Pesquisador da UFG se destaca na ciência global com descobertas sobre fungos

Sendo um dos mais jovens pesquisadores na lista dos mais influentes do mundo em 2023, segundo a pesquisa da Universidade Stanford em parceria com a editora Elsevier, Jadson Diogo Pereira Bezerra, traz uma trajetória inspiradora que se entrelaça com sua paixão pela micologia e parasitologia. Natural de Pernambuco, Jadson, de 37 anos, é professor e pesquisador adjunto na Universidade Federal de Goiás (UFG) e dedica sua carreira ao estudo dos fungos e suas interações com o meio ambiente. Sua jornada acadêmica começou no município de Águas Belas, uma cidade marcada pela diversidade cultural e ambiental, onde desde cedo teve contato com comunidades indígenas e quilombolas. Essa vivência moldou sua perspectiva sobre a importância da preservação ambiental e o papel da ciência na sociedade.

Jadson relatou ao Jornal Opção que seu interesse pela biomedicina e microbiologia surgiu durante seus anos de formação na Escola Municipal Santa Cecília. “A escola investiu muito na Semana do Meio Ambiente, passou por vários fatores e eu fiquei 11 anos na mesma escola”, explica ele. Esse ambiente estimulante o levou a escolher Ciências Biológicas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde teve a sorte de conhecer professoras que influenciaram decisivamente sua carreira: “Foi a professora Laura Mesquita Paiva e a professora Cristina Sousa Mota que despertaram em mim esse interesse por ajudar os fungos”, revela.

Durante sua graduação, Jadson se envolveu em projetos de popularização da ciência, onde teve a oportunidade de interagir com a comunidade escolar. Essa experiência não apenas solidificou seu amor pela pesquisa, mas também o motivou a se tornar um educador. “Eu decidi fazer uma estrada em biologia e estudo dos fungos”, conta ele, referindo-se ao seu caminho acadêmico que culminou em um doutorado focado em micologia.

Pesquisa e contribuições acadêmicas

A carreira de Jadson é marcada por uma série de pesquisas inovadoras que exploram a diversidade e a bioprospecção de fungos no Brasil. Ele destaca que “o Brasil é um dos países do planeta que mais forma estudiosos de fungos”, mas ainda contribui pouco para o estudo dessa biodiversidade. Com isso em mente, ele tem se esforçado para expandir o conhecimento sobre os fungos do Cerrado, um ecossistema rico e ameaçado.

Uma das pesquisas mais significativas de Jadson foi realizada durante seu doutorado na UFPE, onde estudou fungos associados a cactos da Caatinga. “Estudamos, especificamente a palma forrageira, também conhecida como Opuntia ficus-indica. Essa planta é característica da região onde cresci, convivendo com minha família, amigos e comunidade, além de ser parte do meu aprendizado escolar. Nossa equipe coletou amostras dessa planta na Caatinga e as levou para o laboratório em Recife, onde realizamos os primeiros estudos sobre os fungos associados a ela”, afirma ele. O trabalho resultou na publicação do terceiro estudo mundial sobre fungos associados a essa planta específica, destacando a importância da pesquisa brasileira no cenário internacional.

“O fato mais interessante era que, globalmente, havia apenas dois estudos similares até então: um na Austrália e outro nos Estados Unidos. Assim, quando publicamos nossos resultados, nosso trabalho tornou-se o primeiro no Brasil a abordar fungos associados aos cactos da Caatinga. A partir dessa conquista pioneira, o nosso grupo continuou desenvolvendo outros estudos com o mesmo enfoque”, conta o professor.

Além disso, Jadson tem colaborado com instituições estrangeiras, incluindo universidades na Holanda, China e México. Essas parcerias, segundo ele, têm sido cruciais para validar suas hipóteses e enriquecer suas pesquisas. “A colaboração com os estrangeiros é extremamente importante para mostrar para a comunidade científica internacional aquilo que nós estamos produzindo no Brasil”, enfatiza.

O impacto das descobertas

As descobertas de Jadson não se limitam apenas à descrição de novas espécies; elas também têm implicações práticas significativas. Ele menciona que os fungos estudados podem ter potencial para inibir patógenos em plantas agrícolas.

“Todo o material que a gente usa, potencialmente pode ter fungo patogênico. Então nós sempre trabalhamos com o material coletado, como eu costumo dizer para os alunos, com muito respeito. Porque ali pode ter um patógeno e a gente não sabe que ele está ali”, explica. Segundo ele, esses organismos fazem parte do ambiente natural, e cabe aos pesquisadores adotar uma abordagem cautelosa ao entrar nesses ecossistemas para coletar amostras, como solos e folhas, que frequentemente abrigam esses patógenos.

