Invasões em Brasília: protesto liderado pela esquerda é passeio no Céu e protesto da direita é passeio no inferno?

Uma das vantagens (poucas) da velhice é o acúmulo de experiências. Ele nos dá uma ferramenta para a análise dos fatos, pela comparação. É comparando que se conhece, afirmava o filósofo inglês Herbert Spencer.

Além desse sentido prático para a vida, a experiência nos permite um reviver, sem o qual seria insuportável a senectude. “Pobre do jovem que não tem esperanças, pobre do velho que não tem lembranças”, disse algum sábio. Na dramática situação brasileira, me veio à mente comparar dois fatos que pude observar, idênticos em essência, mas diferentes em seus desdobramentos.

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O primeiro episódio ocorreu em 6 de junho de 2006, no primeiro governo Lula da Silva, quando cerca de 500 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiu o prédio do Congresso, que se encontrava em atividade.

O MST pretendia a revogação da medida provisória 2183/2001 — que dificultava invasões e a implantação urgente de uma reforma agrária. Seus membros estavam armados de paus e pedras e tinham um passado de violência, com várias mortes inclusive.

Quando se dirigiam para o gabinete do presidente da Câmara, Aldo Rebelo, alguns poucos seguranças do Congresso e funcionários tentaram impedi-los e foram selvagemente espancados, ficando dezenas feridos.

O Coordenador de Segurança Normando Fernandes ficou dias em coma, entre a vida e a morte, com afundamento craniano e edema cerebral, em uma UTI de um hospital de Brasília. Foi violentamente agredido com um bloco de pedra e carregaria sequelas pela vida afora.

Além disso, os sem-terra destruíram tudo que encontraram pela frente: móveis, obras de arte, equipamentos do departamento médico e até um automóvel que estava no saguão, em rifa beneficente.

A polícia, chamada pelo então deputado Aldo Rebelo, deteve cerca de 400 arruaceiros (não deteve idosos e crianças), mas foi pressionada pelo governo federal para liberá-los. E acabou cedendo, mas um delegado presente manteve 32 presos em flagrante, apontados por testemunhas como os mais violentos.

Afinal, havia destruição de patrimônio público, formação de quadrilha e, pior, tentativa de homicídio. E havia um chefe, chamado Bruno Maranhão.

Figura ímpar: pernambucano, filho de usineiros, na universidade Bruno Maranhão tornou-se revolucionário, foi terrorista no regime militar, exilou-se na França e depois no Chile. Voltou com a anistia, foi um dos fundadores do PT e era amigo de Lula da Silva.

Revolucionário e sem-terra, Bruno Maranhão vivia em uma mansão de três pavimentos no bairro elegante de Boa Viagem, em Recife. E passava temporadas em caro apartamento duplex em Higienópolis, São Paulo. As moradias pertenciam a sua família de usineiros e ficavam à sua disposição, como não lhe faltou dinheiro no exílio. Foi “esquerdista caviar”, até sua morte em 2014, como há muitos por aí.

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O segundo episódio é do dia 8 de janeiro de 2023, quando uma parcela das mais de 1.000 pessoas que protestavam frente aos quartéis invadiu Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palacio do Planalto, que, por ser domingo, se encontravam inativos.

Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 | Foto: Reprodução

Protestavam contra a descondenação e posse de Lula da Silva e a falta de transparência no processo eleitoral.

Haviam protestado de maneira pacífica por mais de dois anos, mas, nesse dia, uma parte deles partiu para a depredação, mesmo ignorando o apelo da maioria para que não o fizesse.

Quem leu “Psicologia das Multidões” do sociólogo francês Gustave Le Bon, sabe como funciona uma turba, provocada por um agitador. Basta uma centelha, para que o incêndio se alastre. A depredação foi grande, embora dela tivesse participado apenas uma pequena parte dos manifestantes.

Confira o que aconteceu nos dois casos

As diferenças das prisões

No episódio de 2006, houve apenas uma detenção por algumas horas do grosso da turba invasora.

Os manifestantes foram liberados e foram efetuadas apenas as prisões de Bruno Maranhão e dos que haviam agredido os funcionários da Câmara. Mesmo estes ficaram presos apenas por um mês, tendo sido liberados após interferência do governo Lula da Silva, via do chefe da Ouvidoria Agrária Nacional, Gercino José da Silva, que alegava serem os agressores pessoas de boa conduta (!), sem antecedentes.

