Última entrevista de Brilhante Ustra, chefão do DOI-Codi, sai em livro da jornalista Cleidi Pereira

A historiadoras Mariana Joffily, brasileira, e Maud Chirio, francesa, acabam de publicar no Brasil um livro excelente: “Torturadores — Perfis e Trajetórias de Agentes da Repressão na Ditadura Militar Brasileira” (Alameda, 299 páginas). Trata-se de uma análise acadêmica séria — sem sensacionalismo — sobre como o governo brasileiro, na ditadura civil-militar, patrocinou a tortura e o assassinato de presos políticos. As pesquisadoras mostram a “força” decisiva do comando, dos que davam ordens, mas acrescentam o engajamento de alguns militares e delegados de política.

Entre os torturadores são mencionados Brilhante Ustra, tido por muitos como um dos chefões, Paulo Malhães (torturador e assassino confesso), Aparecido Laertes Calandra (delegado), Félix Freire Dias, Freddie Perdigão, Rubens Paim Sampaio, Homero César Machado, Maurílio Lopes Lima, entre outros.

Brilhante Ustra: o coronel era o poderoso chefão do DOI-Codi de São Paulo| Foto: Reprodução

(O livro de Mariana Joffily e Maud Chirio só precisa de uma revisão criteriosa, o que poderá ser feito na próxima edição. Ustra é apresentado como “major-coronel”, patente que não existe no Brasil. Um militar aparece como Félix e, depois, Feliz. O Rousseff de Dilma é gravado sem um “f”. Falta padronização: escreve-se Doi-Codi e, em seguida, DOI-Codi, o certo. O pesquisador britânico Anthony Pereira tem o nome mudado para “Antony”. Sandrine Lefranc aparece, na mesma página, a 179, como Sandrine Le Franc. Falta um trecho, na página 237: “a conversão dos militante de esquerda em infiltrado nas inimigas”. Os problemas, irrelevantes, não empanam a alta qualidade da pesquisa.)

Há um livro incontornável para aqueles que querem conhecer os bastidores da violência do Estado e de seus funcionários contra presos políticos. Trata-se de “A Casa da Vovó — Uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o Centro de Sequestro, Tortura e Morte da Ditadura Militar” (Alameda, 611 páginas), de Marcelo Godoy. É a obra mais detalhada sobre ao assunto.

Cleide Pereira: obstinação rendeu uma entrevista com Brilhante Ustra | Foto: Facebook

Livro resulta da obstinação da repórter

Tendo os dois livros acima como referências equilibradas, dadas as pesquisas amplas, vale ler “Confissões de um Torturador — A Última Entrevista do Coronel Ustra” (Insular, 190 páginas), da jornalista Cleidi Pereira.

 Brilhante Ustra escreveu dois livros para se defender e acusar a esquerda. O coronel e liderados torturaram e mataram no DOI-Codi de São Paulo, assim como seus aliados no DOI-Codi do Rio de Janeiro. O ex-deputado Rubens Paiva foi assassinado no DOI do Rio.

Ao se defender, Brilhante Ustra refuta que tenha torturado e assassinado, ou seja, falta com a verdade. Por isso, entrevistar uma pessoas que nega o que fez, durante a ditadura civil-militar, é muito difícil. Corre-se o risco de se fazer propaganda indireta.

Mas o (a) jornalista tem o dever de entrevistar qualquer um, inclusive torturadores. Alguma coisa sempre escapa da “censura” e contribui para formar um corpus a respeito dos indivíduos, como Brilhante Ustra, que morreu em 2014.

Repórter do “Zero Hora”, Cleidi Pereira teve dificuldade para obter a entrevista. Porém, abordando Brilhante Ustra de maneira enfática, e demonstrando que havia lido um de seus livros, “A Verdade Sufocada”, acabou por conseguir falar com o chefe do, por assim dizer, Tortura DOI-Codi.

Jornalista sofreu ameaça de ter pescoço retorcido

No site da Editora Insular, há este registro: “Há livros imprescindíveis, e este é um deles, graças ao profissionalismo, à persistência e à coragem da jornalista que não se acovardou com a ameaça de ter seu pescoço torcido”.

Conta-se que o coronel Paulo Malhães foi assassinado por assaltantes. É possível. Mas há também a possibilidade de ter sido morto por ex-membros do aparelho repressivo, porque, de repente, estava falando demais, ou seja, estava falando a verdade.

Portanto, todo cuidado é pouco quando se lida com torturadores e assassinos profissionais — altamente treinados. Como o próprio Malhães.

De a acordo com a Insular, “o criminoso, que durante toda sua vida negou seus crimes, revelou-se por inteiro nas entrelinhas e nas contradições de suas respostas em sua última entrevista”. Verdade? É possível. Mas Brilhante Ustra não era nenhum amador.

Dione Kuhn, editora de Política do “Zero Hora” em 2014, o ano da entrevista, menciona a obstinação de Cleidi Pereira. “A cada recusa, Cleidi, em vez de jogar a toalha, encontrava novas formas de tentar convencê-lo a recebê-la em sua casa”.

Cleidi Pereira foi repórter do “Correio do Povo” e do “Zero Hora” e é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais. Em Lisboa, onde reside, faz doutorado em Sociologia.

[Email: [email protected]]

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