Embora a pesquisa realizada pelo grupo de Jadson geralmente não se concentre em fungos diretamente causadores de doenças em humanos, animais ou plantas, muitas das espécies estudadas apresentam um comportamento peculiar, classificado como “patógenos latentes”. “Porque no momento que a gente estuda, ele não é patogênico para a planta, mas se a planta passa por um impacto abiótico ou biótico que muda o seu estilo de vida, sua fisiologia, ele pode se tornar patógeno.” Ele explica que, enquanto as condições ambientais estão equilibradas, esses fungos coexistem com a planta sem prejudicá-la. Porém, caso a planta enfrente situações de estresse ambiental, como alterações climáticas ou escassez de recursos, esses organismos podem adotar um comportamento patogênico.

Além disso, Jadson destacou os esforços do grupo de pesquisa em explorar o potencial desses fungos para diversas finalidades. Fungos isolados de plantas e cavernas do Cerrado têm sido examinados para entender sua capacidade de inibir o crescimento de microrganismos patogênicos, sejam eles bactérias ou outros fungos de relevância na saúde humana, veterinária ou agrícola. Essa iniciativa abrange colaborações com laboratórios da UFG, como o Laboratório de Biotecnologia Ambiental e Ecotoxicologia (LaBAE), coordenado pelo professor Thiago Rocha, que tem investigado o uso desses fungos no combate a caramujos, os hospedeiros intermediários do parasito causador da esquistossomose.

Fungos que transformam o Cerrado

Logo no início de seu trabalho na UFG, Bezerra e sua equipe começaram a isolar fungos de plantas medicinais e, após cinco anos de estudos, celebraram os primeiros avanços científicos publicando pesquisas que homenageiam a universidade, em comemoração aos seus 64 anos. “Além disso, outros fungos identificados receberam nomes em homenagem a Cora Coralina e Pirenópolis, localidades significativas para a pesquisa”, compartilha.

Outro exemplo da aplicação prática dessas pesquisas ocorre no campo da agricultura, com o Laboratório de Patologia de Invertebrados (LPI), coordenado pelo professor Hervé. Esse laboratório estuda o uso de fungos do Cerrado no controle de pragas agrícolas, incluindo insetos e outros agentes causadores de doenças em lavouras.  Um dos resultados mais promissores da pesquisa é o estudo do fungo do gênero Trichoderma, encontrado em solo de cavernas do Cerrado. “Este fungo tem se mostrado eficaz no controle de pragas agrícolas”, afirma Bezerra. Ele acrescenta que colaborações com outras instituições, como a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) em Pernambuco, estão em andamento para testar a aplicação desses fungos em plantações de frutas.

Jadson mencionou ainda que, a partir de fevereiro do próximo ano, novos experimentos serão iniciados para avaliar se esses fungos podem ser aplicados no combate a doenças que afetam plantações de soja, milho, feijão e até os solos onde essas culturas se desenvolvem. Além disso, seus estudos sobre fungos endofíticos – aqueles que vivem dentro das plantas sem causar doenças – revelam como esses organismos podem beneficiar as plantas ao melhorar sua resistência a estresses ambientais. Pesquisa que é um destaque em tempos de mudanças climáticas.

O processo de identificação dos fungos

A coleta dos fungos acontece em locais específicos, como cavernas e plantas do Cerrado. No caso das cavernas, o procedimento é meticuloso. “Levamos placas de Petri com meio de cultura, uma delas com corante rosa que retarda o crescimento de alguns fungos, e as expomos por 20 minutos para capturar micro-organismos presentes no ar”, descreve Jadson. Para fungos do solo, pequenas amostras são coletadas e processadas no laboratório. Já com as plantas, o foco é em espécies saudáveis, das quais se retiram folhas e ramos.

Esse trabalho rendeu um acervo impressionante, com cerca de 6 mil fungos catalogados, dos quais 2 mil já foram identificados detalhadamente. “Esse processo depende do ritmo da pesquisa e da urgência em cada projeto, mas em média, conseguimos identificar 200 fungos em dois meses quando há necessidade,” comenta o microbiologista.

