Em desentendimento com governo federal, Caiado apresenta contraproposta para PEC da Segurança Pública

Buscando promover maior autonomia aos estados e, ao mesmo tempo, impedir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo federal que visa dar mais poder de atuação às forças de segurança federais, o governador Ronaldo Caiado (UB) enviou uma uma contraproposta própria para inibir o que ele chama de “cortina de fumaça” para “concentração de poder”.

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No documento, o governador propõe dar mais autoridade para os entes federados legislarem sobre questões penais, como crimes contra o patrimônio, meio ambiente e contra a dignidade sexual. O mandatário estadual também pontuou o contingenciamento de recursos dos fundos de segurança para estados que optem por não seguir as diretrizes de segurança do governo federal.

“A referida PEC, em síntese, expande as competências privativas e exclusivas da União Federal, concentrando no órgão central atribuições e prerrogativas que hoje são titularizadas pelos Estados-membros. Em síntese, é possível afirmar que a almejada reforma constitucional proposta pelo Governo Federal institui verdadeira relação de subordinação dos Estados e Municípios à União em matéria de segurança pública, quando o contrário é que deve ocorrer, em nome da descentralização, eficiência e, logo, mais democracia”, diz trecho do anteprojeto.  

Segundo Caiado, a proposta apresentada pelo governo representa um “retrocesso ímpar”. A principal crítica do governador goiano é o aval que o texto dá à União para determinar diretrizes gerais para a segurança pública, incluindo no sistema penitenciário. 

Mesmo não tendo apoio de outros chefes do Executivo estadual, o governador afirmou que irá trabalhar “fortemente” para derrubar a PEC do governo Lula.  Atualmente, a proposta elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública está sendo finalizada na Casa Civil, para ser apresentada ao Congresso Nacional.

Crimes coloquem proposto em xeque 

No documento, Caiado diz ainda que crimes recentes escancaram a inaptidão da União Federal para o combate à criminalidade violenta e às organizações e facções criminosas. São eles:

  • Caso Antônio Vinícius Lopes Gritzbach: o corretor de imóveis e delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) foi executado a tiros de fuzil no dia 8 de novembro no Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo – o maior da América Latina. O governador disse que o crime foi uma falha da Polícia Federal (PF) que não conseguiu prever ou reagir ao crime por meio de ações de inteligência;
  • Atentado terrorista em Brasília: Em 13 de novembro, o homem-bomba Francisco Wanderley Luiz, protagonizou um ataque terrorista na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O autor do crime explodiu um veículo perto da Câmara dos Deputados e arremessou explosivos em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal e à estátua “A Justiça”, antes de cometer suicídio. Caiado pontuou que Francisco agiu sem que os órgãos de segurança do Governo Federal identificassem a ameaça; 
  • Resgate de militares do Exército: No dia 18 de novembro, militares do Exército foram atacados a tiros na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. A Polícia Militar do estado foi acionada para socorrer a corporação de militares, além de promover o patrulhamento da área para restabelecer a segurança local, fato que colocou em xeque a preparação das forças sob comando do governo Lula, conforme o anteprojeto; 
  • Roubo de veículos do G-20: Entre os dias 14 e 16 de novembro, dois carros da comitiva do G-20 foram roubados em ocasiões distintas – sendo que um dos veículos foi recuperado por policiais civis e militares do Estado do Rio de Janeiro. 

“Tais fatos, em limitado recorte temporal, bem demonstram as recorrentes e graves falhas da União na gestão da segurança pública. […] Portanto, não é possível se afirmar, de modo algum, que os Estados membros não possuem aptidão necessária para liderar a gestão da segurança pública, demandando tutela da União Federal – que, ao contrário, não vem demonstrando bons resultados na área”, reforçou.  

O mandatário estadual ainda comparou os resultados do governo federal com o índice de criminalidade em Goiás. Conforme dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP), houve quedas nos crimes de homicídio (56%), latrocínio (88%), furto e roubo de veículos (80%), roubos a instituições financeiras (100%) e a transeuntes (88%) nas comparações de 2018 a 2024. 

Somente no primeiro semestre de 2024, foram cumpridos 4.997 mandados de prisão e apreensão, abordados 584.937 veículos e 840.445 pessoas e recuperados 1.900 veículos com registro de furto ou roubo. Além disso, foram realizadas 12.224 prisões em flagrante e desarticulados 124 grupos de crime organizado. As forças de segurança pública estaduais também capturaram 4.015 foragidos da Justiça, apreenderam 2.319 armas de fogo e mais de 12 toneladas de drogas.