Ninguém ficou preso e pasme, leitor: na posse de Lula da Silva no seu segundo mandato, alguns meses depois, um dos convidados especiais era Bruno Maranhão. E Lula da Silva, em declarações dias atrás, e referindo-se às depredações recentes, disse que nunca houvera vandalismo igual, na nossa história. Esquecimento ou desfaçatez?

No episódio mais recente, no dia da depredação foram presos por ordem do STF (leia-se ministro Alexandre de Moraes) mais de 1.200 manifestantes, que foram detidos pela cidade de Brasília e à porta dos quartéis.

Até idosos, mulheres e crianças foram levados para uma espécie de campo de concentração na Academia da Polícia Federal. Alguns sequer tinham participado da passeata e a maioria sempre esteve longe do quebra-quebra.

Foi o terceiro campo de concentração estabelecido em terras brasileiras: o primeiro foi ao fim da Guerra de Canudos, em 1897, quando o Exército reuniu os sobreviventes do arraial, quase todos mulheres, velhos e crianças.

O segundo, em 1942, quando os imigrantes japoneses no Brasil, que participavam de colônias agrícolas, foram confinados em Tomé-Açu, no Pará, por influência dos Estados Unidos, que alegavam ser possível uma espionagem por parte dessa população.

Quando escrevo, poucos dos presos recentes foram liberados. Os demais permanecem presos, estão sendo processados e recebendo pesadas penas de prisão.

O então ministro da Justiça, o comunista Flavio Dino, agora ministro do STF, deve ter se alegrado. Pela primeira vez, desde a morte de Stálin, mais de mil “dissidentes” foram encarcerados de uma só vez.

O presidente Lula da Silva decretou intervenção federal na Segurança Pública do Distrito Federal, mas o STF (ministro Alexandre de Moraes) achou pouco. Afastou o governador por 90 dias e determinou a prisão do secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, e do comandante da Polícia Militar do DF, Fabio Augusto Vieira. Verdadeiro furor prisional, ao contrário do que ocorreu em 2006.

Financiadores dos movimentos

No episódio de 2006, não se preocupou com descobrir quem havia financiado a cara operação de deslocar os sem-terra para Brasília, alimentá-los e alojá-los. Mas o mistério seria esclarecido por acaso.

Em 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobriria fraudes nas contas do movimento de Bruno Maranhão no valor de 5,8 milhões de reais em verbas fornecidas pelo Incra, com muitos indícios de que teriam financiado o quebra-quebra. O TCU cobrou Bruno Maranhão e ex-diretores do Incra, mas ficou tudo por isso mesmo.

No episódio de 2023, há uma verdadeira histeria em descobrir quem financiou os acampamentos e deslocamentos dos manifestantes anti-Lula da Silva e sua cleptocracia já voltando ao poder. Prometem-se multas, confiscos, indisponibilidades para 52 pessoas físicas e sete empresas, até agora. Aguardemos os resultados dos inquéritos.

Imprensa e o ódio fingido

No episódio de 2006, houve a condenação pela imprensa do vandalismo, em termos moderados. Reportagens relataram o ocorrido com equilíbrio, como fizeram as revistas “Época” e “Isto É/Dinheiro”, de julho de 2006. Mas em poucos dias o fato caiu no esquecimento.

No episódio de agora, há um verdadeiro furor por parte da imprensa e não só contra quem vandalizou os prédios públicos. Quem protestou em Brasília naquele janeiro é “terrorista” ou “golpista”, mesmo que seja uma senhora em cadeira de rodas ou uma criança, e não tenha saído da frente dos quartéis. Espanta comparar as declarações dos colunistas mais velhos, que noticiaram os acontecidos de 2006 e os de agora. Quanta diferença.

Faça o leitor suas comparações entre os dois episódios e os dois pesos e duas medidas de governo, justiça e imprensa. Tire suas conclusões. Uma das minhas: muito da imprensa que temos hoje seguiu nossos piores políticos, e desceu tão baixo que até seu ódio é fingido.

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