As descobertas também têm impacto no conhecimento da biodiversidade brasileira. “O Brasil possui cerca de 30 mil cavernas, mas apenas 30 foram estudadas para fungos. Muitas dessas cavernas estão no Cerrado, e nossos estudos têm mostrado sua importância não apenas para o controle biológico, mas também para a preservação do ecossistema,” destaca.

Jadson Bezerra analisando coleta de fungos | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Entre reflexões sobre sua área de pesquisa, Jadson compartilha um dado fascinante: a estimativa de que existam cerca de 3 milhões de espécies de fungos no planeta, das quais apenas uma pequena fração foi descrita. Ele relaciona isso com situações do cotidiano, sugerindo que é possível que estejamos, sem perceber, em contato constante com espécies ainda desconhecidas. “Eu sempre digo: você pode estar agora na sua casa respirando uma espécie nova de fungo e não sabe.”

Essa realidade, segundo Jadson, reforça a importância dos micologistas e de quem se dedica ao estudo desses organismos essenciais para a vida, mas frequentemente invisíveis. Ele desmistifica a ideia de que fungos estão associados apenas a doenças, mostrando o quanto estão integrados à nossa rotina. “Quem gosta de tomar cerveja, pinga, quem já tomou antibiótico, quem usa detergente em pó, entre tantas outras coisas, tem fungo ali que é um produto do fungo ou o próprio fungo, e a gente está se alimentando com o produto dele ou com ele mesmo.”

Para ele, essa perspectiva aumenta a responsabilidade da comunidade científica em ampliar as investigações sobre a diversidade de fungos nos ecossistemas brasileiros, incluindo o Cerrado, e em outros lugares do mundo.

Ao descrever os bastidores da pesquisa científica, Jadson ressalta o trabalho árduo e as etapas rigorosas envolvidas antes que um estudo seja publicado. Ele compara esse processo a uma jornada complexa, cheia de desafios e reflexões contínuas. “Eu sempre digo que os bastidores da pesquisa científica são tão importantes quanto a pesquisa publicada. É como uma via crucis: várias estações pelas quais passamos, lidamos com erros, investigamos as causas, reunimos a equipe para ajustar o que for necessário. Cada etapa é crucial.”

Iniciativas que unem pesquisa e educação ambiental 

Jadson Bezerra conta ainda como a Universidade Federal de Goiás (UFG) tem investido em ações que promovem a troca de experiências entre escolas e a comunidade científica. Segundo ele, essas iniciativas buscam conectar o conhecimento acadêmico ao dia a dia dos estudantes e à comunidade em geral, ao mesmo tempo em que despertam o interesse pela ciência.

“Temos um projeto de extensão em que, de tempos em tempos, vamos até escolas para ministrar aulas teóricas. Não apenas os professores, mas também estudantes de graduação e pós-graduação participam. Depois, os alunos do colégio têm a oportunidade de visitar o instituto, onde conhecem a prática científica. Eles colocam jaleco, luvas, e acompanham a rotina nos laboratórios, tudo supervisionado por nossa equipe.”

Jadson Bezerra aproxima conhecimento acadêmico de estudantes e comunidades locais | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Essas visitas, que já se tornaram uma tradição para Jadson e sua equipe, fazem parte de um esforço contínuo de três anos para aproximar ciência e educação básica. Ele conta que os estudantes são divididos em grupos menores para que possam interagir de forma mais imersiva. “A rotina do laboratório começa cedo, e normalmente os estudantes passam de duas a três horas conosco, explorando os equipamentos e conhecendo o método científico na prática.”

Além dessas visitas, outras iniciativas ampliam o impacto da extensão acadêmica. A equipe liderada por Jadson esteve recentemente em Niquelândia, onde realizou pesquisas sobre fungos em cavernas. O objetivo foi explicar à comunidade local os detalhes desse trabalho. “Mostramos o que estudamos quando entramos nas cavernas e como essas pesquisas podem beneficiar a compreensão da biodiversidade daquela região.”

Segundo Jadson, o próximo ano promete trazer novidades. “Já temos parcerias científicas com algumas escolas, como a preparação de lâminas para os alunos analisarem fungos ao microscópio. Vamos aprimorar essa atividade em 2025, tornando-a mais abrangente e acessível.”

Jadson destaca que essas atividades são gratuitas e promovem divulgação científica, não apenas de forma presencial, mas também por meio das redes sociais. O grupo de pesquisa possui um perfil no Instagram, onde compartilha informações sobre fungos e ações da equipe. Além disso, ele menciona um projeto audacioso para o futuro: “Estamos planejando um livro sobre fungos do Cerrado. A publicação está prevista para os próximos quatro ou cinco anos e será resultado das descobertas realizadas ao longo do projeto.”

