Mario Vargas Llosa, o último rebelde das letras latino-americanas

Salatiel Soares Correia

Especial para o jornal Opção

Mario Vargas Llosa, escritor peruano nascido em 1936, faleceu no domingo, 13, em Lima, aos 89 anos. Sua morte encerra uma trajetória literária e intelectual que atravessou décadas, continentes e ideologias, deixando um legado que transcende as fronteiras do tempo e da língua.

Nascido em Arequipa, Peru, Vargas Llosa (pronuncia-se “Lhôssa”) teve uma infância marcada por contrastes. Criado inicialmente pelos avós maternos na Bolívia, acreditava que seu pai havia falecido, até que, aos 10 anos, descobriu a verdade e passou a conviver com ele, um homem autoritário cuja presença influenciaria profundamente sua visão sobre poder e opressão.

Sua carreira literária começou com “A Cidade e os Cachorros” (1963), uma crítica feroz à brutalidade militar e à hipocrisia social, baseada em sua experiência na escola militar Leoncio Prado.

Seguiram-se obras como “A Casa Verde” (1966), que entrelaça múltiplas narrativas em um bordel na selva peruana, e “Conversa no Catedral” (1969), uma análise profunda da corrupção e do desencanto político no Peru (detalhe: “catedral”, no caso, é um bar).

Em “Pantaleão e as Visitadoras” (1973), Vargas Llosa explorou a sátira ao narrar a história de um capitão encarregado de organizar um serviço de prostitutas para soldados na Amazônia peruana.

Já “A Guerra do Fim do Mundo” (1981) marcou sua incursão no romance histórico, recriando a revolta de Canudos no Brasil com uma riqueza de detalhes que consolidou sua reputação internacional. Por sinal, o escritor elogiou “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, como um portento histórico e literário.

Sua obra também se expandiu para além da ficção. Em “O Sonho do Celta” (2010) retratou a vida de Roger Casement, diplomata irlandês a serviço dos britânicos que denunciou atrocidades no Congo e na Amazônia, abordando temas como colonialismo e direitos humanos. Trata-se de um romance histórico ou de um romance de não-ficção.

A tese de doutorado do Nobel peruano Mario Vargas Llosa é o livro mais completo sobre a literatura do escritor colombiano Gabriel García Márquez | Foto: Jornal Opção

Além disso, Vargas Llosa demonstrou sua versatilidade ao escrever peças teatrais e ensaios, como “A Civilização do Espetáculo” (2012), uma crítica à superficialidade da cultura contemporânea.

Sua vida pessoal foi tão complexa quanto sua obra. Aos 19 anos, casou-se com Julia Urquidi, sua tia (política) dez anos mais velha, relacionamento que inspirou o romance autobiográfico “Tia Júlia e o Escrevinhador” (1977).

Após o divórcio, casou-se com sua prima Patricia Llosa, com quem teve três filhos e compartilhou mais de cinco décadas de vida.

Em 2015, surpreendeu ao romper esse longo casamento para viver um romance com a socialite espanhola Isabel Preysler, ex-mulher do cantor Julio Iglesias, demonstrando coragem para seguir seus sentimentos, mesmo desafiando convenções sociais.

Vargas Llosa também teve uma relação profunda com a Espanha, onde estudou na Universidade Complutense de Madrid e obteve a nacionalidade espanhola em 1993. Sua ligação com o país foi reconhecida com sua eleição para a Real Academia Espanhola em 1994 e, posteriormente, para a Academia Francesa em 2023, tornando-se o primeiro autor de língua espanhola a receber tal honra.

Romance de Mario Vargas Llosa é uma denúncia poderosa dos males do colonialismo | Foto: Divulgação

Em 2010, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, reconhecimento por sua “cartografia das estruturas do poder e suas imagens afiadas da resistência, rebelião e derrota do indivíduo”.

Sua obra, marcada por uma prosa vigorosa e uma análise incisiva das sociedades latino-americanas, permanece como um testemunho da luta pela liberdade e pela dignidade humana.

Ao saber de sua morte, sinto uma profunda melancolia. Vargas Llosa me ensinou que a vida só vale a pena ser vivida quando somos capazes de nos rebelar, de sermos sujeitos ativos no processo histórico de nosso tempo. Descanse em paz, velho rebelde. O mundo pode até esquecê-lo, mas suas obras ultrapassarão as areias do tempo.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, bacharel em Administração de empresas e mestre em energia pela Unicamp. É autor de nove livros. É colaborador do Jornal Opção.

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