José Hiran da Silva Gallo
O dia 31 de março de 2025 entra para a história da luta em defesa do Ato Médico. A decisão da Justiça que derrubou a Resolução nº 5/2025, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que permitia aos farmacêuticos a prescrição de medicamentos, fortalece o entendimento de que apenas o médico pode fazer o diagnóstico de doenças e prescrever seus respectivos tratamentos.
Mais do que preservar prerrogativas já previstas na Lei nº 12.842/2013, que acabou de completar dez anos, essa decisão é um golpe nas tentativas de invasão de competências legais da medicina que têm sido promovidas por conselhos de outras categorias profissionais.
Tanto é que determinou-se ao Conselho de Farmácia suspender imediatamente os efeitos da Resolução nº 5/2025 e se abster de expedir outra sobre o mesmo tema. Também fixou-se à autarquia a obrigatoriedade de dar ampla publicidade à decisão judicial sob pena de multa diária de R$ 100 mil até o limite de R$ 10 milhões. O tamanho da penalidade é proporcional ao da preocupação que o assunto suscita.
Como estabelece a liminar, para que haja a prescrição de um medicamento é necessário uma “hipótese diagnóstica” sobre a origem da doença. Porém, o texto já alerta: somente um médico tem competência técnica, profissional e legal para fazê-lo e definir o tratamento terapêutico.
Ao longo dos anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem atuado com firmeza contra incursões como a promovida pelo CFF. Desde 2013, foram ajuizadas mais de 40 ações judiciais – em diferentes instâncias – contra abusos praticados por outras categorias profissionais da saúde na tentativa de frear o desrespeito à legislação vigente.
As ações movidas pelo CFM fazem, junto ao Judiciário, a defesa de diferentes aspectos exclusivos do exercício da medicina, previstos em lei, mas que, em determinado momento, têm sido alvo de normas editadas por conselhos de classe. Em todas as oportunidades, as entidades exorbitam suas competências na busca de ampliar o escopo de trabalho de seus inscritos.
As tentativas de usurpação dessas prerrogativas se materializam em propostas como: inserção de dispositivos intrauterinos (DIUs) por enfermeiras, prática de acupuntura por educadores físicos, diagnóstico de doenças por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, elaboração de laudos citopatológicos por biomédicos e possibilidade de realização de procedimentos estéticos invasivos por diferentes categorias.
No entanto, vislumbra-se um novo cenário. A decisão liminar do dia 31 sinaliza uma mudança na postura do Judiciário. Dessa vez, em sua justificativa, a Justiça deixou claro que está atenta ao movimento reincidente dos conselhos profissionais em reeditar normas já anuladas judicialmente.
Reiteradamente, essas entidades têm passado por cima da legislação e criado uma lógica própria para regular a atividade das suas categorias. No processo, ignoram critérios legais e técnicos e diretrizes éticas. As consequências práticas dessas normas ilegais não são levadas em consideração, o que transparece no volume cada maior de vítimas de procedimentos realizados por não médicos.
Na liminar, reconhecem-se os inúmeros problemas que têm sido causados pela atuação de não médicos na condução de procedimentos exclusivos da medicina, deixando um rastro de sequelas e mortes registrado com destaque pelos noticiários regional e nacional.
Além disso, reitera-se a posição contrária ao caminho adotado pelos conselhos de classe que, ao invés de se limitarem a regulamentar e fiscalizar as atividades de seus inscritos, buscam modificar ou ampliar o escopo da profissão por meio de resolução, uma norma inferior à lei.
De modo didático, a decisão explica que isso somente pode acontecer por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Executivo, após amplo debate com a sociedade. Ou seja, atalhos subvertem a ordem jurídica e trazem instabilidade.
Com essa decisão, o Ato Médico fica mais protegido dos ataques de outras categorias, que, a partir de agora, precisam reconhecer que o Judiciário percebeu os riscos de suas intenções e está disposto a barrar iniciativas que promovem a insegurança dos pacientes, inclusive buscando-se a responsabilização criminal dos responsáveis por atos como estes. Pela medicina e os pacientes, o CFM se mantem atento para buscar a proteção da Justiça. Isso continuará a ser feito sempre que houver uma ameaça. É o nosso compromisso.
José Hiran da Silva Gallo é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O post A Justiça, a medicina e a defesa da saúde e da vida apareceu primeiro em Jornal Opção.