Por fim, o biólogo reflete sobre a importância dessas iniciativas. Para ele, a divulgação científica é fundamental para estimular o interesse pelas ciências naturais e aproximar a comunidade da pesquisa acadêmica. “Esse contato direto com as escolas, tanto em aulas teóricas quanto nas visitas práticas aos laboratórios, é uma oportunidade de compartilhar experiências e incentivar novas gerações a explorarem a ciência. É um trabalho que exige dedicação, mas que tem dado resultados muito positivos.”

A vida pessoal e profissional

Em 2019, Jadson mudou-se para Goiânia para assumir uma posição na UFG. A adaptação à nova cidade não foi fácil inicialmente, especialmente devido à pandemia que se seguiu à sua chegada. No entanto, ele encontrou apoio entre colegas e conseguiu estabelecer uma rotina equilibrada entre ensino e pesquisa: “Eu sempre digo que a gente não vive sozinho”.

A rotina de Jadson é intensa, mas bem estruturada. Com um equilíbrio entre trabalho, lazer e saúde, ele prioriza atividades físicas e momentos de descontração para manter o bem-estar. “A minha rotina é, precisa, como a gente costuma dizer, tem que treinar para não enlouquecer. Então vai para o treino, na academia, vem para o trabalho, depois vai para outras atividades, reúne com os alunos, conhece lugares novos em Goiânia.”

Jadson Diogo Pereira Bezerra | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Adaptação não foi apenas uma questão de trabalho e rotina. Ele também se permitiu descobrir os sabores locais, embora ainda mantenha suas preferências culinárias específicas. “Eu consegui me adaptar muito bem à comida. Eu não como pequim, eu não gosto. Mas tem outras comidas que me agradam muito, como a pamonha que acho deliciosa.” 

Sua família permanece em Pernambuco, mas Jadson mantém laços fortes com suas raízes. Ele conta que este final de ano já está marcado para estar com seus pais e comemorar o aniversário da mãe: “Ela ainda não sabe que eu vou chegar”, compartilha com um sorriso.

A importância da ciência

Jadson conta ao Jornal Opção que acredita firmemente que a ciência é um investimento essencial para o futuro da sociedade. “A ciência não é gasto; ela é investimento”, defende ele. Ele ressalta como as descobertas científicas impactam diretamente nossas vidas diárias – desde alimentos até medicamentos – sublinhando a necessidade urgente de mais apoio financeiro para pesquisas.

Ele também enfatiza a importância da formação contínua de novos pesquisadores: “Precisamos investir na formação de novos micologistas”. Para isso, Jadson tem trabalhado em projetos que visam capacitar estudantes tanto na graduação quanto na pós-graduação.

Reconhecimentos e parcerias

Com um trabalho minucioso e colaborativo, a equipe liderada por Jadson também celebra as contribuições de instituições parceiras. Recentemente, um novo fungo, identificado em uma caverna de Vila Propício, em Goiás, foi nomeado em homenagem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). “Essa parceria reflete o quanto é essencial o apoio de instituições nas pesquisas,” ressalta o biólogo.

Prêmio por nova espécie de fungo encontrada no Cerrado goiano | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Além das cavernas, as parcerias incluem projetos com outras universidades, como a Federal de Alagoas (UFAL) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). “Recebemos sedimentos de manguezais e realizamos a identificação dos fungos em nossos laboratórios. Esse esforço conjunto é importante para um grande projeto nacional sobre os manguezais do Brasil”, explica.

Os estudos realizados no Cerrado têm desdobramentos que ultrapassam as fronteiras acadêmicas. Jadson destaca a importância da divulgação científica para engajar a sociedade e aproximá-la dos avanços realizados. 

Um dos futuros marcos da equipe será a publicação de um livro sobre fungos do Cerrado, com lançamento previsto em alguns anos. “Será uma forma de compilar e disseminar todo o conhecimento acumulado e proporcionar acesso gratuito à população, reforçando nosso compromisso com a ciência e a educação,” conclui. À medida que continua desvendando os mistérios dos fungos do Cerrado e além, Jadson não apenas contribui para o avanço do conhecimento científico, mas também inspira futuras gerações de cientistas a seguir seus passos. Como ele mesmo diz: “Tudo no início é um grande mistério”. E é através desse mistério que novas descobertas estão sempre à espera de serem feitas.

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