Especialista comenta PEC 

O especialista em segurança pública, Franceildo dos Santos, explica que a PEC pode provocar instabilidade nas forças policiais, visto que cada estado tem a própria particularidade e infraestrutura, impossibilitando uniformizar um modelo único contra a violência, como previsto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo ele, o ideal seria uma estratégia de fortalecer os estados em relação às suas particularidades. O especialista conta que o decreto de uso seletivo da força já existe e que apenas basta colocá-lo em prática. 

“Os estados e o Instituto Federal podem vir a sofrer consequências como, por exemplo, um aumento na criminalidade, uma dificuldade para elucidar determinado crime e até mesmo a dúvida da ação diante do policial e diante de um crime. Se ele pode ou não utilizar aquelas ferramentas, porque se ele não utilizar, qual a interpretação que pode vir no futuro”, explica.

“Então isso, de certa forma, inibe. A insegurança jurídica no uso da força, ela acaba levando esse policial à omissão. Talvez isso seja a maior penalidade para a sociedade”, reforça o especialista. 

Franceildo diz que o mais viável neste contexto é a contraproposta de Caiado. Segundo ele, o projeto iria reforçar o combate à criminalidade tanto dentro quanto fora dos presídios – berço das grandes organizações criminosas. 

“A força policial fica refém, ela não tem, na prática, essa autonomia que deveria ter para o combate ao crime. Então, o bandido ao praticar determinado crime, tem uma certeza dessa impunidade. O governador Caiado deixou isso bem claro, um dos maiores elementos do crime em Goiás mora em outro estado, mas não tem condições de chegar lá porque a lei não permite a incursão da polícia. Deveria haver um plano de governo para as particularidades do estado, não um plano eleitoreiro”, concluiu. 

Franceildo dos Santos diz que contraproposta de Caiado seria mais efetiva que PEC do governo federal | Foto: Reprodução

PEC

 O Governo Federal tem avançado na construção da PEC da Segurança Pública que, em tese, visa reorganizar e fortalecer o sistema de segurança brasileiro. A base da proposição é integrar os entes federados ao conferir status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de forma semelhante ao que ocorre com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com o Sistema Nacional de Educação (SNE). A ideia é garantir maior eficiência nas ações de segurança em todo o País, com diretrizes gerais que considerem as particularidades e a autonomia dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.  

O projeto, que está em análise na Casa Civil e que será enviado, em breve, ao Congresso Nacional, busca criar mecanismos para padronizar protocolos essenciais, como boletins de ocorrência e mandados de prisão – o que, segundo o projeto, tornaria os processos mais ágeis e eficazes. O governo federal argumenta que sem integração, dados sobre crimes e criminosos podem se perder e, assim, prejudicar investigações e operações conjuntas. A PEC busca trazer uma linguagem única para a segurança pública no Brasil.

Veja o que muda

  • Susp: criado em 2018 por lei ordinária, o Susp ganha status constitucional. Isso significa maior estabilidade e proteção contra mudanças políticas de curto prazo. Ele servirá de base para a integração das forças de segurança em nível federal, estadual e municipal.  
  • Atualização das competências da PF e da PRF: a PF terá a ampliação de sua atuação em crimes ambientais e outros de repercussão interestadual ou internacional. A PRF, por sua vez, se tornará uma polícia ostensiva federal, atuando não apenas nas rodovias, mas nas ferrovias e hidrovias, além de apoiar as operações estaduais.  
  • Padronização nacional: será criada uma linguagem única para a segurança pública, com padronização de boletins de ocorrência, mandados de prisão e outros protocolos, o que facilitará a comunicação entre as polícias de diferentes unidades da Federação.  
  • Recursos contínuos: a PEC constitucionaliza o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária. A medida visa dificultar cortes ou desvios de recursos. Isso garante a continuidade de investimentos em tecnologia, capacitação e equipamentos para as forças de segurança.  
  • Diretrizes nacionais para a segurança pública: a União passa a ser responsável por definir diretrizes gerais para a política de segurança e defesa social, incluindo o sistema penitenciário, de modo a estabelecer uma abordagem integrada e articulada em todo o País.  

Veja o que não muda

  • Autonomia dos estados: os estados e os municípios continuarão responsáveis pelo comando e pela gestão de suas próprias polícias. A PEC não interfere nas competências locais.  
  • Sistemas descentralizados: não haverá a centralização dos sistemas de tecnologia da informação e as unidades federativas não precisarão mudar suas plataformas tecnológicas. Isto é, a PEC não centralizará o uso de sistemas de tecnologia da informação.  
  • Sem novos cargos: a proposta não cria cargos públicos, mas ajusta os que já existem de acordo com as funções necessárias. 

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