Roberson Guimaraes
Estou corrigindo uma falha da minha formação como leitor. Eu jamais havia lido de forma disciplinada as “Confissões” de Santo Agostinho. Apenas alguns trechos aqui, outros acolá, citações, etc, nada muito rigoroso.
Fazendo uma leitura minuciosa na excelente tradução do latim proporcionada por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior (pesquisador da Universidade de Coimbra e professor de língua e literatura latina), entendo por que, no final da vida, o matemático, cientista e filósofo Blaise Pascal doou toda a sua biblioteca de livros, ficando com apenas dois: a Bíblia e as “Confissões” (Autêntica, 480 páginas) de Agostinho.

Estou muito impressionado com a beleza, a profundidade, a honestidade e a humanidade das memórias de Agostinho. A história se concentra no que mais importa na vida: amor, paixão, ambição, família, luto, sabedoria, morte e desejo.
Agostinho sofreu uma vida conflituosa: conflito dele com a mãe, Mônica; conflito entre sua mãe e seu pai infiel e violento, Patrício; conflito entre vários grupos aos quais Agostinho prestava maior ou menor fidelidade, como os maniqueus, os céticos, os platônicos e os cristãos.
Mas, acima de tudo, havia um conflito feroz dentro do próprio Agostinho. Sua mente estava dividida, confusa e distorcida em relação a questões filosóficas e teológicas. Seu coração estava ainda mais desorientado, perplexo e confuso sobre como viver e como amar. Agostinho sofria de uma inquietude e nisso ele não estava sozinho. Bruce Springsteen estava certo: “Everybody’s got a hungry heart”.

Homossexualidade e a importância da amizade
Um ponto especial nessa turbulência interna eram suas amizades. Agostinho escreve sobre as amizades que desfrutava e seu grande amor pelos amigos, especialmente por um querido e especial amigo que faleceu. Vários estudiosos apontam que esses relatos são indicativos dos envolvimentos homossexuais do jovem Agostinho.
Seus amigos, no sentido mais amplo do termo, incluíam Cícero, que alimentava o amor pela sabedoria, e o bispo Santo Ambrósio, que aprofundou seu amor pela sabedoria divina. Ambrósio o ensinou a ler as Escrituras com inteligência, não como um fundamentalista faria.
O texto é também um profundo estudo psicológico sobre a natureza humana, a memória, o tempo e a busca de sentido. Como o próprio título sugere, representa um encontro sincero da alma consigo mesma, algo que para um ateu-devoto, como eu, faz enorme sentido.

Muitas pessoas se sentem compreensivelmente intimidadas ao ler as “Confissões” de Agostinho, mas acredito que o eventual esforço será amplamente recompensado.
Quer se leia apenas os nove primeiros livros (que abordam sua aversão a Deus e sua conversão a Ele) ou também os quatro livros finais (que são explorações profundas da memória, exegese, tempo, espaço e Igreja), Agostinho certamente expandirá sua mente e seu coração. Acho que a maioria das pessoas ficará muito feliz por ter tentado. A leitura aqui pode servir como transcendência ou talvez mais uma experiência literária. Mas, creia, você estará diante de algo belo. Uma beleza que poucos textos literários conseguiram equiparar.
Roberson Guimarães, médico e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.
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