.

“As violações encontradas no presente caso vão além da simples negação de direitos à trabalhadora. Ao lado da ausência de condições justas, do não-pagamento de salários, da usurpação dos períodos de descanso e lazer, à trabalhadora foi negado o básico para a sua existência como pessoa”, afirma o relatório.

A idosa relatou que nunca recebeu salário e que, quando precisava comprar algo, pedia à vereadora. Segundo a vítima, a patroa teria dito que o dinheiro de sua remuneração estava guardado em um banco, mas ela não sabia que banco, não tinha cartão e nem quanto estaria lá.

Em seu terceiro mandato, a vereadora negou a exploração e disse que a trabalhadora era uma “pessoa da família”. “Ela não tem conta, ela não tem telefone, ela não conhece dinheiro. Ela sabe que nota de 100 é de 100, que de 50 é de 50”, afirmou Simone. A vereadora também alegou que os pagamentos eram feitos em espécie, mas não apresentou comprovantes ou recibos.

Segundo o auditor fiscal Luciano Pereira de Rezende, coordenador da operação a mulher só recebia dinheiro da patroa quando ia visitar a família. “Nas poucas vezes em que ela pode visitar a família em Leopoldina, a empregadora dava algum dinheiro. Dessa forma, os parentes ficavam iludidos de que a vida estava bem. As sobrinhas descobriram que algo estava errado quando calcularam que a tia já estaria com direito a se aposentar e foram atrás dos empregadores para pegar documentação”, afirma.

De acordo com a fiscalização, além de realizar todo o serviço doméstico, ela também atuava como cuidadora noturna do marido de Simone, que sofre de graves problemas de saúde, nos últimos anos. A vítima relatou que não dormia direito pois o patrão poderia passar mal durante a madrugada. Ela também afirmou que não possuía folgas e tinha poucas roupas, todas doadas pela empregadora.

A operação teve início em 2 de dezembro, após denúncia feita ao MPT. Uma medida cautelar da Justiça permitiu a entrada na residência dos empregadores. A família da vereadora foi autuada em 11 infrações trabalhistas, incluindo a manutenção de empregado em condições análogas à escravidão, retenção de documentos e não pagamento de salários.

Por conta do trabalho exercido, os direitos e verbas rescisórias devidas à trabalhadora somam mais de R$ 640,7 mil. Além disso, um acordo de R$ 400 mil também foi fechado através do Ministério Público do Trabalho, para indenização da vítima por danos morais individuais. O caso será investigado criminalmente.

O que diz a vereadora

Diante das recentes reportagens envolvendo nossa família, venho a público esclarecer que Manoelina Jorge, conhecida como Manu, começou a trabalhar conosco há cerca de 25 anos. Durante todo esse tempo, sempre a tratamos com respeito e a consideramos parte da família. Ela participou de viagens, festas, aniversários e casamentos, sempre teve seu próprio quarto em nossa residência e recebeu seus pagamentos. Nos finais de ano, sempre que desejou, ela visitou sua família.

É estranhável que, caso houvesse falta de pagamento, sua família nunca tenha buscado esclarecimentos ou tomado providências, o que, de fato, nunca aconteceu. Em relação à sua deficiência auditiva, tentamos levá-la a um médico especialista, mas ela recusou. Da mesma forma, apesar de termos matriculado Manu no programa EJA da Escola Estadual Sebastião Cerqueira, ela optou por não frequentar as aulas.

O problema identificado foi de natureza trabalhista e tributária, nunca algo que comprometeria sua aposentadoria, a qual ocorrerá aos 62 anos, em julho de 2025. As pendências foram resolvidas por um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, com valores definidos por auditores fiscais.

Reforçamos que o trabalho análogo à escravidão é um crime grave e deve ser combatido. Contudo, a Manu nunca esteve nessa condição. Qualquer pessoa que frequentou nossa casa pode testemunhar o carinho mútuo entre nós, e as fotos anexadas a esta nota corroboram isso. Equiparar débitos trabalhistas a situações de escravidão desrespeita quem realmente enfrenta essa condição. Cumprimos o TAC e seguimos à disposição para mais esclarecimentos.

Por fim, destaco que, em 30 anos de vida pública e quase 25 anos como profissional liberal, nunca respondi a processos administrativos ou judiciais, nem tive ações trabalhistas. Estou à disposição para esclarecer esse assunto.

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