Como freiras ajudaram a revelar segredos do Alzheimer

Em 1986, o epidemiologista e neurologista David A. Snowdon iniciou uma pesquisa inovadora nos Estados Unidos: acompanhar centenas de freiras idosas para entender melhor os fatores que contribuem para o Alzheimer e outras formas de demência.

O projeto, conhecido como Nun Study (Estudo das Freiras), se tornou uma das pesquisas mais influentes sobre o envelhecimento cerebral e já rendeu descobertas cruciais para a neurociência.

Quase 40 anos depois, o Estudo das Freiras ainda é considerado um marco científico. Ele ajudou a revelar o papel da reserva cognitiva, da educação, da genética e até de características emocionais na proteção contra doenças neurodegenerativas.

O principal diferencial do Estudo das Freiras é o perfil homogêneo das participantes. As 678 freiras da ordem Irmãs Escolares de Nossa Senhora tinham rotinas semelhantes: não consumiam álcool, seguiam dietas parecidas, tinham estilos de vida regrados e um nível educacional comparável.

Essa uniformidade reduziu a interferência de fatores externos, permitindo aos cientistas isolar e analisar com mais precisão os elementos que influenciam o desenvolvimento do Alzheimer e outras demências.

Um dos achados mais importantes foi a confirmação do conceito de reserva cognitiva — a ideia de que quanto mais o cérebro é estimulado ao longo da vida, mais resistente ele se torna ao avanço da demência.

Ao analisar cartas e redações escritas pelas freiras quando jovens, os pesquisadores notaram uma relação direta entre a complexidade linguística dos textos e o risco de Alzheimer décadas depois. Freiras que demonstravam vocabulário rico e pensamento elaborado apresentaram menor risco de desenvolver a doença na velhice.

Segundo a neurologista Elisa Resende, da UFMG, essa reserva funciona como uma “musculação cerebral”: quanto mais o cérebro é exercitado, mais conexões neuronais ele cria — e mais difícil é para a demência prejudicar suas funções.

O Estudo das Freiras também trouxe novas perspectivas sobre a influência genética no Alzheimer, com destaque para o gene APOE4, o principal fator de risco genético para o desenvolvimento da doença.

A neuropatologista Margaret Flanagan, atual líder do projeto na UT Health San Antonio, explica que as freiras com uma ou duas cópias do APOE4 tinham um risco significativamente maior de desenvolver demência.

A análise pós-morte dos cérebros das freiras também revelou algo surpreendente: muitas apresentavam grandes quantidades das proteínas beta-amiloide e Tau, associadas ao Alzheimer, mas não tinham demonstrado nenhum sinal de perda de memória ou raciocínio durante a vida.

Esse fenômeno reforça o conceito de resiliência cerebral — a capacidade de alguns cérebros resistirem aos danos típicos da demência graças a outros fatores protetores, como educação, estilo de vida e possivelmente até traços de personalidade, como otimismo.

Outro avanço trazido pelo Estudo das Freiras foi a descoberta da demência mista. Muitos dos casos analisados não eram Alzheimer puro, mas sim uma combinação com outras doenças neurodegenerativas, como: demência vascular, demência frontotemporal e demência por corpos de Lewy.

Essa mistura de patologias torna o diagnóstico e o tratamento ainda mais complexos. Os especialistas apontam que, no futuro, será necessário desenvolver terapias combinadas que considerem múltiplas causas para tratar os pacientes com mais eficácia.

Mesmo após quatro décadas, o Estudo das Freiras está longe de terminar. Os cientistas trabalham atualmente na digitalização de cartas, exames e amostras para criar um banco de dados que será analisado com o auxílio da inteligência artificial.

A expectativa é que, com essas novas ferramentas, seja possível encontrar padrões ocultos e respostas para perguntas ainda sem solução, como:

  • O que realmente inicia o acúmulo das proteínas beta-amiloide e Tau?
  • Como a educação atua biologicamente no cérebro?
  • Quais fatores tornam um cérebro mais resistente ao Alzheimer?

Além dos achados científicos, o Estudo das Freiras também revelou um aspecto curioso: o otimismo pode proteger o cérebro. Análises mostraram que freiras com um tom mais positivo em suas redações autobiográficas apresentaram menor risco de demência.

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